terça-feira, 4 de maio de 2010

TEXTOS PEDAGOGICOS: Avaliação escolar; Inclusão; Planejamento.

AVALIAÇÃO:
questão técnica ou política?


HELIA SONIA RAPHAEL


Não é raro deparar-se com abordagens sobre a avaliação escolar que caem numa análise maniqueísta do problema. A avaliação qualitativa, que tem sido objeto de tanta discussão, seja em seu conceito quanto em sua aplicabilidade. na maioria das vez s, é apresentada como uma anteposição da avaliação quantitativa. Esta passa a ser rotulada como tradicional, tecnicista e autoritária em contraposição a unia postura progressista da avaliação qualitativa .
Da mesma forma, a questão técnica da avaliação, o “corno fazer”, é apresentada, muitas vezes. de modo a se criar uma representação antagônica à questão política, que envolve o “para quê” e “o quê” fazer.
Estes pólos, à primeira vista contrários, em realidade são faces de um mesmo problema que. se quisermos compreender, deve ser analisado em sua totalidade e em suas contradições. A verdade caminha no sentido não da eliminação, mas da incorporação de cada aspecto pelo todo, possibilitando uma análise mais concreta e dinâmica: uma análise dialética. Esta posição nos traz indicações seguras de que avaliação quantitativa e avaliação qualitativa não se contrapõem. mas se completam da mesma forma que o cumprimento do papel político desejável à avaliação não se Concretiza sem que o processo avaliativo tenha qualidade técnica.
A própria concepção de avaliação traz embutidas estas respostas. Com pouca variação entre os deferentes autores - tecnicistas ou não - o conceito mais comum é de que a avaliação é um processo que utiliza informações para formular juízos de valor, diante dos quais se tomam decisões. A avaliação, apresentada como processo, antevê um controle de qualidade, que supõe tanto confiabilidade nos dados obtidos e conseqüentemente, no instrumento usado – quanto análise, interpretação, e criação de situações de intervenção como forma de garantir essa qualidade. A utilização de informações tem como antecedente a obtenção dessas informações. pela aplicação de instrumentos de medida. O juízo de valor constitui-se na transformação destas informações em um julgamento supondo análise e interpretação. A tomada de decisão vai concretizar o objetivo a que se destinou o processo.
Assim ao lado de uma descrição quantitativa, obtida através de dados de medida, a avaliação contém uma interpretação, que traduz a qualidade política do processo. dependendo de seu grau de participação.

1. A QUESTAO TÉCNICA

À qualidade técnica de um processo avaliativo reside. essencialmente. no aprimoramento dos instrumentos utilizados. Estes instrumentos têm o objetivo de obter dados de medida que formarão um conjunto ao qual será atribuído o juízo de valor. Estes dados que servirão ao julgamento necessitam ter qualidades técnicas para que o juízo seja aceitável. Devem ainda ser coerentes com a totalidade do processo, pois nesta fase são decididas questões como: para quê servem os dados? que informações são necessárias? como serão obtidas as informações? a quem caberá esta tarefa?
É preciso lembrar que a medida é sempre um dado quantitativo.

“Pode-se definir medida como a atribuição de um número incluído numa série a cada um dos integrantes de uma Série de pessoas ou objetos de acordo com certas regras estabelecidas.” (LINDEMAN. 1987: 1)

Toda atribuição de um número como característica de um objeto ou ser supõe o uso de instrumentos quantitativos que se aperfeiçoam constantemente no sentido da objetividade e da precisão, para que o dado obtido seja confiável. A medida, além de se caracterizar por um número, tem outras especificidades: é realizada dentro de um espaço de tempo determinado: visa a um único aspecto do fato ou objeto, depende de instrumentos adequados ao fim a que se destina. Deve ter ainda qualidades tais como a validade (mede o que deve medir) e a fidedignidade (o resultado não depende do acaso e por isso é confiável).

1.1. Categorias de Avaliação

Nos anos 30. TYLER (1974) já introduzia vários procedimentos para a coleta de informações sobre o rendimento escolar e propunha a avaliação com base nestas informações, tendo por referência os objetivos curriculares. A concepção do modelo de avaliação por objetivos, proposta por TYLER. tem o caráter de controle e visa a avaliar o grau cm que estão sendo cumpridos os objetivos educacionais, traduzidos em mudanças comportamentais que correspondem a graus de desempenho dos alunos.
Baseada no cumprimento de objetivos é a categorização de SCRIVEN 1973), revista por BLOOM.

1.1.1. Tipos de avaliação segundo os objetivos a que servem

A categorização de BLOOM tornar-se-ia clássica dentro da problemática da avaliação por objetivos. São propostas por ele: avaliação diagnóstica. avaliação formativa e avaliação somativa.
A avaliação diagnóstica, feita antes de se iniciar o processo de ensino-aprendizagem, visa a detectar situações-problema dos alunos ou da classe. Subsidia, o planejamento e a organização de seqüências de ação. Permite estabelecer o nível de necessidades iniciais para a realização de um projeto adequado.
A avaliação formativa é feita ao longo do processo, de modo contínuo. Visa a determinar, em cada unidade, os resultados, com a finalidade de adequar ou reprogramar o processo. Fornece dados para uma decisão, que pode ser no sentido de criar condições de melhoria de ensino e de aprendizagem, uma vez que o processo não foi encerrado.
A avaliação somativa é realizada ao final do processo, com o intuito de verificar em que grau foram alcançados os objetivos propostos. Geralmente integra uma grande quantidade de conteúdos e conhecimentos para compor uma amostragem válida e serve à classificação. Como a decisão neste caso refere-se à classificação do aluno, este tipo de avaliação não dá condições para uma reorganização do processo ou reorientação dos alunos.
Estas categorias dizem respeito a quando e para quê se avalia.

1.1.2. Tipos de avaliação segundo a natureza do que se avalia

Nesta categorização, tem-se: a.avaliação de produto, de processo e institucional.
A avaliação de produto tem o propósito de verificar se o aluno aprendeu e se os objetivos propostos foram atingidos. Avaliam-se os resultados do processo ensino-aprendizagem, usando dados de exames e observação. Não serve à melhoria do processo porque os dados são obtidos quando o aluno já está fora dele.
A avaliação de processo, feita ao longo do ano letivo, é um controle de qualidade que permite a intervenção de modo a garantir o resultado final ou a qualidade do produto. Supõe análise, interpretação e criação de situações de intervenção. Tem função de retroalimentação.
A avaliação institucional diz respeito ao controle de qualidade de curso e da instituição.
Estas categorias definem o que se avalia.

1.1.3. Tipos de avaliação segundo sua referência

Este enfoque das medidas educacionais é feito por POPHAM (1976). Segundo o autor, as medidas podem ter por referência a norma ou podem se fundamentar em critérios.
As medidas referenciadas a norma têm por base critérios relativos: têm a finalidade de verificar o desempenho do aluno com relação ao grupo ou classe. As notas são dadas a partir da suposição da existência de uma curva normal de distribuição de notas, onde a média representa a norma ou norma¬lidade estatística. As demais notas são dadas tomando-se como referência a média de classe ou a norma estatística.
As medidas referenciadas a critérios fundamentam-se em critérios absolutos: buscam a formulação de questões que correspondam à mensuração de comportamentos compatíveis com os objetivos. Têm a finalidade de verificar o desempenho do aluno com relação a um desempenho padrão ou a critérios estabelecidos nos objetivos.

1.1.4. Tipos de avaliação segundo a procedência

São categorias que dizem respeito a quem faz a avaliação. Nesta classificação entram: a auto-avaliação, a hetero-avaliação e a co-avalia¬ção.
A auto-avaliação é a que é feita pelo próprio aluno, como agente de sua aprendizagem. Este tipo de atividade de julgamento pode ajudar na formação de uma auto-imagem e uma auto-crítica. Além disto, presta-se a avaliar os aspectos afetivos do processo ensino-aprendizagem, manifestos pelas altitudes. Mas pode servir também a aspectos cognitivos, revelando a passagem de um estágio desorganizado para um estágio crítico. É valorizada pelo tecnicismo como instrumento de auto-controle, que- oferece condições de “feed-back” para o aluno.
A hetero-avaliação é a que é proposta por alguém que não seja o educando. Pode ser realizada pelo professor, o que se constitui em avaliação in¬terna por pertencerem todos os envolvidos ao mesmo processo. Pode ser externa, quando realizada por pessoas estranhas ao processo.
A co-avaliação é uma avaliação mista ou conjunta entre agentes internos
e externos ou alunos e professores.

1.2. Como avaliar: instrumentos

A avaliação deve se definir a partir dos objetivos traçados e os instrumentos utilizados devem ser pertinentes às condutas que se pretende avaliar. Existe uma gama variada de instrumentos que podem ser ocasionados pelo professor, desde a simples observação cotidiana até formas sofisticadas de elaboração do assunto. É preciso que haja relação do instrumento com a área ou domínio de aprendizagem. Assim, dificilmente se obterá resultado pertinente através de provas se a área avaliada é a psicomotora ou afetiva. Isto requer maior dose de observação, escalas de avaliação, listas de cotejo. Em contrapartida, a área cognitiva é a que mais solicita instrumentos de lápis e papel, entendidos em sentido amplo: testes, trabalhos escritos, monografias, questões abertas, análise de casos. A par disso, podem se de¬senvolver instrumentos orais de avaliação, voltados para objetivos que im¬pliquem comunicação oral, capacidade de intervenção oral, habilidade de expressão oral, domínio de mecanismos de leitura.

1.2.1. Provas orais

Requerem do examinador um roteiro prévio de questões. A prova oral pode ser aplicada individualmente ou em grupo. Geralmente o problema deste tipo de instrumento é sua baixa objetividade, o que dificulta o julgamento e compromete a validade. Mas em algumas situações pode colabora: para uma Interação professor-aluno, desde que sua condução seja sob a forma democrática do diálogo e não do apavorante “Tribunal de Inquisição”. Um: outra for¬ma de prova oral é feita em grupo, quando vários alunos analisam e resolvem situações colocadas pelo professor. Este tipo de avaliação, denominado por GALLI (1992) de “colóquio”. coloca os alunos em situação grupal onde devem demonstrar aprendizagem. tendo o docente como coordenadar. Apesar de ser uma avaliação grupal, o que se julga é o rendimento individual nesta situação de trabalho. Além do conhecimento, trata da aquisição, pelos alunos, de uma forma cooperativa de trabalho.

1.2.2. Provas escritas

As provas escritas constituem, sem dúvida, as de maior utilização em todos os graus e disciplinas. Apesar de estarem vinculadas ao chamado mode¬lo tradicional de avaliação, o que define realmente este vínculo é o uso que se faz dela.
Quanto à sua elaboração e aplicação, as provas escritas são comumente classificadas em objetivas e dissertativas.
Segundo LAFOURCADE, as provas objetivas ou de questões estruturadas possuem características que são eficazes na mensuração de resultados complexos de aprendizagem. desde que considerem

“as condutas que estimularão sua representatividade, índice de discriminação e dificuldade…” (LAFOURCADE. 1969: 91)

Constitui senso comum entre os professores o julgamento de que as pro¬vas estruturadas oferecem dificuldades de elaboração mas facilitam a tarefa de correção. A prova dissertativa, pelo contrário, oferece dificuldades maiores na correção. Segundo VIANNA (1973), a construção de questões dissertativas não é tão simples quanto aparenta. pois demanda técnicas, cuja ausência pode comprometer a validade de constituído e a amostragem significativa.
Quanto á correção, evidentemente mais complexa nas provas dissertativas. é preciso que não se percam de vista os objetivos a serem avaliados: pode-se construir uma tabela de especificações onde fique clara a relação entre objeti¬vos e avaliação.

1.3. Avaliação do desempenho acadêmico

Tomando como referência os objetivos, é preciso que se repensem for¬mas de avaliação do desempenho acadêmico que reflitam especificidades de cada curso e generalidades da Universidade. Se, por um lado, tem-se em mira a formação de um determinado profissional, suposto nos objetivos do curso, por outro lado é necessário que não se omita que a Universidade se coloca a serviço de uma elaboração e reelaboração constantes da Ciência. A simples avaliação de produto deixa a desejar, quando se percebe que ao profissional o conhecimento não basta, mas faz-se necessário o domínio das formas de aquisição desse conhecimento, para sua auco-capacitação.
Como instituição destinada ao avanço e ao ensino da Ciência. a Universidade tem sua atuação em três modalidades de ação: a docência, a pesquisa e a extensão.
A avaliação de ensino-aprendizagem que se baseia nos conhecimen¬tos adquiridos pelo aluno será incompleta sem enfocar aspectos de investi¬gação pelo próprio aluno e pelo professor. O domínio de instrumentos de investigação é tão importante quanto a assimilação do conhecimento his¬toricamente acumulado até a atualidade. A formação de pesquisadores e de profissionais coro capacidade de investigação na sua área são prioridade acadêmica. E preciso que se estimulem, junto aos alunos, tarefas de inves¬tigação diversificadas, pois isto garante a autonomia profissional.

1.4. Avaliação no 1º e 2º graus

Um dos problemas evidenciadas em pesquisa sobre o enfoque dado à avaliação pelo professor (RAPHAEL, 1993) foi a dificuldade de conduzi-la. em sala de aula, como processo integrado ao ensino-aprendizagem, que teria a função retroalimentadora. A avaliação, nas escolas de 1º e 2º graus, e um momento estanque do procedimento curricular e, assim, é realçada sua função classificatória.
Além disso, a avaliação, tal corno é realizada, não colabora para a consecução de objetivos destinados a uma formação crítica e criativa. É centrada na reprodução de conhecimentos, tais como foram emitidos pelo professor, ava¬liando muito mais o ensino do que a aprendizagem, entendida num contexto interativo e de construção.
Dentro do quadro de disciplinas, a avaliação não leva à interligação de conhecimentos - a interdisciplinaridade - por se realizar de modo fragmentário, isolado em cada disciplina e, dentro da própria disciplina, isolado em unidades temporais (o bimestre) ou pedagógicas. A retomada para a continui¬dade, que seria a avaliação diagnóstica, e a avaliação ao longo do processo - a formativa - são minimizadas em função da avaliação somativa, essencialmente classificatória e burocrática.
Se levarmos em conta o próprio conceito de avaliação, que supõe processo. juízo de valor e decisão, chega-se com LUCKESI (1990) à conclusão de que realmente a escola não faz avaliação, mas verificação de aprendizagem. A escola realiza verificação e. para isto, centra-se no procedimento de obtenção de dados, que é predominantemente a prova, dando à descrição do rendimento do aluno um caráter meramente quantitativo, embora seja às vezes expresso em menções. Daí o fato de as menções oferecerem dificuldade no uso cotidiano do professor. É que a menção expressa um desempenho qualitativo, uma interpretação valorativa do rendimento. Os dados obtidos pelo professor são quantitativos, pois as medidas evidenciam quanto se aprendeu e não como se aprendeu. O uso do dado quantitativo para o julgamento de valor supõe uma transposição, uma escala de representações e algumas informações adicionais que se obtém com a observação e a participação do aluno. Este passo parece ser de difícil consecução para os professores. que optam pela média das medidas e a transposição em menções. A burocracia administrativa corrobora esta situação, exigindo documentação das avaliações realizadas, perpetuada no papel.
As três características levantadas na avaliação praticada nas escolas de IS e 2º graus - classificação, fragmentação e reprodução - denotam valores que estão arraigados ideologicamente nos professores. O critério para se jul¬gar um bom aluno está basicamente centrado na memorização e a significação do conteúdo reside no professor e não no aluno. Isto deturpa o sentido de ensinar e de aprender.
Segundo ANDRÉ (1990), três características básicas norteiam a organização do sistema escolar: a centralização, a reproducão e a ausência de projeto. .A avaliação. como elemento curricular e parte do sistema, está impregnada das mesmas categorias. A centralização traz o predomínio do burocrático sobre o pedagógico, condicionando a comunidade a exigir o burocrático e não o pedagógico. A reprodução reflete, em nível de sala de aula as relações escola-sociedade. A ausência de projeto é percebida num praticismo exacerbado, sem diretrizes teóricas, o que traz a fragmentação e a desarticulação.
Estas características que norteiam a prática pedagógica podem ser superadas através da reflexão dialética da escola, seja em suas relações com a sociedade, seja na interrelação entre os componentes curriculares. Esta relação dialética é que pode mudar a visão da avaliação e seu papel no processo ensino-aprendi¬zagem. A avaliação deve atuar no sentido de coletar o que o aluno aprendeu. tendo em vista os objetivos a serem alcançados, corri a intenção de reformular o processo. na medida dos resultados obtidos. Assim, a avaliação. Ao invés de finalizadora do processo, passa a ser diagnóstico-formativa, assumindo o papel de alimentadora do processo, através dos dados obtidos,.
Pode-se iniciar, com um projeto de avaliação. uma prática refletida de todo o currículo da escola. Esta prática. embasada numa fundamentação: teóri¬ca, solicita um modelo político de escola que pode quebrar a relação de repro¬dução escola-sociedade, e instalar uma relação que pode servir à transforma¬ção social.

2. A QUESTÃO POLITICA

A avaliação, como atividade do cotidiano do professor, tem caído, como tudo o que é rotineiro, no senso comum, deixando de ser preocupação de áreas reflexivas como a Filosofia, a Sociologia e a Antropologia. O senso comum cria representações que, uma vez sedimentadas, ficam difíceis de serem en¬tendidas. Para o seu entendimento, há que se situar o contexto em que elas ocorrem.
Na avaliação, o senso comum tem caminhado no sentido da técnica e omitido ou e todo procedimento técnico traz subjacentes compromissos políticos. Isto ocorre pela predominância da influência do pensamento liberal no senso comum, que se traduz pela leitura que faz de problemas econômicos e políticos como problemas administrativos e, portanto, com solução técnica. À solução técnica usa do aparato científico para se chegar à verdade e à solução de problemas. Esta obsessão por procedimentos racionais muitas vezes escon¬de o sentido real do problema. por ignorar um aspecto político, muitas vezes calcado em ideologias dominantes do senso comum ou da classe social hegemônica.
É preciso pensar que além de técnicas avaliativas, o professor usa critéri¬os para julgar e classificar. Estes critérios têm como referencial um padrão que conota uma concepção de mundo. Os critérios têm como determinantes, entre outros, a formação e experiência do professor, a aceitação social e corporativa. Esta aceitação varia de uma sociedade para outra; portanto, a avaliação é produto de uma sociedade em determinado momento de desenvol¬vimento. Expressa, assim, a visão de mundo e as relações sociais existentes nesse momento vivido por essa sociedade. Os padrões também são variáveis: não são universais, uma vez que vêm carregados de concepções sobre a reali¬dade e a normalidade.
A avaliação, sendo uma atividade intencional, produto de determina¬da sociedade, vem colaborar com os mecanismos de construção de deter¬minado tipo de homem, ligado à ideologia política dessa sociedade. O autoritarismo passa a ser um instrumento usado para garantir a sobrevivência do sistema. Portanto, a Pedagogia. quando se coloca a serviço do sistema, implementa um sistema autoritário de avaliação, evidenciado pelo uso indiscriminado de instrumentos classificatório, próprios de um mo¬delo liberal conservador que só permite mudanças internas, mantendo o sistema)
O modelo liberal conservador traz uma ideologia de formação que se ria a do homem adequado ao sistema: individualista, competitivo, alie¬nado politicamente, mas participante do processo de produção e muitas vezes violento, pela imposição da sociedade de classes. Se analisarmos a avaliação em nossas escolas, percebe-se que ela trata o aluno como produ¬to individual, ratificando a divisão de classes. Não objetiva tornar o edu¬cando criativo e crítico da sociedade. Só avalia o que foi feito ou ensinado, mas torna obrigatório o ato de avaliar e classificar. O conhecimento é tratado, portanto, como realidade absoluta, da qual os homens se servem para solucionar seus problemas, e não como produto social.
O que é preciso clarear é que as formas de avaliação são mediadoras de conhecimentos, uma vez que interiorizam o que é desempenho ideal, ramo nos professores quanto nos alunos. Um procedimento de avaliação, assumido como estilo profissional por parte do professor, traz conseqüências no modo de assimilar e interpretar a realidade pelos alunos.
Segundo ETGES (l983), numa análise sociológica, isto pode desaguar num contexto de relações de mercado, onde a reprodução do conhecimento do professor pelo aluno passa a constituir um padrão de troca do trabalho escolar pela nota. A escola perde, neste sentido, uma função social que é única e primordial: a de formar cidadãos críticos, com um pensamento compreensivo que é mediado pela aquisição de conhecimentos. Para tal, o co¬nhecimento deixa de ser fim em si mesmo, que se constitui numa forma alienada de saber, e passa a instrumentalizar um processo de desenvolvi¬mento pleno do homem. MARIN (1990) questiona o papel da escola, ao analisar o prognóstico que é realizado, principalmente nas situações de ava¬liação, pelos professores e alunos. Isto leva a uma procura de alternativas de solução mas

“(…) o prognóstico de crescimento e aprendizagem real dos alunos não são aspectos cogitados.” (MARIN. 1990: 149)

A permanência de procedimentos conservadores na avaliação, apenas com objetivo classificatório, legitimam uma ideologia tradicional de escola e de educação, sem buscar a antítese ou avançar num modelo crítico:

“ Ao delimitar a avaliação a um sistema de provas, nega-se a própria essência da avaliação. Limitada à construção, aplicação e correção de instrumentos escritos, a avaliação da aprendizagem fica na dependência de técnicas específicas para estas atividades.”(RAPHAEL. 1993: 146)

O problema extrapola o limite técnico, pois passa a ser usado como for¬ma de controle do aprendido, subordinado ao critério de cada professor. Isto define uma ideologia de controle, uma vez que a avaliação é uma atividade intencional.
A negação desta situação de avaliação, puramente quantitativa e dependente da técnica, reside na avaliação qualitativa, que tem corno essência a participação. Segundo DEMO (1988), a participação traduz a qualidade po¬lítica do processo e se liga aos objetivos e conteúdos

“(...) qualidade política é aquela que trata dos conteúdos da vida humana e sua perfeição é a arte de viver:” (DEMO, 1988: 19)


3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

À proposta de avaliação qualitativa não despreza os aspectos técnicos. Enquanto a avaliação quantitativa se preocupa com os aspectos técnicos. a qualitativa está ligada aos fins. A técnica é meio utilizado para se atingir fins: isto condiciona a qualidade formal à qualidade política. Se os meios não estão servindo aos fins a que se destinam, são indevidos À técnica sem a qualidade política leva a urna ideologia de desqualificação do processo de ensino-aprendizagem.
Captar a dimensão qualitativa implica atitude política e histórica, por se centrar na participação, que faz parte do desejo político do homem, num processo de conquistas para atingir o ideal. Avaliar qualitativamente requer esta sensibilidade: perceber a capacidade de cada aluno para abrir espaços no âmbito do conhecimento científico, de modo a utilizá-lo para urna melhoria de vida, seja no terreno individual seja no seu compromisso social.














O QUE É MESMO O ATO DE AVALIAR A APRENDIZAGEM?

A avaliação escolar da aprendizagem escolar se presente na vida de todos nós que, de alguma forma, estamos comprometidos com atos e práticas educativas. Pais, educadores. educandos. gestores das atividades educativas públicas e particulares. administradores da educação, todos, estamos comprometidos com esse fenômeno que cada vez mais ocupa espaço em nossas preocupações educativas.
O que desejamos é uma melhor qualidade de vida. No caso deste texto, compreendo e exponho a avaliação da aprendizagem como um recurso pedagógico útil e necessário para auxiliar cada educador e cada edu¬cando na busca e na construção de si mesmo e do seu melhor modo de ser na vida.
A avaliação da aprendizagem não é e não pode con¬tinuar sendo a tirana da prática educativa, que ameaça e submete a todos. Chega de confundir avaliacão da aprendizagem com exames. A avaliacão da aprendiza¬gem, por ser avaliação, é amorosa, inclusiva, dinâmica e construtiva, diversa dos exames, que não são amorosos. são excludentes, não são construtivos, mas classificatórios. A avaliação inclui, traz para dentro; os exames selecionam, excluem. marginalizam.
No que se segue, apresento aos leitores alguns en¬tendimentos básicos para compreender e praticar a ava¬liacão da aprendizagem como ava1iacão e não. equivo¬cadamente. como exames.

Antes De Mais Nada, Uma Disposição Psicológica Necessária Ao Avaliar
O ato de avaliar, devido a estar a serviço da obtenção do melhor resultado possível, antes de maisnada, implica a disposição de acolher. Isso significa a possibilidade de tomar uma situação da forma como se apresenta, seja ela satisfatória ou insatisfatória. agradável ou desagradável, bonita ou feia. Ela é assim, nada mais. Acolhê-la como está é o ponto de partida para se fazer qualquer coisa que possa ser feita com ela. Avaliar um educando implica, antes de mais nada. Acolhê-lo no seu ser e no seu modo de ser, como está, para. a partir daí, decidir o que fazer.
A disposição de acolher está no sujeito do avaliador, e não no objeto da avaliação. O avaliador é o adulto da relação de avaliação, por isso ele deve possuir a disposi¬ção de acolher. Ele é o detentor dessa disposição. E, sem ela, não há avaliação. Não é possível avaliar um objeto, uma pessoa ou uma ação, caso ela seja recusa¬da ou excluída, desde o inicio, ou mesmo julgada pre¬viamente. Que mais se pode fazer com um objeto, ação ou pessoa que foram recusados, desde o primeiro mo¬mento? Nada, com certeza!
Imaginemos um médico que não tenha a disposição para acolher o seu cliente, no estado em que está; um empresário que não tenha a disposição para acolher a sua empresa na situação em que está; um pai ou uma mãe que não tenham a disposição para acolher um filho ou uma filha em alguma situação embaraçosa em que se encontra. Ou imaginemos cada um de nós, sem disposição para nos acolhermos a nós mesmos no estado em que estamos. As doenças, muitas vezes, não po¬dem mais sofrer qualquer intervenção curativa adequada devido ao fato de que a pessoa, por vergonha, por medo social ou por qualquer outra razão, não pode acolher o seu próprio estado pessoal. protelando o momento de procurar ajuda, chegando ao extremo de já não ter muito mais o que fazer!
A disposição para acolher é, pois, o ponto de partida para qualquer prática de avaliação. É um estado psicológico oposto ao estado de exclusão, que tem na sua base o julgamento prévio. O julgamento prévio está sempre na defesa ou no ataque, nunca no acolhimento. A disposição para julgar previamente não serve a uma prá¬tica de avaliação, porque exclui.
Para ter essa disposição para acolher, importa estar atento a ela. Não nascemos naturalmente com ela, mas sim a construímos, a desenvolvemos, estando atentos ao modo como recebemos as coisas. Se antes de ouvir¬mos ou vermos alguma coisa já estamos julgando, positiva ou negativamente. com certeza, não somos capazes de acolher. A avaliação só nos propiciará con¬dições para a obtenção de uma melhor qualidade de vida se estiver assentada sobre a disposição para aco¬lher pois é a partir daí que podemos construir qual¬quer coisa que seja.

Por uma compreensão do ato de avaliar

Assentado no ponto de partida acima estabelecido, o ato de avaliar implica dois processos articulados e indissociáveis; diagnosticar e deci¬dir. Não é possível uma decisão sem um diagnóstico, e um diagnóstico, sem uma deci¬são é um processo abortado.
Em primeiro lugar, vem o processo de diagnosticar, que constitui-se de uma constatação e de uma qualificação do objeto da avaliação. Antes de mais nada, portan¬to, é preciso constatar o estado de alguma coisa (um objeto. um espaço. um projeto, uma ação, a aprendiza¬gem, uma pessoa....), tendo por base suas propriedades especificas. Por exemplo, constato a existência de uma cadeira e seu estado, a partir de suas propriedades físicas (suas características): ela é de madeira, com quatro pernas, tem o assento estofado, de cor verde.... A constatação sustenta a configuração do objeto”, tendo por base suas propriedades, como estão no momento. O ato de avaliar, como todo e qualquer ato de conhe¬cer, inicia-se pela constatação, que nos dá a garantia de que o objeto é como é. Não há possibilidade de avaliação sem a constatação.
A constatação oferece a “base material” para a se¬gunda parte do ato de diagnosticar. que é qualificar, ou seja, atribuir uma qualidade, positiva ou negativa, ao objeto que’ está sendo avaliado. No exemplo acima, qualifico a cadeira como satisfatória ou insatisfatória, tendo por base as suas propriedades atuais. Só a partir da constatação, é que qualificamos o objeto de avaliação. A partir dos dados constatados é que atribuimos-lhe uma qualidade.
Entretanto, essa qualificação não se dá no vazio. Ela é estabelecida a partir de um determinado padrão, de um determinado critério de qualidade que temos, ou que estabelecemos, para este objeto. No caso da cadei¬ra. ela está sendo qualificada de satisfatória ou insatisfatória em função do quê? Ela, no caso, será satisfatória ou insatisfatória em função da finalidade à qual vai servir. Ou seja, o objeto da avaliação está envolvida em uma tessitura cultural (teórica), compreensiva, que o envolve. Mantendo o exemplo acima, a depen¬der das circunstancias onde esteja a cadeira, com suas propriedades especificas, ela será qualificada de positiva ou de negativa. Assim sendo, uma mesma cadeira po¬derá ser qualificada como satisfatória para um determi¬nado ambiente, mas insatisfatória para um outro ambi¬ente, possuindo as mesmas propriedades especificas.
Desde que diagnosticado um objeto de avaliação, ou seja, configurado e qualificado, há algo, obrigatoriamente, a ser feito: uma tomada de decisão sobre ele. O ato de qualificar, por si, implica uma tomada de posição - positiva ou negativa - , que, por sua vez, conduz a uma tomada de decisão. Caso um objeto seja qualificado como satisfatório, o que fazer com ele? Caso seja qualificado como insazisfaório. o que fazer com ele? O ato de avaliar não é um ato neutro que se encerra na constatação. Ele é um ato dinâmico, que implica na de¬cisão de “o que fazer”. Sem este ato de decidir o ato de avaliar não se completa. Ele não se realiza. Chegar ao diagnóstico é uma parte do ato de avaliar. A situação de “diagnosticar sem tomar uma decisão” assemelha-se à situação do náufrago que, após o naufrágio, nada com todas as suas forças para salvar-se e. chegando às mar¬gens, morre, antes de usufruir do seu esforço. Diagnóstico sem tomada de decisão é um curso de ação avaliativa que não se completou.
Como a qualificação, a tomada de decisão também não se faz num vazio teórico. Toma-se decisão em fun¬cão de um objetivo que se tem a alcançar. Um médico toma decisões a respeito da saúde de seu cliente em função de melhorar sua qualidade de vida; um empresário toma decisões a respeito de sua empresa em fun¬cão de melhorar seu desempenho; um cozinheiro toma decisões a respeito do alimento que prepara em funcão de dar-lhe o melhor sabor possível, e assim por diante.
Em síntese, avaliar é um ato pelo qual, através de uma disposição acolhedora qualificamos alguma coisa (um objeto, ação ou pessoa), tendo em vista, de alguma forma, tomar uma decisão sobre ela.
Quando atuamos junto a pessoas, a qualificação e a decisão necessitam ser dialogadas. O ato de avaliar não é um ato impositivo, mas sim um ato dialógico, amoro¬so e construtivo. Desse modo, a avaliação é uma auxiliar de uma vida melhor, mais rica e mais plena, em qualquer de seus setores, desde que constata, qualifica e orienta possibilidades novas e. certamente, mais adequadas, porque assentadas nos dados do presente.

Avaliação da aprendizagem escolar

Vamos transpor esse conceito da avaliação para a compreensão da avaliação da aprendizagem escolar. Tomando as elucidações conceituais anteriores, vamos aplicar, passo a passo, cada um dos elementos à avaliação da aprendizagem escolar.
Iniciemos pela disposição de acolher. Para se processar a avaliação da aprendizagem, o educador necessita dispor-se a acolher o que está acontecendo. Certamente o educador poderá ter alguma expectativa em relação a possíveis resultados de sua atividade, mas necessita estar disponível para acolher seja lá o que for que estiver acontecendo. Isso não quer dizer que “o que está acontecendo” seja o melhor estado da situação avaliada. Im¬porta estar disponível para acolhê-la do jeito em que se encontra, pois só a partir daí é que se pode fazer alguma coisa.
Mais: no caso da aprendizagem, como estamos tra¬balhando com uma pessoa — o educando —, importa acolhê-lo como ser humano, na sua totalidade e não só na aprendizagem especifica que estejamos avaliando, tais como língua portuguesa, matemática, geografia....
Acolher o educando, eis o ponto básico para proce¬der atividades de avaliação, assim como para proceder toda e qualquer prática educativa. Sem acolhimento, temos a recusa. E a recusa significa a impossibilidade de estabelecer um vinculo de trabalho educativo com quem está sendo recusado.
A recusa pode se manifestar de muitos modos, des¬de os mais explícitos até os mais sutis. A recusa explicita se dá quando deixamos claro que estamos recusando alguém. Porém, existem modos sutis de recusar, tal como no exemplo seguinte: só para nós, em nosso interior sem dizer nada para ninguém, julgamos que um aluno X é do tipo que dá trabalho e que não vai mudar. Esse juízo, por mais silencioso que seja em nosso ser, está lá colocando esse educando de fora. E, por mais que pa¬reça que não, estará interferindo em nossa relação com ele. Ele sempre estará fora do nosso circulo de relações. Acolhê-lo significa estar aberto para recebê-lo como é. E só vendo a situação como é podemos compreendê-la para. dialogicamente. ajudá-lo.
Isso não quer dizer aceitar como certo tudo que vem do educando. Acolher, neste caso, significa a possibilidade de abrir espaço para a relação. que, por si mesma, terá confrontos, que poderão ser de aceitação, de negociação, de redirecionamento. Por isso, a recusa con¬seqüentemente impede as possibilidades de qualquer relação dialógica, ou seja, as possibilidades da prática educativa. O ato de acolhe: é um ato amoroso, que traz “para dentro”, para depois (e só depois) verificar as pos¬sibilidades do que fazer.
Assentados no acolhimento do nosso educando, podemos praticar todos os atos educativos, inclusive a avaliação. E. para avaliar, o primeiro ato básico é o de diagnosticar que implica, como seu primeiro passo, co¬letar dados relevantes, que configurem o estado de aprendizagem do educando ou dos educandos. Para tanto, necessitamos instrumentos. Aqui, temos três pon¬tos básicos a levar em consideração: 1) dados relevan¬tes: 2) instrumentos; 3) utilização dos instrumentos.
Cada um desses pontos merece atenção.
Os dados coletados para a prática da avaliação da aprendizagem não podem ser quaisquer. Deverão ser coletados os dados essenciais para avaliar aquilo que estamos pretendendo avaliar. São os dados que caracterizam especificamente o objeto em pauta de avaliação. Ou seja, a avaliação não pode assentar-se sobre dados secundários do ensino-aprendizagem, mas, sim, sobre os que efetivamente configuram a conduta ensinada e o aprendida pelo educando. Caso esteja avaliando aprendizagens específicas de matemática, dados sobre essa aprendizagem devem ser coletados e não outros; e. as¬sim, de qualquer outra área do conhecimento. Dados essenciais são aqueles que estão definidos nos planejamentos de ensino, a partir de uma teoria pedagógica, e que foram traduzidos em práticas educativas nas aulas.
Isso implica que o planejamento de ensino necessita ser produzido de forma consciente e qualitativamente satisfatória, tanto do ponto de vista científico como do ponto de vista político-pedagógico.
Por outro lado, os instrumentos de avaliação da apren¬dizagem, também, não podem ser quaisquer instrumentos, mas sim os adequados para coletar os dados que estamos necessitando para configurar o estado de apren¬dizagem do nosso educando. Isso implica que os instrumentos: a) sejam adequados ao tipo de Conduta e de habilidade que estamos avaliando (informação, compreensão, análise, síntese, aplicação...); b) sejam adequados aos conteúdos essenciais planejados e. de fato, realizados no processo de ensino o instrumento necessita cobrir todos os conteúdos que são considerados essenciais numa determinada unidade de ensino-aprendiza¬gem; c) adequados na linguagem, na clareza e na preci¬são da comunicação (importa que o educando compre¬enda exatamente o que se está pedindo dele); adequados ao processo de aprendizagem do educando (um instrumento não deve dificultar a aprendizagem do edu¬cando, mas, ao contrário, servir-lhe de reforço do que já aprendeu. Responder as questões significativas significa aprofundar as aprendizagens já realizadas.).
Um instrumento de coleta de dados pode ser desas¬troso, do ponto de vista da avaliação da aprendizagem, como em qualquer avaliação, na medida em que não colete, com qualidade, os dados necessários ao proces¬so de avaliação em curso. Um instrumento inadequado ou defeituoso pode distorcer completamente a realida¬de e, por isso, oferecer base inadequada para a qualificação do objeto da avaliação e, conseqüentemente, conduzir a uma decisão também distorcida.
Será que nossos instrumentos de avaliação da apren¬dizagem, utilizados no cotidiano da escola, são suficien¬temente adequados para caracterizar nossos educandos? Será que eles coletam os dados que devem ser coletados? Será que eles não distorcem a realidade da conduta de nossos educandos, nos conduzindo ajuízas distorcidos?
Quaisquer que sejam os instrumentos - prova, teste, redação, monografia, dramatização, exposição oral, argüição... - necessitam manifestar qualidade satisfatória como instrumento para ser utilizado na avaliação da aprendizagem escolar, sob pena de estarmos qualificando inadequadamente nossos educandos e, conseqüentemente, praticando injustiças. Muitas vezes, nossos educandos são competentes em suas habilidades, mas nossos instrumentos de coleta de dados são inadequados e, por isso, os julgamos, incorretamente, como in¬competentes. Na verdade, o defeito está em nossos ins¬trumentos, e não no seu desempenho. Bons instrumentos de avaliação da aprendizagem são condições de uma prática satisfatória de avaliação na escola.
Ainda uma palavra sobre o uso dos instrumentos. Como nós nos utilizamos dos instrumentos de avaliação, no caso da avaliação da aprendizagem? Eles são utilizados, verdadeiramente, como recursos de coleta de dados sobre a aprendizagem de nossos educandos, ou são utilizados como recursos de controle disciplinar, de ameaça e submissão de nossos educandos aos nossos desejos? Podemos utilizar um instrumento de avaliação junto aos nossos educandos, simplesmente, como um recurso de coletar dados sobre suas condutas aprendidas ou podemos utilizar esse mesmo instrumento como recurso de disciplinamento externo e aversivo, através da ameaça da reprovação, da geração do estado de medo, da submissão, e outros. Afinal, aplicamos os ins¬trumentos com disposição de acolhimento ou de recusa dos nossos educandos? Ao aplicarmos os instrumentos de avaliação, criamos um clima leve entre nossos educandos ou pesaroso e ameaçador? Aplicar instrumentos de avaliação exige muitos cuidados para que não distorçam a realidade, desde que nossos educandos são seres humanos e. nessa condição, estão submetidos às múltiplas variáveis intervenientes em nossas experiências de vida.
Coletados os dados através dos instrumentos, como nós os utilizamos? Os dados coletados devem retratar o estado de aprendizagem em que o educando se encontra. Isto feito, importa saber se este estado é satisfatório ou não. Daí, então, a necessidade que temos de qualificar a aprendizagem, manifestada através dos dados coletados. Para isso, necessitamos utilizar-nos de um padrão de qualificação. O padrão, ao qual vamos comparar o estado de aprendizagem do educando, é estabelecido no planejamento de ensino, que, por sua vez, está sustentado em uma teoria do ensino. Assim, importa, para a prática da qualificação dos dados de aprendizagem dos educandos, tanto a teoria pedagógica que a sustenta, como o planejamento de ensino que fizemos.
A teoria pedagógica da o nome da prática educativa e o planejamento do ensino faz a mediação entre a teoria pedagógica e a prática de ensino na aula. Sem eles, a prática da avaliação escolar não tem sustentação.
Deste modo, caso utilizemos uma teoria pedagógica que considera que a retenção da informação basta para o desenvolvimento do educando, os dados serão qualificados diante desse entendimento. Porém, caso a teoria pedagógica utilizada tenha em conta que, para o desenvolvimento do educando, importa a formação de suas habilidades de compreender, analisar, sintetizar, aplicar... os dados coletados serão qualificados, positiva ou negativamente, diante dessa exigência teórica.
Assim, para qualificar a aprendizagem de nossos educandos, importa, de um lado, ter clara a teoria que utilizamos como suporte de nossa prática pedagógica, e, de outro, o planejamento de ensino, que estabelecemos como guia de nossa prática de ensinar no decorrer das unidades de ensino do ano letivo. Sem uma clara e consistente teoria pedagógica e sem um satisfatório planejamento de ensino, com sua conseqüente execução, os atos avaliativos serão praticados aleatoriamente, de forma mais arbitrária do que o são em sua própria constituição. Serão praticados sem vínculo com a realidade educativa dos educandos.
Realizados os passos anteriores, chegamos ao diagnóstico. Ele é a expressão qualificada da situação, pessoa ou ação que estamos avaliando.
Temos, pois, uma situação qualificada, um diagnóstico. O que fazer com ela? O ato avaliativa, só se completará, como dizemos nos preliminares deste estudo, com a tomada de decisão do que fazer com a situação diagnosticada.
Caso a situação de aprendizagem diagnosticadas seja satisfatória, que vamos fazer com ela? Caso seja insatisfatória, que vamos fazer com ela? A situação diagnosticada, seja ela positivo negativa, e o ato de avaliar, para se completar, necessita da tomada de decisão. A decisão do que fazer se impõe no ato de avaliar, pois, em si mesmo, ele contem essa possibilidade e essa necessidade. A avaliação não se encerra com a qualificação do estado em que está o educando ou os educandos. Ela obriga a decisão, não é neutra. Avaliação só se completa com a possibilidade de indicar caminhos mais adequados e mais satisfatórios para uma ação, que está em curso. O ato de avaliar implica busca do melhor e mais satisfatória estado daquilo que está sendo avaliado.
A avaliação da aprendizagem, deste modo, nos possibilita levar à frente em uma ação que foi planejada dentro de um arcabouço teórico, assim como político. Não será qualquer resultado que satisfará, mas sim um resultado compatível com a teoria e com a prática pedagógica que estamos utilizando.
Em síntese, avaliar a aprendizagem escolar implica estar disponível para acolher nossos educandos no estado em que estejam, para, a partir daí, poder auxiliá-los em sua trajetória de vida. Para tanto, necessitamos de cuidados com a teoria que orienta nossas práticas educativas, assim como de cuidados específicos com os atos de avaliar que, por si, implicam em diagnosticar e renegociar permanentemente o melhor caminho para o desenvolvimento, o melhor caminho para a vida. Por conseguinte, a avaliação da aprendizagem escolar não implica aprovação ou reprovação do educando, mas sim orientação permanente e para o seu desenvolvimento, tendo em vista a tornar-se o que o seu SER pede.

Concluindo

Qualidade de vida deve estar sempre posta à nossa frente. Ela é o objetivo, não vale a pena o uso de tantos atalhos e tantos recursos, caso a vida não seja alimentada tendo em vista o seu florescimento livre, espontâneo e criativo. A prática da avaliação da aprendizagem para manifestar-se como tal, deve apontar para busca do melhor de todos os educandos, por isso é diagnóstica, e não voltada para a seleção de uns poucos, como se comportam os exames. Por si, a avaliação, como dizemos, é inclusiva e, por isso mesmo, democrática e amorosas. Por ela, por onde quer que se passe, não há exclusão, mas sim diagnóstico e construção. Não há submissão, mas sim liberdade. Não há medo, mas sim espontaneidade e busca. não há chegada definitiva a, mas sim de travessia permanente em um fusca do melhor.

RUMO A UMA
AVALIAÇÃO INCLUSIVA

A maneira como nos, professores avaliamos a aprendizagem de nossos alunos condiciona notavelmente a possibilidade de oferecer-lhes um ensino que respeite e atenda às suas diferenças. Dessa forma, certas maneiras de avaliar e certos usos da avaliação podem ser potentes mecanismos de exclusão de determinados alunos ou grupos de alunos: por exemplo, privilegiar objetivos, conteúdos e formas de ensino mais adequados para alguns alunos que para outros, fazer com que atribuam cada vez menos sentido ao fato de aprender na escola e estejam prontos, com uma disposição cada vez pior para aprender significativamente, os conteúdos escolares, rotular, segregar determinados alunos em função de seus resultados na avaliação. Outras formas de avaliação e outros usos dela, são contrário, podem ajudar a oferecer um ensino que atenda melhor à diversidade dos alunos, por exemplo, criar situações de avaliação inicial que permitam o ajuste dos conteúdos a serem ensinados aos conhecimentos prévios, fazer da avaIiação uma ocasião para ajudar os alu¬nos a regularem melhor seus pró¬prios processos de aprendizagem ou utili¬zar a informação coletada na avaliação para a introdução de mudanças, de melhorias e de adaptações em nossa maneira de ensinar.
Admitindo essa intima relação entre avaliação e aten¬ção à diversidade, o presente artigo explora e propõe al¬gumas condições que podem fazer da avaliação um ins¬trumento inclusivo, ou seja, um instrumento a serviço da atenção à diversidade dos alunos mediante a adaptação do ensino às diversas características e necessidades educativas dos alunos e alunas.
Abordaremos essa exploração com uma dupla premis¬sa. A primeira é a convicção de que, no ensino obrigató¬rio, a atenção à diversidade está no próprio núcleo da ação educativa e deve impregnar o conjunto dessa ação. De fato, a principal finalidade da ação educativa no ensi¬no obrigatório é, precisamente, a de promover o desen¬volvimento e a socialização de todos o alunos sem exceções tão distantes e com tanta abrangência quanto seja possível: por isso, a atenção à diversidade não é, no ensi¬no obrigatório, uma escolha, mas sim uma exigência, cujo não-cumprimento questiona profundamente o próprio sentido do ensino (Coll. Barberà e Onrubia, no prelo).Nossa segunda premissa é que, de acordo com uma con¬cepção construtivista da aprendizagem escolar e do ensi¬no (Coll e Cols., 1993: Coll. 1999), a estratégia global mais adequada para responder educativamente à diversidade dos alunos é o ensino adaptativo, ou seja, a diversificação e a flexibilização habitual, sistemática e para o conjunto dos alunos, das formas de ensino, de modo que os distin¬tos alunos tenham à sua disposição um conjunto o mais amplo possível de diversas formas de apoio, e que pos¬sam receber em cada momento e em função de suas necessidades, aquelas que lhes sejam mais adequadas (Coll 1986. 1995: Miras, 1991: Onrubia. 1993 Onrubia 1998). Portanto, essa estratégia de atenção à diversidade pretende transformaras escolas em contextos inclusivos, capazes de acolher e atender educativamente alunos e alunas diversos em relação à sua bagagem experiencial e cultural, às capacidades, aos interesses e às motivações, aos conhecimentos prévios e aos recursos e estratégias a serem aprendidos.

Características de urna avaliação inclusiva

De acordo com o que foi dito, uma avaliação inclusiva é aquela que é um instrumento para o ensino adaptativo, isto é, uma avaliação que facilita e promove a diversificação e a flexibilização das formas de ajuda educativa que os distintos alunos re¬cebem ao longo de seu processo de aprendizagem
(Coll e Onrubia, 1999). Para isso, uma avaliação inclusi¬va prioriza a função pedagógica da avaliação, ou seja, a utilização da avaliação para melhorar as atividades de ensino e de aprendizagem em relação à sua função so¬cial, isto é, a sua utilização para declarar publicarnente o nível das aprendizagens realizadas pelos alunos. Portan¬to, uma avaliação inclusiva vincula. Estreitamente, a ava¬liação da aprendizagem dos alunos à avaliação dos processos de ensino e de aprendizagem
Assim entendida, urna avaliação inclusiva é carac¬terizada por agir, essencialmente, como instrumento re¬gulador dos processos de ensino e de aprendizagem, ampliando e superando, claramente, o papei tradicional da avaliação como controle externo dos níveis de rendimento alcançados pelos alunos. Esse caráter regulador afeta tanto os processos de ensino quanto os pro¬cessos de aprendizagem. Ouanto ao ensino, urna avaliação inclusiva tem um objetivo essencialmente formativo: facilitar, para o professor, a adoção de decisões funda¬mentadas de adaptação do ensino, tanto no seu plane¬jamento (por exemplo, diversificando e flexibilizando os conteúdos e atividades previstos, antecipando possíveis dificuldades dos alunos e preparando auxílios e apoios de diversos tipos) quanto no seu desenvolvimento (mo¬dificando-se e ajustando-se de acordo com o andamen¬to da avaliação inicial em função do que os alunos vão fazendo e aprendendo). Em relação à aprendizagem, uma avaliação inclusiva apresenta uma dimensão essen¬cialmente formadora. Portanto, o seu objetivo é que os alunos sejam capazes de assumir cada vez mais o con¬trole e a responsabilidade sobre os seus processos de aprendizagem, ajudando-lhes, por exemplo, a compre¬ender e a representar os objetivos das atividades nas quais participam, a aprender a planejar e a revisar a forma como realizam essas atividades, ou a detectar e corrigir os seus próprios erros.
As características destacadas até aqui sobre uma ava¬liação inclusiva afetam, especialmente, o sentido e a uti¬lização da avaliação valorativa, a que é realizada no final de um conjunto de atividades de ensino e de aprendiza¬gem com o objetivo de determinar até que ponto e em que grau os alunos alcançaram ou não as aprendizagens pretendidas para esse conjunto de atividades. Nes¬se sentido, uma avaliação inclusiva é caracterizada por evitar que a avaliação valorativa seja utilizada exclusiva-mente com uma função social e de controle externo do rendimento dos alunos, recuperando, ao contrário, a sua função pedagógica. Entre outros aspectos, isso pode pressupor, por exemplo, vincular. Sistematicamente, os resultados obtidos na avaliação valorativa a decisões de modificação e de melhoria do ensino, empregar formas de avaliação valorativa que permitam uma maior participação e envolvimento dos alunos (por exemplo, realizando atividades de resumo e de recapitulação prévias à avaliação, trabalhando com os alunos os critérios de correção, incorporando procedimentos de auto-avalia¬ção, etc.), ou modificar as formas de comunicação dos resultados da avaliação valorativa a alunos e pais, de modo que ressaltem os processos e os progressos realizados pelos alunos.
Para finalizar, uma avaliação inclusiva é caracterizada também pelo fato de que as decisões de ordem social (habilitação, aprovação, titulação), que são tomadas a partir dos resultados da avaliação, mantém a maior coe¬rência possível com a função predominantemente pe¬dagógica que essa avaliação deve cumprir. Isso pressu¬põe que essas decisões sejam tomadas a partir de um processo de coleta de informação e de critérios de avaliação coerentes com os princípios de um ensino adaptativo. Seria claramente contraditório, por exemplo, avaliar os alunos mediante um processo contínuo base¬ado em uma lógica formativa e formadora, e avaliá-los, ao contrário, em função de seus resultados em uma única prova final; ou promover, a partir da avaliação, adaptações nos conteúdos ou o auxílio para aprendê-los dirigi-dos a determinados alunos, e avaliar, em troca, no momento da habilitação, todos os alunos em função de um único nível de rendimento e de situações de avaliação ldênticas para todos.

Não é mais possível continuar organizando os saberes de maneira fragmentada, em currículos seqüenciais e lineares, que pressupõem etapas a serem vencidas, pré-requisitos que funcionam como degraus.

A análise e a melhoria das práticas habituais de avaliação a partir de uma perspectiva inclusiva

Colocarem prática uma avaliação inclusiva, de acor¬do com as características que apontamos, é, sem dúvi¬da, uma tarefa complexa, que requer mu¬danças substanciais nas práticas de avaliação freqüentemente predominantes nas es¬colas e nas aulas. Nesse sentido, entendemos que essa transformação das práticas de avaliação somente pode ser realizada mediante um processo de trabalho gradual e contínuo, que esteja apoiado na revisão sis¬temática das práticas efetivamente utilizadas pelos professores, habitualmente na analise e na reflexão sobre tais práticas e na introdução pro¬gressiva de pequenas mudanças e melhorias nas mes¬mas que possam ir aumentando a potencialidade das situações e atividades de avaliação, contribuindo para dar uma resposta mais diversificada e flexível à diversida¬de dos alunos (Coll. Barberà e Onrubia. no prelo).
Nesse sentido, queremos finalizar este artigo propon¬do algumas questões que, no nosso entender, podem ajudar nesse processo de análise e de reflexão sobre a prática no âmbito concreto da sala de aula. Portanto, são questões que propomos como instrumentos para revisar, sistemática e conceitualmente orientados, as maneiras como os professores estão avaliando cotidia¬namente as aprendizagens de nossos alunos, e identifi¬car aspectos suscetíveis de modificação e de melhoria a partir de uma perspectiva de avaliação inclusiva. Muito brevemente, e sem pretensão de serem exaustivas, po¬demos formulá-las da seguinte maneira:
• planejamos e/ou desenvolvemos situações e ativi¬dades de avaliação tanto no início dos processos de en¬sino e de aprendizagem (temas, unidades didáticas, cur¬sos) quanto durante esses processos e no seu final?
• planejamos e/ou desenvolvemos um número suficiente de situações e de atividades de avaliação?
• planejamos e/ou desenvolvemos situações e atividades de avaliação diversas e variadas, que permitam que se obtenha uma informação rica e matizada sobre o que os alunos aprenderam, avaliando, equilibradamente, distintos tipos de conteúdos e distintos tipos de capacidades?
• planejamos e/ou desenvolvemos situações e ativi¬dades destinadas a ajudar os alunos a planejar, a regu¬lar e a avaliar por si mesmos seus próprios processos de aprendizagem?
• as situações de avaliação que plane¬jamos e/ou desenvolvemos apre¬sentam relações entre elas que ajudem a avaliar o processo gradual dos alunos, bem como a amplitude, a riqueza e a complexidade de suas aprendizagens?
• diversificamos a seqüência de situações e de atividades de avaliação que os alunos realizam em funcão de suas características e necessidades educativas particulares?
• planejamos e/ou desenvolvemos. habitualmente. atividades preparatórias das situações de avaliação - por exemplo, de resumo e de recapitulação dos conteúdos que serão avaliados, de exercício de habilidades exigidas para que sejam resolvidas as tarefas que fazem parte da situação de avaliação, ou de apresentação dos critérios de correção em que as tarefas serão aplicadas?
• planejamos e/ou desenvolvemos, habitualmente. tarefas de avaliação abertas e contextualizadas que ad¬mitam diferentes formas de resolução e diferetes solu¬ções possíveis? Avaliamos o processo de realização efe¬tuado pelos alunos, além do produto final obtido? Fo¬mentamos e avaliamos a justificativa das soluções pro¬postas por parte dos alunos?
• planejamos e/ou desenvolvemos, habitualmente. tarefas de avaliação que possam ser resolvidas tanto in¬dividualmente como em pequeno grupo? Permitimos que os alunos utilizem, para resolver as tarefas de avalia¬ção, instrumentos, materiais e auxílios similares aos que podem ser utilizados nas atividades e nas tarefas de en¬sino e de aprendizagem?
• permitimos e estimulamos o uso, por parte dos alunos, de suportes comunicativos diversos na resolução das tarefas de avaliação?
• planejamos e/ou desenvolvemos, habitualmente, atividades de correção e de avaliação dos resultados pro¬duzidos ou gerados pelos alunos em que estes tenham uma participação explícita - por exemplo, discutindo ou elaborando com o professor critérios de correção, ou aplicando-os junto?
• comunicamos aos alunos explícita, formal e siste¬maticamente os resultados de sua participação nas situ¬ações ou atividades de avaliação?; os distintos alunos recebem diretrizes e apoios concretos que lhes ajudem a superar as lacunas e os erros detectados em sua apren¬dizagem?
• incorporamos modificações e ajustes na programa-cão das posteriores atividades de ensino e de aprendiza¬gem a partir dos resultados dos alunos na avaliação?
• fomentamos a participação e a responsabilidade dos alunos na definição e na configuração das situa¬ções de avaliação como conjunto, ou de alguns de seus aspectos?
• diversificamos algum (ns) do (s] elemento (s) das situ¬ações e atividades de avaliação em função de suas ca¬raçterísticas e necessidades educativas particulares?
• as decisões de habilitação, de aprovação e de titulação de nossos alunos são coerentes com os princí¬pios de diversificação e de flexibilização próprios de um ensino adaptativo?
Como mostra uma leitura detalhada das mesmas, tais questões remetem a distintos planos ou níveis das práticas de avaliação e das decisões associadas a elas. O pri¬meiro deles tem a ver com o que podemos denominar programas de avaliação: conjuntos de situações ou atividades de avaliação, mais ou menos relacionadas entre si, que são utilizadas no decorrer de processos com¬pletos de ensino e de aprendizagem. de duração mais ou menos ampla e de maior ou de menor complexida¬de (um tema, uma unidade didática, um trimestre, um curso). O segundo é O das situações ou atividades con¬cretas de avaliação que, no âmbito de um determinado programa de avaliação, façam com que professor e alu¬nos mostrem os conhecimentos que possuem ou que tenham adquirido sobre os conteúdos tratados. O ter¬ceiro e último é o das tarefas de avaliação - as diferentes perguntas. os itens. os problemas, etc. que os alunos devem responder, abordar ou resolver no decorrer de uma determinada situação de avaliação.
Ao nosso ver, a consideração desses diversos planos ou níveis é necessária para urna análise das práticas de avaliação suficientemente matizada e que leve em con¬ta a sua complexidade. Uma análise cujo objetivo é. lem¬bremos, avaliar o caráter mais ou menos inclusivo de nossas práticas concretas de avaliação, permitindo a sua melhoria mediante a identificação, a concretização e o funcionamento de mudanças dirigidas a aumentar a sua inclusividade.

As teses e os argumentos expostos neste artigo são tributários das elaboracões realizadas no âmbito de um projeto de pesquisa subvencionado pela Oirecão Geral de Pesquisa Científica e Técnica do Ministério de Educação e Cultura Espanhol dentro do Programa Setorial de Promoción General dei Conocimiento Actividad conjunta y estrategias discurslvas en la comprobación y conuoi de signiflcados compartidos: Ia evaiuaci6n dei aprendizaje en ias prácticas educativas escolares. PB95-1032. pesquisador principal: Dr. César Coll.

Notas

1 Uma discussão mais detalhada sobre as funções pedagógica e social da avaliação pode ser encontrada em Coll e Martin (1996), Coll e Onrubia (1999) e Coll e Barberá e Onrubta (no prelo)

2 O trabalho de Coll Barberà e Onrubta no prelo) apresenta. sistema¬ticamente. esses diversos níveis para a análise das práticas de avaliação. especificando suas diversas.dimensões e analisando a relevância delas a partir da perspectiva da atenção à diversidade.

Referências Bibliográficas


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COLL, C. La concep:ión constructivista como instrumento para el análises delas práticas educativas escolares .ln Coll (coord.) Psicologia de la instrucción: la enseanza y el aprendizaje en la educación secundaria..
Barcelona: Horsori/ICE da uníversidad de Barcelona. 1999.



AVALIAÇÃO UM PROBLEMA PARA TODOS

A questão da avaliação escolar ainda não foi considerada adequadamente nem pelos professores nem pelos pesquisadores. No caso dos professores, a avaliação continua sendo mais uma ar¬ma de manutenção da disciplina e do poder do que um processo destinado a contribuir o desenvolvimento do aluno. No campo da pesquisa, seu estu¬do é precário.
No entanto, a avaliação pode ser uma área de estudo de capital impor¬tância para se compreender o caráter do sistema educacional — tanto para professores como para pesquisadores educacionais.
Tradicionalmente, a avaliação é uma área da Didática. Na versão tradicional, 1cm sido desenvolvida como técnica de mensuração sob a influência dos testes psicológicos. Quando esta vertente foi submetida. ~no contexto global de uma análise critica da escola capitalIsta, a um exame de seus procedimentos e finalidades, a avaliação (e a própria Di¬dática) perdeu a ênfase psicológica e ganhou fundamentação sociológica. No entanto, sob o impacto da análise crítica, a avaliação foi tida como assunto tecnicista e rejeitada como campo de estudo. Mais recentemente, os sociólogos (em especial os ingleses) têm procurado retornar esta área como objeto de reflexão, e a pesquisa pedagógica parece estar começando a voltar os olhos para este campo.
E o Professor? A prática de avaliação do professor é maciçamente informal. Em geral o professor cria uma prova, elabora questões orais, exercícios etc,, de maneira informal, e submete os alunos a um processo de avaliação sem maiores preocupações. Decisões a respeito da manutenção do aluno ou não no interior da escola são tomadas freqüentemente em conexão com comportamento do aluno em classe. Formalizar este processo com ‘teste’ cientificamente elaborados não é a solução. Mais importante é que o professor questione sua concepção de avaliação e dê a ela outras finalidades que a de simplesmente servir de base para aprovar ou reprovar. O verdadeiro ob¬jetivo da avaliação é reorientar o pro¬cesso de ensino fazendo com que os envolvidos neste questionem, conjunta¬mente, suas praticas e compromissos. A avaliação, portanto, não é alvo destina¬do a avaliar apenas o aluno — atinge também a prática do professor. Inde¬pendentemente de grandes desenvolvi¬mentos no campo da avaliação, somen¬te esta mudança de concepção já seria um grande avanço em nossas escolas.
Se em teoria isto é real na prática esta teoria não convém. O sistema educacional brasileiro é seletivo e procura dificul¬tar as ações que se desenvolvam na direção de uma avaliação mais democrática e dirigida a recuperar o aluno - seja pelas ações burocráticas seja retirando-lhe condições de trabalho fundamentais para esta prática.
É hora de professores e pesquisadores olharem com maior atenção para este campo de estudo e suas implicações. As poucas pesquisas realizadas indicam, com Insistência, que a avaliação é um processo importante e que. Em muitos casos, deter¬mina até mesmo a forma como o aluno estuda uma matéria e, também, o conteúdo que ele escolhe para estudar. Sem falar dos danos motivacionais como, por exemplo, a quebra de auto-estima e a produção de uma auto-imagem negativa que conduzem à evação escolar. Um instrumento com tal poder merece mais atenção. Ou continuará sendo problema para todos.


INCLUSÃO :Crise e Crítica da Globalização
Jorge Grespan

Universidade de São Paulo - Brasil

O impacto da globalização nas sociedades latinoamericanas só pode ser corretamente avaliado se, preliminarmente, determinarmos em que condições históricas ela vem se desenvolvendo e a que problemas específicos ela traz uma solução. Só assim será possível também distinguir o processo atual da tendência de longo prazo que acompanha o capitalismo desde seu princípio, a saber, a expansão dos mercados e do espaço de vigência da relação entre o capital e o trabalho assalariado.
O processo que vem sendo chamado de "globalização" é definido por seus propagandistas e defensores como a culminação da longa fase de crescimento econômico que começou na época da IIª Guerra Mundial e que ainda avançaria irresistivelmente, incluindo cada vez mais países e mercados em sua esfera. Mercadorias e dinheiro de qualquer parte do mundo alcançariam qualquer outra parte, saltando por cima das fronteiras políticas e das barreiras étnicas e culturais, universalizando o consumo, num correlato econômico da "aldeia global". Neste contexto de expansão, as grandes crises tradicionais do capitalismo são vistas como pertencentes a um passado já remoto, pois as políticas anti-cíclicas de tipo keynesiano sempre seriam capazes de minimizar os efeitos mais destrutivos de uma crise e de canalizar as suas energias negativas para a renovação e o aperfeiçoamento das condições técnicas e organizacionais da produção. Além disso, o sistema atual teria adquirido a capacidade de distribuir as riquezas com mais justiça, estendendo seus benefícios mesmo às classes sociais antes empobrecidas, como no caso principalmente do operariado. Este se apresenta agora como se estivesse perfeitamente incluído na órbita do capital, não só por ter-se convertido em consumidor importante, como também porque integra o sistema industrial, negociando salários e condições de trabalho com os patrões e participando muitas vezes dos lucros e da administração das empresas. Tal situação levou o sindicalismo operário a uma perda de seu antigo caráter ideológico e até político, dando lugar a movimentos interessados muito mais em negociar dentro do sistema capitalista, do que em enfrentá-lo e modificá-lo.
Estes processos definem o chamado "Capitalismo Tardio" ou "Avançado", para o qual um governo social-democrata se apresentaria como o mais adequado, tanto na dimensão da redistribuição de renda e combate às crises econômicas, quanto na dos acordos entre capital e trabalho. No seu estágio "avançado", o capitalismo teria superado os problemas estruturais que ameaçavam sua existência e que constituiam a base das críticas teóricas melhor elaboradas, como é principalmente o caso do marxismo. As críticas deveriam ser, assim, no mínimo, revisadas, ponto aceito inclusive por muitos autores formados na tradição marxista ou, pelo menos, próximos a ela, como o são os da chamada Escola de Frankfurt - Adorno, Marcuse e, atualmente, Jürgen Habermas. A importância das idéias destes autores no contexto da filosofia e da teoria social contemporâneas repousa justamente no fato de não abandonarem completamente a intenção crítica, adaptando-a às novas condições do capitalismo do século XX. Por isso, creio ser muito interessante realizar uma discussão da globalização a partir da discussão de seu pensamento, o que será tanto mais válido no caso de Habermas, último grande representante da "Teoria Crítica" e ainda muito ativo hoje em dia na análise dos problemas sociais posteriores à queda do Muro de Berlim. Por sua atualidade, é a ele que cabe perguntar sobre o destino do pensamento frankfurtiano nas circunstâncias presentes de crise mundial, que colocam em xeque alguns dos mais importantes pressupostos daquela escola.
A tarefa a que se propõe Habermas é, basicamente, a mesma de Adorno e de Marcuse, a saber, definir as modificações conceituais que o Capitalismo Avançado impõe a uma Sociologia e a uma Filosofia que ainda se pretendem críticas.
Em primeiro lugar, apresenta-se o problema das condições para uma prática política revolucionária que leve à superação do capitalismo. Em sua obra O Homem Unidimensional, Marcuse já indicava que as novas formas de trabalho na fábrica dariam ao trabalhador a consciência de pertencer ao sistema econômico e não de ser por ele explorado e a ele oposto, levando ao enfraquecimento de seu conflito com os patrões e até à sua cooperação com a empresa. Assim, o desenvolvimento capitalista, apesar de manter burguesia e proletariado como as duas classes sociais básicas, transformaria sua função: elas aparecem unidas pela preservação das conquistas e realizações do mundo industrial, da tecnologia e do bem-estar por ela proporcionado. Elas parecem não ser mais agentes sociais em conflito, e, com isso, sua atuação não poderia mais ser a base de mediação entre teoria e prática, entre pensamento e ação. A crítica perderia seu suporte real na práxis transformadora, tornando-se abstrata (daí 'utópica' no mau sentido). A estes argumentos, Habermas acrescenta o de que a elevação do nível de vida das sociedades altamente industrializadas tornou obsoletas as teses da pauperização crescente do proletariado, essencial para justificar as previsões da inevitável revolução socialista. A própria alienação teria se transformado em algo mais psíquico e cultural do que fisicamente experimentado, ainda seguindo as idéias de Adorno e Marcuse, que Habermas desenvolverá apropriando-se de um conceito da fenomenologia husserliana, para falar da 'colonização' do 'mundo de vida' (Lebenswelt). Embora o proletário ainda o seja no sentido de que é despojado da propriedade dos meios de produção, tal despojamento não está mais associado à privação de boas condições de vida. Assim, a proletarização "objetiva" não corresponde mais à "subjetiva", ou seja, o proletário não se sente mais como tal e dificilmente poderá ser o agente revolucionário que transformará argumentos em palavras de ordem, teoria em prática. Destes elementos todos surgem dúvidas sobre o caráter da práxis e, portanto, da crítica a ser ainda possível.
Além disso, e ao contrário de Marcuse, sempre crítico do Estado e de suas formas de dominação e manipulação social, Habermas considera positivas as políticas de realocação de recursos e de mediação de conflitos de classe praticadas pelas social-democracias dos países capitalistas "avançados". Em seu livro Teoria e Prática, por exemplo, ele expõe as idéias de Strachey, um keynesiano que acredita ser a moderna democracia capaz de impor uma redistribuição de renda que eleve o poder de compra dos assalariados e, com isso, evite tanto a pauperização predita por Marx como, simultaneamente, as crises de realização. No caso das crises econômicas, Habermas acredita que a intervenção do Estado é capaz de resolver o conflito entre o objetivo de lucro e a necessidade de consumo da sociedade, fazendo valer politicamente o interesse social contra o interesse privado dos capitalistas.
Neste ponto já é possível apresentar alguns reparos a tais raciocínios. Eles enfatizam a inclusão do trabalho na órbita do capital, para demonstrar a dificuldade de pensar uma prática política revolucionária nas condições do Capitalismo Avançado. Significa isto, então, que desaparece a própria oposição de classes? Entre os autores considerados, Marcuse é quem com mais clareza trata de responder negativamente a esta pergunta, mas deixa claro que a oposição para ele passa a ser mais potencial ou latente do que efetiva e evidente: o assalariado ainda é formalmente despojado de meios de produção, mas não é mais contraposto ao maquinismo no processo de trabalho. Habermas, por outro lado, vai mais longe e chega a falar de uma mudança na própria forma de exploração e na obtenção do excedente econômico, que hoje apareceria como "prestação de serviços" e não como o assalariamento clássico. Ora, esta inclusão do trabalho na órbita do capital não é de modo algum uma novidade do sistema industrial moderno, sendo, ao contrário, um dos elementos básicos na oposição que caracteriza a relação de trabalho e capital. A exclusão do assalariado da propriedade dos instrumentos de produção é condição para que ele tenha de vender sua energia laboriosa num mercado de trabalho e, assim, para que esta possa ser incluída no capital como seu elemento produtivo. Por outro lado, a inclusão permite que o capital obtenha lucro, valorizando-se, crescendo e ampliando sua capacidade de excluir o trabalho da propriedade dos futuros meios de produção. A inclusão depende da exclusão e vice-versa, sem que nenhum dos dois aspectos possa existir sem o outro. Tanto é assim que a nova forma de integração do homem na fábrica, se leva a uma consciência de inclusão e à possibilidade dos trabalhadores empregados ganharem um salário maior e participarem da gestão da produção, por outro lado permite que se empregue um número relativo cada vez menor de homens em proporção ao volume de capital investido nas instalações, instrumentos e matérias-primas. A melhor situação dos empregados, dos incluídos, é resultado do aumento gigantesco da produtividade de seu trabalho, que dá condições ao capitalista contratar relativamente poucos operários, excluindo muitos que nem sequer conseguem emprego. Esta face da exclusão é particularmente visível nas condições da crise atual, em que o desemprego assola as economias mais industrializadas e prósperas do planeta, embora não fosse tão clara nas décadas de expansão de 40 a 70, justamente quando Marcuse e Adorno escreviam suas principais obras e Habermas ensaiava suas primeiras análises sociológicas.
Talvez fosse possível, contudo, esperar que a dimensão negativa, da exclusão, do desemprego, que acompanha a positiva das novas formas de integração, fosse minimizada pela ação eficiente do Estado de Bem-Estar Social, como vinha ocorrendo nas décadas de expansão mencionadas acima. Em entrevista recentemente a mim concedida e publicada no jornal brasileiro A Folha de São Paulo, Habermas manifesta a esperança de que isto continue acontecendo. O problema, porém, é que a crise também atingiu profundamente a capacidade de financiamento do Estado, mediante a qual ele anteriormente conseguia empregar funcionários não absorvidos pelo setor privado e sustentar programas de saúde e educação públicas, bem como de aposentadorias e seguro-desemprego. Sem contar com os recursos de antes, como ele poderá cumprir o papel social que o mercado não pode e não se interessa em desempenhar? Como ele poderá compensar o desemprego com o pagamento de pensões, minimizando os efeitos da exclusão que as novas formas de relação de trabalho na fábrica criam? Se os países mais ricos ainda o conseguem, embora de modo cada vez mais penoso, estas metas sociais há muito foram abandonadas pelos governos de países semi-industrializados, como os de parte da nossa América Latina. A miséria crescente reaparece aí, do mesmo modo que a desocupação cria descontentamento entre os excluídos na Europa, a quem não agrada a posição de meros consumidores não-produtivos dos seguros-desemprego. Vê-se claramente, portanto, o quanto era otimista a perspectiva de que no Capitalismo Avançado e "afluente" não haveria mais espaço para conflitos e lutas por transformações sociais.
Além disso, considerando que esta redistribuição de renda executada pelo Estado "social" tem a finalidade de elevar a capacidade de consumo da sociedade como um todo, impedindo, assim, a ocorrência de crises de realização, a crise atual também limita claramente o espaço de manobra para a realização de tais políticas. O próprio fato dela estar acontecendo é uma 'prova ontológica' suficiente de que o Estado fracassou na tarefa de evitá-la. E, na medida em que a dinâmica desta crise está inviabilizando a utilização das medidas tradicionais do receituário keynesiano, associadas desde os anos 40 ao modelo social-democrata defendido por Habermas, o próprio sistema econômico tem de encontrar, então, sua saída para a crise, e o faz através tanto da adoção de inovações tecnológicas que permitem substituir mão-de-obra por equipamento mais sofisticado, quanto da agilização dos fluxos de circulação de capital financeiro no mundo. Em ambos os casos, a solução diminui ainda mais o nível de emprego e a capacidade de financiamento público, inviabilizando o retorno à situação anterior. Neste sentido, por ser uma resposta à crise e não apenas uma conseqüência do período de expansão econômica do pós-guerra, a Globalização é, de certa forma, realmente um fato novo, dificilmente compatível com o tradicional modelo do Estado Social.
É sintomático que Habermas não consiga apreender toda a complexidade do fenômeno da crise econômica atual, concebendo-a enquanto mera crise de realização, isto é, uma dificuldade simplesmente em vender as mercadorias produzidas. Sem dúvida, este é o aspecto sempre presente e mais visível de qualquer crise; mas seus determinantes profundos são bem mais complexos, definindo-se no âmbito da queda da taxa geral de valorização do capital industrial, resultante de uma prévia acumulação desmedida. Se as crises industriais fossem apenas um problema de venda dos produtos, porém, sua solução seria igualmente simples, bastando melhorar as condições de consumo da sociedade para que o excesso de mercadorias encontrasse saída e os capitalistas realizassem seus lucros. E é exatamente isso que Habermas pensa, numa interpretação banalizada da teoria de Keynes: a elevação histórica do nível dos salários no Capitalismo Avançado, determinada pelas novas tecnologias e formas de organização do trabalho, e até pela redistribuição de renda promovida pelo Estado de Bem-Estar Social, teria minimizado o efeito das crises, ao permitir que o proletariado engrossasse o mercado consumidor.
Além do já analisado otimismo, este raciocínio revela uma concepção simplificadora da dinâmica capitalista, mais especificamente da relação entre lucro, salário, investimento e tecnologia nas sociedades industriais. Para ele, a massa de salários cresceu muito nestas sociedades, evitando inclusive a ocorrência de crises mais sérias, sem que caísse a massa de lucros, queda pela qual é definido um outro tipo de crise, deixada de lado por Habermas. O motivo deste simultâneo aumento dos salários e dos lucros teria sido a adoção de novas tecnologias e o conseqüente crescimento do volume de riqueza e de valor produzidos. A tecnologia viria, portanto, libertar os lucros do "aperto" provocado pela elevação dos salários, conforme a teoria do chamado 'profit-squeeze', de corte mais ricardiano do que marxista, que parece estar na base da argumentação de Habermas neste ponto. Ou, enfocada pelo ângulo inverso, a inovação tecnológica permitiria que os salários crescessem mesmo sob lucros maiores, resguardando a capacidade de consumo social e impedindo as crises econômicas.
O resultado deste raciocínio, porém, contraria seu ponto-de-partida: no momento de sua incorporação econômica a técnica está comprometida com o capital, porque visa recompor lucros comprimidos; mas a realização deste objetivo, num segundo momento, reconstitui a proporção anterior entre salários e lucros, apresentando a técnica como algo "neutro", que não favorece a nenhum dos dois termos da relação de capital e trabalho. O problema é que aqui se considera o papel da inovação tecnológica somente dentro da esfera da distribuição da riqueza e não na de sua produção. Mesmo que ela fosse neutra na dimensão distributiva, ela não o seria na do processo de trabalho, porque aumenta o valor dos meios de produção utilizados em relação ao da mão-de-obra empregada, proporção conhecida como "composição orgânica do capital".
E com isso Habermas novamente encontra a Marcuse, em cuja obra também falta o conceito de "composição orgânica do capital", pois o emprego do maquinismo alteraria de tal forma o processo de produção que tornaria sem sentido a distinção entre meios de produção e trabalho, os dois componentes "orgânicos" do capital cuja relação trata-se de medir. Por isso Marcuse afirma ter a tecnologia nas "sociedades industriais avançadas" um sentido muito mais político, de instrumento de dominação, do que econômico. Retomando, contudo, a crítica feita acima a esta perspectiva unilateral da associação entre homem e máquina, que só enfoca a integração de ambos sem perceber que ela se baseia em sua diferença, vemos que nenhuma mudança qualitativa nesta associação pode suprimir o aspecto quantitativo da proporção em que dois termos distintos são comparados e medidos. Por mais que no processo imediato de produção o trabalhador se subordine e integre à máquina, ele permanece não-proprietário dela, sendo justamente esta condição que o força a se submeter a tal situação alienante. Assim, continua tendo sentido calcular a "composição orgânica do capital". E através dela desaparece qualquer impressão de neutralidade econômica da tecnologia: ela pode ser gerada e usada como instrumento de dominação política, sem que, por outro lado, deixe de ser também gerada e usada como meio de subordinação do trabalho ao capital, que implica não só a dimensão da inclusão como a da exclusão. Ou seja, se a inovação tecnológica permite um aumento dos salários dos trabalhadores empregados, o faz tornando supérfluo um número crescente de outros trabalhadores, desempregando-os e excluindo-os do sistema produtivo social. Este aspecto negativo, aliás, está presente na teoria do 'profit-squeeze', que Habermas parece adotar sem grande coerência, pois a nova tecnologia só "desaperta" os lucros mediante a queda do nível dos salários, resultante da substituição da mão-de-obra por máquinas mais aperfeiçoadas.
Assim, embora pague salários mais altos, o sistema produtivo privado o faz para um número menor de empregados, numa diminuição que compensa aquele aumento, minimizando seu efeito sobre o nível total da renda na sociedade. Para que este nível cresça, portanto, elevando também o consumo e impedindo crises de realização, é preciso uma intervenção do Estado, cada vez mais difícil hoje em dia, como vimos. Por outro lado, se o conceito de "composição orgânica" permanece relevante e crucial na dinâmica capitalista, sua consideração torna as definições de crise mais complexas do que a mera dificuldade de vender, determinando-as no plano de um descompasso entre o ritmo de acumulação e as taxas de valorização do capital. Neste sentido, mesmo que bem sucedida, a política econômica do Estado "social" não pode resolver de fato o problema das crises, cuja irrupção e superação se dá no âmbito do próprio desenvolvimento do capitalismo. O problema da realização das mercadorias produzidas é apenas uma das formas de manifestação de um fenômeno mais profundo, que não pode ser alcançado por simples políticas de redistribuição de renda.
Tais políticas teriam, entretanto, um significado social distinto do que se refere estritamente à esfera econômica. Já foi mencionado que a maior capacidade de consumo dos trabalhadores nas "sociedades industriais avançadas" também é um argumento utilizado por Habermas como objeção à tese marxista da miséria crescente do proletariado, que o levaria necessariamente à revolta e à revolução. É no contexto desta transformação social fundamental que Habermas introduz sua redefinição das crises, apresentada em seu livro Problemas de Legitimação no Capitalismo Avançado. Ele o faz aí nos quadros da Teoria dos Sistemas, e, portanto, através dos conceitos de 'função' e de 'direção', que estabelecem uma espécie de 'télos' cujo sentido é a integração funcional dos vários elementos sistêmicos. Daí que a crise, definida como uma disfunção, possa ser resolvida por um reforço de direção que promova um novo arranjo dos subsistemas, capaz de reintegrar os elementos econômicos e dar a eles condições de responder a seus problemas. Em outras palavras, a prioridade conceitual dada à 'direção' na teoria sistêmica abre a Habermas a possibilidade de propor uma resolução político-administrativa das crises econômicas, que passe pela consciência dos agentes sociais e que, expressa em sua fala, possa ser a matéria de sua "ação comunicativa".
Sem querer discutir aqui os princípios da Teoria dos Sistemas nem os da "razão comunicativa" habermasiana, limito-me a indicar novamente a presença de Marcuse nesta idéia de que a solução dos problemas econômicos passa diretamente pela consciência e pela atuação dos agentes sociais, sem a consideração de que o capital que predomina e articula as várias instâncias da sociabilidade, onde pensam e agem os indivíduos e os grupos. Isto fica claro quando Marcuse confere à tecnologia o papel de instrumento de dominação política e não de exploração do trabalho, omitindo o fato de que a máquina serve basicamente ao capital e de que o avanço tecnológico é promovido por este, para realizar sua necessidade de lucro e de expansão. Marcuse raciocina, por exemplo, como se o determinante da produtividade fosse a máquina simplesmente, quando é o capital que o faz, revestido da forma de meio de produção. E trata, então, da tendência totalitária e alienante da tecnologia no mundo moderno, sem poder explicar por que ela adquire tal caráter e poder.
Em Habermas esta omissão do papel do capital como relação social tendencialmente abrangente e dominadora faz com que a esfera econômica seja diferenciada da social e a ela subordinada. Assim, ao analisar a transformação dos conflitos sociais no Capitalismo Avançado, ele afirma que na sua fase liberal, a tensão fundamental do capitalismo - entre a classe social dos capitalistas e a dos assalariados - aparecia e se resolvia no âmbito do mercado, portanto de modo puramente econômico, tornando impossível e supérfluo um equacionamento político-administrativo do problema. De fato, neste momento a compulsão ao trabalho na sociedade civil seria determinada essencialmente pela privação econômica. Depois, porém, quando o capitalismo passou à etapa avançada, chamada por Habermas também de "organizada" e "estatalmente regulada", a afluência e a redistribuição permanente de bens teria eliminado a privação, de modo que a relação entre trabalho e capital não poderia mais ser resolvida no mercado, e sim no âmbito político-administrativo. Teria desaparecido, com isso, o potencial explosivo e revolucionário que uma ausência mediação permitia na fase liberal. O raciocínio de Habermas, como vemos, se fundamenta em definir a oposição constitutiva do capitalismo como sendo primordialmente social, ou seja, determinada na esfera social dos interesses de classe conflitantes. A partir desta origem, tais interesses poderiam se expressar tanto no sistema econômico quanto no mundo dos valores e da organização consciente, de forma que estes dois âmbitos são pensados como lugares de manifestação de uma realidade anterior, que é a social. A oposição entre capital e trabalho assalariado só poderia ser entendida enquanto oposição entre a classe dos capitalistas e a dos assalariados. Por isso, ele afirma que, quando o sistema econômico recobria completamente a esfera da sociabilidade, na fase do capitalismo "liberal" do século XIX, ambas esferas se confundiam, mas porque uma oposição basicamente social aparecia como econômica, revestida da figura de crise de desvalorização do capital. O posterior "avanço" do capitalismo teria rompido a coincidência plena destas duas esferas, fazendo a sociabilidade já não se expressar de modo privilegiado no sistema econômico. Assim, os conflitos sociais poderiam gerar crises políticas ou de identidade cultural, ao invés de crises econômicas.
Sobre este argumento, novamente, há dois reparos a fazer. O primeiro é que o "mercado" em que consistia a instância de relação do capital e do trabalho na fase do capitalismo "liberal", para Habermas, é um conceito demasiadamente abrangente e genérico. Se por "mercado" se entende o dos bens consumidos pelo operário, então realmente se observa que nos países ricos não existe mais a "privação" econômica em sua forma clássica. Mas a este mercado consumidor amplo todas as classes sociais têm acesso, não sendo ele de fato o lugar específico onde se relacionam trabalho e capital. Esta relação ocorre realmente no mercado de trabalho, no qual os dois elementos são distintos justamente porque o trabalho é "privado" da propriedade dos meios de produção, de modo que, neste sentido, ainda existe "privação" no capitalismo atual, já que ainda existe mercado de trabalho. E este, aliás essencial em qualquer definição de capitalismo, funciona de acordo com regras próprias, às quais uma possível ação político-administrativa do Estado deve se conformar, sem poder nunca substitui-las. A autonomia do mercado de trabalho decorre dele ser, até mais claramente do que os outros, presidido pelas necessidades do capital, embora tenha neste um de seus dois termos: a "privação" que o produz e reproduz se amplia ou se contrai de acordo com os ritmos de acumulação do capital, com suas crises, com as transformações da produtividade, com as migrações geográficas das empresas etc..
É esta autonomia - organização conforme leis próprias - que constitui o capital como "sujeito" de sua história, às expensas dos que deviam ser os verdadeiros sujeitos, a saber, os seres humanos individuais. Assim, uma relação social se hipostasia realmente e tende a submeter as outras a si, redefinindo-lhes o sentido e a função de acordo com suas necessidades de expansão e domínio. Uma reflexão sobre este caráter do capital está praticamente ausente na obra de Habermas, ainda mais que na de Marcuse, como acabamos de ver. Mediante tal ausência, pode-se entender como Habermas diferencia a sociabilidade e a economia em duas dimensões distintas, falando de classes sociais como se elas também não se definissem economicamente, para com isso apresentá-las como os únicos sujeitos atuantes. E, na medida em que estes sujeitos humanos são conscientes e autoconscientes, é possível pensar sua atuação como sendo regrada por normas pactuadas, e resolvendo racionalmente os conflitos. A importância de instâncias automáticas e inconscientes da sociabilidade, como o capital e o mercado, é minimizada. Mas é nestas instâncias que se deve ainda travar as lutas e conflitos sociais, para além do que é possível obter através do Estado, como única forma de pressionar as próprias instituições políticas a refletirem os anseios por transformação das condições sociais.
De outra forma, a distinção errônea entre a dimensão econômica e a social continuará levando o Estado a perseguir apenas as metas da primeira em detrimento das da segunda, como acontece nas políticas Neoliberais postas em prática por toda a parte deste mundo "globalizado" e especialmente recomendadas para a América Latina. Embora já se escutem vozes destoantes do "Consenso de Washington" inclusive dentro de organizações como o Banco Mundial, o sacrifício do bem-estar social aos ajustes monetários e fiscais permanece provocando sérios danos aos países semi-industrializados deste nosso lado do planeta. E apesar também do próprio Habermas ter-se manifestado contrário a tal sacrifício, sua distinção teórica entre o econômico e o social vai exatamente na mesma linha proposta pelo Neoliberalismo. Se pensarmos em sua doutrina da "ação comunicativa", a dificuldade que resta poderia ser assim colocada: se de fato é o capital o sujeito da história do capitalismo, não estariam os agentes sociais sendo vítimas de seu fetiche ao desconhecê-lo? Não estariam supondo resolver seus conflitos pela razão, quando a razão de tais conflitos seria mais complexa do que aquilo que as regras da lógica clássica admitem como 'consistente'? E se não levarem em conta os limites e condições antepostas a eles pela autonomia do capital, não estariam , então, simplesmente falando a esmo?
Participação social e formação política de crianças e jovens
Joanice Barbosa Parmigiani1
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RESUMO
O presente artigo apresenta um trabalho que está sendo desenvolvido há três anos num projeto de inclusão social e construção da cidadania na cidade de Carapicuíba, região metropolitana de São Paulo. Surgiu como uma contribuição ao exercício da cidadania dos educandos que integram a unidade, criando possibilidades de ações concretas. Para essas ações criamos uma coordenação mirim que co-participa de todo processo administrativo da unidade, por meio de uma "Prefeitura Mirim".
Anualmente realizamos um processo de eleições no qual cada indivíduo (criança ou adulto) tem direito a um voto, e nas urnas (num processo similar às eleições brasileiras), cada participante do projeto (educando, educador, pessoal de apoio) faz sua escolha entre aqueles que o grupo escolheu para candidatos. Os eleitos têm mandato de um ano para trabalhar nos cargos e são avaliados e acompanhados por todos por meio de assembléias de prestação de contas e levantamento de propostas. Após esse período de desenvolvimento, este trabalho vem tornando-se uma ferramenta pedagógica que muito tem contribuído para todo o resultado educacional almejado, possui uma intencionalidade bastante clara, envolvendo todos os educandos, educadores e demais integrantes do grupo e proporcionando a recuperação da identidade dos envolvidos por meio de sua participação como atores sociais e protagonistas. Apresentamos no artigo, os primeiros resultados da formação da consciência de participação social e política dos educandos, dimensões que alavancam a formação da autonomia e da emancipação do indivíduo.
Palavras-chave: prefeitura mirim; cidadania; eleições; participação social.
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MOTIVAÇÃO E PROPOSTA
A participação social e a formação política são dois aspectos que cada vez mais vem se revelando como ferramentas de emancipação e autonomia do cidadão que deseja compreender a sociedade e perceber-se como agente constituidor e transformador de realidades. A consciência sobre tão poderosa capacidade individual torna-se ainda mais eficiente quando despertada ainda na infância e na adolescência.
Há três anos, tenho contribuído no desenvolvimento de um programa de Inclusão Social e Construção da Cidadania, da Fundação Orsa, que atende a famílias em situação de vulnerabilidade social no município de Carapicuíba. Sentindo a necessidade de trabalhar a dimensão político-social da educação junto às essas crianças e jovens, iniciamos o desenvolvimento do projeto Participação Social e Formação Política levando em consideração a necessidade de transformação das práticas educacionais, valorizando o exercício da cidadania e a preparação do educando para a vida.
Desta forma, abriu-se a possibilidade de efetivar a participação dos educandos como co-responsáveis de todo o processo educativo da unidade. Aliando-se, assim, o desejo da organização mantenedora aos princípios da educação social, resultando em prática inovadoras.
Para essas ações criamos uma coordenação mirim que co-participa de toda a gestão da unidade por meio de uma "Prefeitura Mirim"2, que anualmente, num processo de eleições no qual cada sujeito (criança ou adulto) tem direito a um voto nas urnas. Num processo similar às eleições brasileiras, cada participante da unidade (educando, educador, pessoal de apoio) faz sua escolha entre aqueles que foram lançados como candidatos pelo próprio grupo.
Os eleitos têm um mandato de um ano para trabalhar nos cargos e são avaliados e acompanhados por meio de assembléias de prestação de contas e levantamento de propostas. Essas assembléias proporcionam aos educandos o desenvolvimento de habilidades de comunicação, trabalho em grupo, relação interpessoal, decisão, responsabilidade, entre outras não menos importantes.
Após três anos de desenvolvimento, esse projeto tornou-se uma das mais importantes ferramentas pedagógicas utilizadas pelos educadores. Possui uma intencionalidade bastante clara: a formação política e o desenvolvimento do espírito de participação. A experiência democrática é vivenciada em plenitude, pois todos os assuntos são decididos coletivamente pelo voto, de igual valor tanto para educadores quanto para educandos.
Como fonte fomentadora podemos citar as experiências educativas que ocorrem em algumas escolas não-diretivas estudadas, destacando, em particular, a Escola de Summerhill e a Escola da Ponte.
Segundo Gandin, para que ocorram as transformações necessárias à educação é preciso trabalhar com igualdade de importância em duas dimensões: "a produção de idéias e a organização de ferramentas para torná-las realidade". Neste sentido, o desenvolvimento deste projeto vem proporcionando a toda equipe de educadores envolvida, um desenvolvimento harmonioso dessas duas dimensões, além de potencializar a concretização dos princípios metodológicos do Programa Formação:
Da relação dialogal entre o educador e o educando. Uma relação democrática, crítica e autêntica no diálogo e compromisso mútuo entre educador e educando, eixo de sustentação do processo educativo, o método de trabalho e a própria reflexão.
Da atividade planejada, na qual a ação é estratégia para se alcançar o resultado.
Da otimização dos recursos, onde todos os espaços e atividades constituem-se momentos e oportunidades de formação integral do educando.
Do educador coletivo que compreende a aprendizagem como um processo que ocorre na relação de todos os sujeitos envolvidos.
Acreditamos e buscamos um aprendizado construído de forma coletiva e interativa, no qual a prática e a teoria caminhem de mãos dadas, incentivando o desenvolvimento da solidariedade, da transparência, da co-responsabilidade, da autonomia e a organização de estratégias e políticas que possibilitem ao educando ser o sujeito de sua própria formação.
Como afirma Boff: "o ser humano é um ser de participação, um ator social, um sujeito histórico e coletivo de construção de relações sociais o mais igualitárias, justas, livres e fraternas possíveis dentro de determinadas condições histórico-sociais".
Um dos pontos cruciais que mostram que a educação tradicional vai se desintegrando no percurso do processo de universalização das oportunidades que transformam as escolas em escolas populares de massa, é a perda da identidade, tanto do professor que não se identifica com o aluno, com a escola e com a comunidade onde trabalha, quanto do próprio aluno e da própria escola. Assim, o projeto Participação Social e Formação Política privilegia o resgate da identidade dos sujeitos nele envolvidos.
Cada educador tem claro no plano pessoal e institucional os objetivos a serem alcançados e, por terem participado desde a fase embrionária do projeto, compreendem a idéia-processo-resultado. Por conseguinte, percebem a relação ação-resultado, o que mantém a motivação do projeto.
O objetivo central desta proposta é oportunizar aos educandos a vivência da democracia e o exercício da cidadania, garantindo uma formação política e educacional que os instrumentalize para transformar sua própria realidade.
E como objetivos específicos podemos destacar:
Promover a consciência para a participação social criando um sentido de comunidade entre os integrantes do grupo e levando-os a perceberem que não existirão resultados de mudanças sociais sem a participação da própria comunidade.
Potencializar talentos, oportunizando o desenvolvimento de lideranças como ferramenta para a formação da responsabilidade individual e coletiva.
Desenvolver a criatividade e a auto-estima dos educandos, possibilitando que desenvolvam as assembléias gerais com a representação de todos os grupos, podendo propor e assumir a realização de eventos culturais, programação de festas e projetos de férias, organização do tempo livre (ócio-criativo) e exercício de escolhas.

METODOLOGIA DA AÇÃO
O procedimento metodológico adotado neste trabalho é o de participação democrática, utilizando-se de recursos práticos como a co-gestão do programa Formação, num processo em que o educando é levado a desenvolver suas habilidades pessoais de liderança, tomada de decisões, responsabilidade, relacionamento interpessoal e coletivo, apropriando-se dessas competências de forma a tornarem-se seres autônomos, críticos e reflexivos.
A metodologia do projeto utiliza-se ainda da observação e do registro das oficinas pedagógicas desenvolvidas pelos vários educadores que atuam no Formação, das assembléias de grupos e assembléias geral e do registro das reuniões pedagógicas realizadas mensalmente com o grupo de educadores e coordenação, na qual há o compartilhar do processo e da percepção sobre os avanços conseguidos pelos educandos e educadores, refletindo sobre a própria prática num exercício de reflexão da ação para a formação de uma consciência mais crítica do trabalho educacional.
Falando especificamente da metodologia das assembléias, nos reportamos a Araújo (2004) que destaca a Assembléia Escolar como um exercício do fazer a educação democrática, ressaltando que aprender a dialogar, a construir coletivamente as regras de convívio e a fortalecer o protagonismo das pessoas e dos grupos sociais na busca pela justiça social e pela construção da democracia são ações possíveis a espaços nos quais se faz a educação. Este autor elucida-nos quanto à atuação das assembléias na resolução de conflitos e as define como o momento institucional da palavra e do diálogo, o momento de reunir-se o coletivo para tomar consciência, refletir e transformar. A disciplina e a indisciplina deixam de ser obrigação somente do educador e passam a ser questões compartilhadas por todo o grupo, responsável pelas regras e pela cobrança de seu exercício.
Como parte fundamental do trabalho temos a realização da roda, que traz em seu exercício contínuo, o sentido do pertencimento, pois todos se apropriam do espaço oferecido, ouvindo e sendo ouvidos. O processo de ensino-aprendizagem vivenciado na roda está voltado para a formação integral de cada indivíduo, ao vincular educação e prática social, por meio da qual valores, atitudes e conhecimento corroboram na formação integral de cada educando enquanto cidadão pleno, levando-o a compreender criticamente o conceito embutido por trás de cada proposta pedagógica apresentada.
Para Freire (1992), o caminho para superar as práticas incoerentes está na superação da ideologia autoritária e elitista, o que demanda sintonia entre o fazer e o falar da educação. Ao envolvermos os educandos na gestão do trabalho, podemos exercitar a superação da autoridade buscando uma prática democrática. Para Giacon (s/d) conviver constantemente com os opostos é um grande desafio instaurado na cotidianidade da educação, e é neste embate, nesta luta que surge o caminho para a liberdade e para uma prática que possa responder aos anseios dos educandos.
A prática da "Prefeitura Mirim" oportuniza a todos vivenciarem momentos concretos de formação política. Os educandos organizam-se em equipes às quais chamamos de comissões. Cada equipe reúne-se para levantar propostas e estudar seus possíveis candidatos, analisando o perfil daqueles que desejam concorrer aos cargos eletivos. Ao final do período de organização do processo eleitoral temos a apresentação dos candidatos de cada comissão que apresenta, sempre na roda, seus planos de gestão e finalmente no dia das eleições todos vamos à urna (que é eletrônica), para decidirmos quem será nosso Prefeito.
Uma vez eleito, cabe ao Prefeito nomear seus secretários e suplentes e então temos a Prefeitura Mirim formada com os seguintes elementos:
Prefeito eleito nas urnas
Secretário (a) e suplente da educação e cultura
Secretário (a) e suplente de esporte e lazer
Secretário (a) e suplente de meio ambiente
Secretário (a) e suplente de saúde
RESULTADOS DA AÇÃO
Neste período de três anos podemos destacar alguns resultados que foram alcançados e que foram transformadores na nossa prática educacional:
As Secretarias de saúde e esporte realizaram reuniões com Coordenadores da Fundação Orsa (Sede), nas quais trataram assuntos relevantes ao bom andamento das atividades do nosso projeto. Dessas reuniões resultou uma pesquisa realizada pela Secretaria de Saúde sobre a alimentação oferecida aos educandos. Cada educando pode opinar sobre o cardápio apontando o que gosta ou não, e sugerindo novidades. Destacamos aqui a resposta dada por um educando à questão "que sugestão você tem para melhorar a alimentação", e a resposta do menino de sete anos foi: "de todos pegar a comida que gosta e não pegar o que não gosta para não jogar fora". Essa resposta registra que o processo de participação está sendo interiorizado por eles, levando-os a perceberem o direito de não quererem algo, de não aceitarem imposições e levando-os a assumirem suas posições manifestando-as sempre que surgem as oportunidades.
Logo no primeiro mandato, o Secretário de esportes entregou um memorando à coordenação solicitando a compra de novas bolas de futebol e de vôlei. Ele fez pesquisa de preços e apresentou junto à sua solicitação. Essa atitude do educando nos leva a perceber que quando o sujeito sente-se respeitado e valorizado, é capaz de tomar iniciativas.
Os novos colegas que chegam ao Formação Carapicuíba são recebidos pelos próprios educandos que os acolhem, apresentam todas as dependências da unidade, orientam sobre as regras de convivência e ensinam os procedimentos do refeitório. Estas atitudes demonstram que o respeito recebido é o mesmo transmitido ao outro e evidencia o sentido de pertencer, o prazer de apresentar ao outro o que é nosso inserindo-o no nosso espaço, mostrando que a proposta de reforçar o pertencimento vem sendo amplamente alcançada.
O grupo da Prefeitura Mirim do ano de 2005 criou um programa de rádio, veiculado internamente. O Programa traz dicas de cidadania e é protagonizado pelos próprios autores. Eles falam sobre direitos do cidadão, recursos da comunidade, sempre numa linguagem que favoreça aos menores o entendimento.
Protagonismo de oficina lúdica sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente realizada na Conferência Lúdica da Subprefeitura de Pinheiros/SP. Neste evento tivemos um grande envolvimento dos jovens que planejaram a ação, preparam os materiais e aplicaram a oficina para um grupo de trinta e dois estudantes da região. Uma atividade realizada com muita alegria pelo grupo e que trouxe uma experiência muito satisfatória para a educadora que mediou a ação.
Participação do grupo de educandos de 7 a 10 anos nas Palestras sobre saúde oferecidas à comunidade e realizadas em espaço de parceiros, destacando-se as intervenções e colocações adequadas feitas por alguns educandos em colaboração aos palestrantes. Foi uma surpresa para o grupo de educadores perceberem que, mesmo os menores, estão desenvolvendo a habilidade de saber intervir contribuindo com a discussão coletiva, reproduzindo assim o exercício que acontece em cada momento de roda e de assembléias.
Organização do Campeonato Esportivo de final de ano, com a proposta tendo sido feita pelos educandos que também trouxeram contribuição em troféus e medalhas para serem entregues aos vencedores. Uma vez mais, percebe-se a iniciativa, a ousadia de propor e a responsabilidade pelo fazer.
Solicitação de reunião com a coordenação pedagógica do projeto, feito pelos educandos maiores para contestar mudanças não discutidas antes de serem anunciadas ao grupo geral. Esta tem sido uma das melhores atitudes que temos percebido nos educandos, é a não aceitação da imposição de regras e normas não construídas de forma democrática. Muitas vezes isso é difícil de ser conduzido, pois temos determinações a serem seguidas o que requer um grande exercício por parte da coordenação para não desrespeitar as regras de convivência elaboradas coletivamente.
Participação ativa dos integrantes da Prefeitura Mirim na organização e realização dos eventos culturais: "Saraus e Galeria", proporcionando o crescimento do número de grupos de apresentações culturais entre os educandos. Esse protagonismo tem possibilitado um crescimento visível de auto-estima e auto-desenvolvimento dos educandos e a qualidade dos eventos tem sido diretamente proporcional à esse crescimento.
Realização do I Fórum da Prefeitura Mirim, que reuniu alunos de diversas escolas públicas de Carapicuíba, discutindo a questão "Como o Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser trabalho nas escolas?". O evento contou com a presença de representantes do CMDCA de Carapicuíba, do RISOLIDARIO – USP, e de professores de escolas públicas do município. Desse Fórum resultou uma série de jogos que serão levados para as escolas públicas durante o ano de 2006 e surgiu a proposta de levar a prefeitura mirim para o município e também a realização do primeiro Fórum em nível municipal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Rubem. A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. 6. ed. Campinas/SP: Papirus, 2003.
ARAÚJO, Ulisses F. Assembléia Escolar – Um caminho para resolução de conflitos. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2004.
BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. 37 ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
FREIRE, Paulo. A pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 21. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
GANDIN, Danilo. Temas para um projeto político pedagógico. Petrópolis/RJ: Vozes, 1999.
NEILL, Alexander S. Liberdade em medo (Summerhill): radical transformação na teoria e na prática da educação. 18. ed. São Paulo: Ibrasa, 1979.
WARSCHAUER, Cecília. A roda e o registro: uma parceria entre professor, alunos e conhecimento. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
Inclusão de pessoas com deficiência mental no trabalho
Eduardo José Manzini1
GOYOS, Celso; ARAÚJO, Eliane. Inclusão social: formação do deficiente mental para o trabalho. São Carlos: Rima editora, 2006. 180p.
O livro Inclusão social: formação do deficiente mental para o trabalho vem ocupar um importante espaço sobre o tema deficiência e trabalho. Os pesquisadores e docentes que lidam com esse tema muito bem conhecem a dificuldade de encontrar material bibliográfico para subsidiar aulas, reflexões e pesquisas sobre a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Dessa forma o livro é muito bem vindo!
Sabemos que, atualmente, a organização do trabalho sofre grandes mudanças devido aos processos de informatização, globalização e especialização da mão-de-obra. Como, então, podemos vislumbrar a inserção da pessoa com deficiência mental para o trabalho?
Nesse sentido, o livro, organizado por Goyos e Araújo (2006), passa a ser fonte de informação para refletir sobre o tema.
O livro, composto por sete capítulos, apresenta conceitos básicos e fundamentais para entender e compreender a pessoa com deficiência mental e suas relações com o trabalho.
O leitor poderá encontrar importante reconstituição histórica sobre os primórdios da relação entre pesquisa e deficiência mental no Brasil, a legislação vigente e um levantamento teórico relevante de autores que trabalham com deficiência mental, ensino e currículo funcional. Esses conteúdos são apresentados de forma sistematizada e didática, e, principalmente, relacionados ao tema trabalho. Ao final de cada capítulo, os autores sugerem questões de estudo, com perguntas abertas, para promover a discussão sobre os conteúdos apresentados. Esse formato do livro evidencia a preocupação com a formação dos educadores, gestores e demais profissionais que trabalham ou irão trabalhar com o tema em pauta.
O livro abrange vários subtemas como:
1) aspectos sociais e legais relativos à deficiência mental;
2) os processos básicos de aprendizagem que podem ser aplicados à deficiência mental;
3) o conceito de desenvolvimento humano;
4) os sistemas de avaliação e suas relações com o trabalho;
5) o planejamento para o ensino de pessoas com deficiência mental; e
6) o planejamento e organização de serviços para a formação de pessoas com deficiência mental para o trabalho.
Esse último tópico traz contribuições para as pessoas interessadas na organização de serviços para formação da pessoa com deficiência mental.
Sem dúvida, se vislumbrarmos que a formação para o trabalho da pessoa com deficiência mental é um dos últimos degraus para que a inclusão e os processos de autonomia ocorram, o livro será importante fonte de referência para ser utilizado na formação de alunos em cursos de pedagogia, psicologia, serviço social, terapia ocupacional, administração e outras áreas afins.
Inclusão social do portador de necessidade especial através de sua integração no sistema regular de ensino
No limiar do século XXI, a humanidade vem se confrontando com sérios conflitos decorrentes do descompasso entre o avanço vertiginoso da ciência e da tecnologia e a crescente marginalização social em todos os países, com maior predomínio naqueles menos desenvolvidos. Tais conflitos demandam soluções urgentes que implicam a definição de estratégias de ações pelos governos e organismos em âmbito mundial.
A partir da Conferência Mundial sobre Educação Para Todos (1990), os movimentos internacionais recomendam a construção de espaços educacionais comprometidos com a educação de qualidade para todos. Neste sentido, compromissos éticos e políticos foram consolidados num esforço coletivo para assegurar a democratização da educação, independente das diferenças particulares dos alunos.
A Declaração de Salamanca (1994), reflete um consenso mundial sobre a necessidade de mudanças fundamentais que transformem em realidade uma educação capaz de reconhecer as diferenças, promover a aprendizagem e atender as necessidades de cada criança individualmente. Que as escolas ajustem-se às necessidades dos alunos, quaisquer que sejam as suas condições físicas, sociais e culturais.
No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -9394/96, em seu capítulo V, se refere à Educação Especial como modalidade da Educação Escolar Regular. Entretanto, é necessário o exercício da compreensão de Educação Especial numa nova perspectiva, exigindo uma leitura ampla e dinâmica que extrapole os limites do capítulo a ela destinada e se direcione no sentido de promover de fato uma educação inclusiva.
Ao analisar sua trajetória percebe-se que a evolução dos serviços de educação especial caminhou de uma fase inicial, eminentemente assistencial, visando apenas ao bem estar da pessoa com deficiência para uma segunda, em que foram priorizados os aspectos médicos e psicológicos desses indivíduos. Em seguida, chegou às instituições de educação escolar e, depois, à integração da educação especial no sistema geral de ensino. Hoje, finalmente, choca-se com a proposta de inclusão total e incondicional desses alunos na sala de aula do ensino regular.
Os portadores de necessidades especiais estão expostos aos prejuízos e prevenções dos demais pela única razão de serem diferentes do usual, do normal, do diário. Tendo a sociedade adquirido através dos tempos, seus conceitos supersticiosos, é comum ouvir frases do tipo: "Não foi à toa que foi marcado pela natureza", ou "Corpo lesado, espírito lesado". Junto a essas superstições, existe a falta de comunicação, gerando o preconceito. Os portadores de deficiência, sofrem com a rejeição, superproteção, indiferença e restrições impostas pela família e pela sociedade. Junto ao preconceito direcionado a esses indivíduos, aparece também o sentido de punição aos pais, por um suposto pecado cometido.
Relevância da Educação Inclusiva
Educação Inclusiva
Para falar de educação inclusiva, temos de abordar, antes, a questão da inclusão social, ou seja, o processo de tornar participantes do ambiente social total (a sociedade humana vista como um todo, incluindo todos os aspectos e dimensões da vida - o econômico, o cultural, o político, o religioso e todos os demais, além do ambiental) todos aqueles que se encontram, por razões de qualquer ordem, excluídos.
Exclusão social e inclusão social são conceitos dialéticos, polarizados, simétricos e constituem uma das grandes preocupações da sociedade atual.
Como excluídos, podemos considerar todos os grupos de pessoas que não participam, em nossa sociedade capitalista, do consumo de bens materiais (produtos e mercadorias) e/ou serviços.

Ou seja: aqueles que estão fora do processo produtivo (desempregados e sub-empregados), do acesso a bens culturais, saúde, educação, lazer e outros, todos componentes da cidadania.

O conceito exclusão social veio substituir, no Brasil, a partir dos anos oitenta, conceitos menores e setoriais, como segregação, marginalização, discriminação, miséria, pobreza.

Organismos governamentais, organizações não-governamentais, e organizações internacionais voltadas para o desenvolvimento econômico e social (BID, Banco Mundial, ONU e suas subsidiárias - UNESCO, UNICEF, FAO e outras) tendo em vista o avanço da globalização e do neo-liberalismo, têm se preocupado o aumento significativo de populações marginalizadas, seja pelo sub-desenvolvimento, pelo desemprego ou, ainda, vítimas de preconceito e discriminação religiosa, étnica e cultural.

Assim, a inclusão social se apresenta como um processo de atitudes afirmativas, públicas e privadas, no sentido de inserir, no contexto social mais amplo, todos aqueles grupos ou populações marginalizadas historicamente ou em conseqüência das radicais mudanças políticas, econômicas ou tecnológicas
da atualidade.

Uma das dimensões do processo de inclusão social é a inclusão escolar conjunto de políticas públicas e particulares de levar a escolarização a todos os segmentos humanos da sociedade, com ênfase na infância e juventude.
Nesse contexto, recebem atenção especial a integração de portadores de deficiências (físicas ou mentais) nas escolas regulares, o ensino voltado para a formação profissionalizante e a constituição da consciência cidadã.
No Brasil, a Constituição de 1988, assim como a LDB 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) destacam a importância e urgência de promover-se a inclusão educacional como elemento formador da nacionalidade.
Os sistemas educacionais federais, estaduais e municipais, assim como a rede privada de escolas têm envidado esforços no sentido de operacionalizar os dispositivos legais que exigem ou amparam iniciativas no caminho da inclusão escolar.
A legislação a respeito, recente e ainda pouco conhecida até pelo professorado, coloca a questão nos termos os mais amplos possíveis: a inclusão escolar é para todos aqueles que se encontram à margem do sistema educacional, independentemente de idade, gênero, etnia, condição econômica ou social, condição física ou mental.
A radicalidade com que a legislação contempla a inclusão escolar - principalmente quanto à população portadora de necessidades especiais, entre eles os deficientes físicos e mentais - tem suscitado questionamentos da sociedade e de grupos específicos - como os agentes educacionais, pais e mesmo das clientelas-alvo - sobre a forma de operacionalizar a inclusão, mesmo sendo consenso geral a necessidade e o direito à inclusão.
Os questionamento são de todo tipo - técnicos, administrativos, institucionais - e a maior parte revelando dois aspectos fundamentais: a ignorância sobre as características das clientelas a serem incluídas e o preconceito gerado a partir dessa ignorância.

Qual é a clientela -alvo da educação inclusiva?

- pobres
- negros e pardos
- crianças e idosos
- mulheres
- homossexuais
- portadores de incapacidades e deficiências físicas e mentais.
Ou seja - a população desfavorecida economicamente ou alvo de estigmas sociais de toda ordem.

Onde se encontra essa clientela-alvo? Geralmente, na periferia dos grandes centros urbanos e nas zonas rurais.

Através de que instituição a educação inclusiva terá exeqüibilidade? Sem dúvida, a escola pública, tradicionalmente reconhecida como a escola dos excluídos.

Os professores estão preparados para esse empreendimento? Não, e é necessário proceder à sua formação, começando com a informação e a conscientização dos mesmos.

O que não se pode - em termos de uma visão macro-social - é preparar professores e só depois (depois, quando?) proceder a iniciativas de inclusão escolar.

O professor, como agente de mudança, deve ter em mente, sempre, a responsabilidade social que o cargo lhe confere e participar decisivamente do esforço de inclusão - apesar dele mesmo, enquanto categoria profissional, não receber reconhecimento, no Brasil, de sua importância na formação educativa da população.

A inclusão educacional é, certamente, o caminho definitivo para que deixemos de ser o país de maior riqueza (potencial) e, ao mesmo tempo, palco das maiores injustiças sociais da história da humanidade.
As necessidades educativas especiais e as necessidades formativas de professores
Eliana Prado Carlino, Academia da Força Aérea - Divisão de Ensino, Brasil


Introdução

Apesar de vivermos em uma sociedade marcada pela exclusão social - que ocorre concomitantemente ao processo de globalização, de desemprego e de precarização das condições de trabalho - inúmeras discussões e propostas sobre inclusão escolar vêm habitando as instâncias educativas e adentrando o cenário pedagógico, contribuindo para que a educação de alunos considerados com necessidades educativas especiais seja colocada em questão.

Entretanto, tais discussões têm ocorrido em um contexto sócio-econômico cada vez mais excludente e em ambientes educacionais marcados por referenciais teóricos que defendem uma visão estática de homem, de mundo e do desenvolvimento humano, além de uma visão que idealiza o igual, o homogêneo.

Por este e outros motivos, julgamos que o estudo de processos relativos a pessoas com necessidades educativas especiais e das propostas de inclusão social e escolar dessas pessoas deva ser privilegiado nos cursos de formação de professores, instância que também deve ser responsabilizada pela preparação de recursos humanos para essa nova demanda e na qual tais questões podem e devem ser problematizadas.

Em relação à legislação, há previsão de que professores sejam especializados ou capacitados, em nível médio ou superior, para atuar junto aos alunos com necessidades educativas especiais, no ensino regular. Mas há ambigüidades e diversidades quanto ao entendimento de quem são os alunos assim denominados e de como se proporcionar tal capacitação - a quem caberia realizá-la e o seu locus de realização.

Apesar de prevista nos discursos e projetos oficiais dirigidos às pessoas com necessidades educativas especiais, é quase consensual, entre pesquisadores, que essa preparação vêm ocorrendo de forma insatisfatória e que esta temática é praticamente ausente nos referidos cursos.

Alguns elementos sobre a realização da pesquisa

Indagávamo-nos sobre que conhecimentos as futuras professoras, em formação no ensino médio, estavam produzindo ou internalizando em relação a esta problemática e como a estavam compreendendo e, além disso, que construções conceituais lhes estavam sendo possíveis na instância formadora, entendendo que essas possibilidades poderiam advir de diversas disciplinas (entre elas a Psicologia da Educação, que nos interessava mais proximamente), de situações de estágio, de experiências individuais, enfim, de um contexto inter e multi disciplinar, já que a Educação é ela própria, um fenômeno dinâmico que pressupõe o intercruzamento de diferentes áreas do conhecimento.

Com o propósito, então, de investigar que conhecimentos, idéias ou concepções sobre o tema veiculam entre as futuras professoras quando estão prestes a concluírem seu curso e bem próximas de se envolverem com a realidade da sala de aula, o presente estudo envolveu a realização de entrevistas individuais e semi-estruturadas, tendo algumas questões norteadoras, com dez alunas do 4º ano de um curso CEFAM (Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério) de um município do interior de São Paulo.

Para a realização e a análise das entrevistas, utilizamos o referencial sócio-histórico, por considerarmos relevantes as contribuições de seus pressupostos na explicação referente aos processos humanos, particularmente, no nosso caso, a contribuição deste referencial para o estudo dos processos relativos a pessoas com necessidades educativas especiais, além de sua importância para a compreensão do ato educativo como um processo necessariamente mediado, dada a sua natureza sócio-interativa. Também por ele considerar que as atividades educativas possibilitam formas de interação com "outros" e com o conhecimento, viabilizando aos sujeitos novos modos de pensamento e conseqüentemente de inserção e atuação no meio sócio-cultural; pressupondo a existência de sujeitos interativos, que, em contato com o mundo cultural, transformam-no e a si próprios, num movimento que requer a inter-relação de pessoas; relações estas marcadas pela diferença e pela heterogeneidade.

O curso CEFAM foi considerado um espaço apropriado no qual poderíamos olhar para a questão da formação de professores no ensino médio e a familiaridade de futuras professoras com as "necessidades educativas especiais". Procuramos "ouvir" as falas das futuras professoras, abstraindo de seus relatos o que consideramos mais significativo, no nosso entender, sabendo que muitas outras interpretações são igualmente possíveis.

Questões conceituais

Em relação ao termo "necessidades educativas especiais" muito já se fez no sentido de alterar nomenclaturas e mudar as ênfases - de "deficiente", passamos para "portador de deficiência" e, mais recentemente, para "portador de necessidades educativas especiais", ou ainda, "pessoa com necessidades educativas especiais", sendo que esta última já passa por questionamentos, sendo sugerido que se utilize "aluno que apresenta necessidades educativas especiais".

Não podemos negar que as novas nomenclaturas talvez ajudem no sentido de apontar para novas ênfases. Acontece que mudar a forma de chamar esses sujeitos, não muda, necessariamente, a maneira de vê-los, de tratá-los, de educá-los, de inseri-los no meio educativo e social. A amplitude e a falta de precisão nas terminologias utilizadas, na maioria das vezes, mais confundem do que ajudam, principalmente pela falta de vontade política.

Entretanto, a terminologia carrega um sentido, que é construído socialmente e que define posturas, entendimentos e ações práticas

A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida [...] O sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto. (Bakhtin, 1986, p.95;106)

Fruto dessas concepções, geradas em contextos sociais e históricos definidos, foi se estabelecendo um sistema, que, na intenção propagada de "integrar" aqueles que durante muito tempo (desde séculos anteriores) haviam sido excluídos da possibilidade de viverem em suas comunidades porque eram institucionalizados e considerados "incuráveis", constituindo um grupo marginalizado, acabou também por gerar segregação. Segregação porque não consegue transformar o que o indivíduo não é capaz de fazer em objetivo a ser atingido, mas, ao contrário, tem como meta somente aquilo que, supostamente, na visão dos "especialistas", é o que ele consegue realizar. Ou ainda, segregação, porque, há a ilusão de que, a instituição "cuida", "repara", "trata" para depois devolvê-lo ao espaço comum ou à escola regular. É como se fosse necessário retirar a pessoa de seu contexto "a fim de 'consertá-la' ou torná-la 'menos diferente', e depois devolvê-la a este contexto, de forma que não haveria ou haveria menos motivo para estigmatizá-la e marginalizá-la nos inúmeros espaços sociais" (Ferreira, 1994, p. 7). Sendo assim, foram se constituindo dois sistemas paralelos de ensino - o "regular" e o "especial".

Entretanto, desde 1961, através da Lei nº 4.024/61, há menção de que o atendimento aos alunos considerados "especiais" ou "excepcionais" se enquadre, dentro do possível, no sistema geral de educação.

Princípios como integração e normalização foram norteadores da filosofia educacional nas propostas de redefinição das políticas de educação especial, por volta dos anos oitenta. Já o termo inclusão é mais recente, ainda que o seu ideal não seja uma idéia nova ou surgida nesta última década, fazendo-se presente desde os anos sessenta, aproximadamente.

Dois eventos foram mundialmente significativos e podem ser considerados marcos dessa proposta, pois trataram de questões referentes à viabilização de educação para todos, redimensionando o conceito de necessidades educativas especiais. Esses eventos foram "A Conferência Mundial sobre Educação para Todos" e "A Conferência Mundial sobre Educação Especial" .

Apesar dessa idéia inclusiva estar presente em diversos textos e discursos oficiais, as propostas que a defendem, não definem exatamente quem é quem, ou quem deve ser atendido onde. Há ambigüidades em relação a quem se referem os termos utilizados e em relação aos espaços educativos em que a escolarização ou o atendimento desses alunos deva ser feito.

Por este motivo queremos destacar que, embora tenhamos neste trabalho, focalizado a inclusão do ponto de vista escolar, pois nossa proposta é ressaltar as necessidades formativas de professores para receberem em classes regulares, crianças com algum tipo de diferença, é importante considerar que a questão não pode se restringir a essa possibilidade. Há concepções de inclusão mais vinculadas à projeção de ações educativas orientadas para uma efetiva "inclusão social", sem implicar, linear e necessariamente, o atendimento das necessidades especiais em classes regulares.

Na condução deste trabalho, o uso da expressão "portador de necessidades educativas especiais" se justifica pelo fato de ser esta a expressão registrada nas diretrizes oficiais e a mais circulante entre os educadores, à época em que o iniciamos. Em função disso, quisemos examinar como as futuras professoras estavam compreendendo essa marca nos diferentes níveis de discurso presentes na escola e fora dela.

Ainda que se mantenham ambigüidades, a inclusão está colocada como tópico de discussão, mais acentuadamente nesta última década, e não só pela escola mas pela sociedade. Apesar de uma certa tendência em se querer pensar que cabe somente à escola comum o papel de efetivar a inserção de alunos que não têm conseguido beneficiar-se até então, do ensino regular, não podemos esquecer que ter, na escola, alunos cujas diferenças (de qualquer ordem) sejam atendidas e respeitadas, requer posturas e ações que extrapolam o âmbito educacional, apesar de também passarem por ele.

Pensar a inclusão requer compromisso com uma reorganização do sistema educacional e da própria sociedade, impregnada que está de idéias que concebem a diferença como "desvio" e este como algo centrado em características individuais, deixando de considerar o contexto sócio-cultural das pessoas e sua caracterização como ambientes compostos por inúmeras e variadas diferenças (pessoais, étnicas, lingüísticas, culturais, sociais, etc).

Além disso, vivemos cotidianamente situações intensificadas de exclusão social, através do desemprego estrutural, das defasagens em relação aos avanços tecnológicos e das contingências da globalização. Nesse processo, os órgãos governamentais deixam de assumir suas responsabilidades, através da proposição de alternativas que visam trabalhos em parcerias, cooperativismo, ações oriundas de iniciativas de governos municipais e da sociedade civil; enfim, enfatizam-se e valorizam-se formas de organização mais localizadas que caminhem no sentido de minimizar os efeitos desse processo de exclusão.

Com isso, acompanhamos um sistema que se desmantela e que aumenta o número de desempregados, de excluídos, de pessoas que, a cada dia, se culpam ou são culpadas, pelo fracasso na obtenção de um espaço no mercado de trabalho. Aqui, também, é o próprio indivíduo que é responsabilizado pela sua inadequação a um mercado cada vez mais competitivo; se ele não consegue emprego, o motivo é o seu despreparo ou a sua falta de qualificação.

E é nesse contexto neoliberal , excludente, que temos de conviver, compreender e efetivar o discurso inclusivo, transformando-o em prática inclusiva. Discurso este que defende a colocação de crianças, independente de suas diferenças, no ensino regular para que sejam escolarizadas. O que não se considera entretanto, é que, muitas vezes a exclusão se processa exatamente ao agrupá-las "todas", indiscriminadamente, sem que se considere seus processos particulares e modos singulares de aprender.

As Leis e os decretos, garantem, de certa forma, a possibilidade de que a inclusão ocorra, mas sabemos que eles não são suficientes, por todos os outros aspectos que estão a permear essa temática.

Consequentemente, o insucesso pela não realização do empreendimento proposto recai sobre instâncias individualizadas como a própria família ou então, a própria escola, sem contar com análises fragmentadas que culpam ainda o professor, particularmente.

Vemos, sem dúvida, grandes resistências por parte de professores e de profissionais da educação em aceitar o desafio colocado pelas propostas inclusivistas, o que é perfeitamente compreensível, dada a carência de sua formação para esse desafio (ou utopia?). Tais resistências aparecem em conseqüência da não problematização da questão, inclusive nas instâncias de formação desses profissionais, o que gera entendimentos e, consequentemente, práticas as mais diversas e impróprias.

Por este motivo consideramos que a formação de professores deve ser contemplada se queremos que as mudanças se processem com um pouco mais de intensidade, afinal, como argumenta Kassar (1995), “a mudança da história de nossa educação consolida-se mediante a viabilidade da construção de novas percepções por quem produz a prática pedagógica” (p.83).

É necessário que o professor perceba que ele também constrói o saber no contexto de relações que vive cotidianamente; ele é um produto histórico, mas dessa história é também autor. E dessa autoria dependerão novas inter-relações, novas mediações, novos trabalhos coletivos, novas visões e concepções, e certamente novas experiências e práticas no que concerne ao trabalho com as diferenças e deficiências.

Não apenas o professor em formação deve ser contemplado, mas aqueles que já estão em exercício, pois há necessidade de ações que se estendam também a esses profissionais, propiciando-lhes situações de análise e reflexão sobre suas próprias condições de trabalho e vivências, permitindo-lhes estabelecer relações entre a sua ação pedagógica e os pressupostos teóricos que estão subjacentes a ela.

Voltamos, portanto, o nosso olhar para um curso de formação, examinando as concepções e conhecimentos de futuras professoras sobre as necessidades educativas especiais e, complementarmente, sobre inclusão escolar, acreditando que, ao "escutá-las", poderíamos vislumbrar novas perspectivas e novos modos de intervir em sua formação.

"Ouvindo" as futuras professoras

Estaremos trabalhando aqui com quatro unidades de análise que foram constituintes dessa pesquisa.


1- Concepções que as futuras professoras têm sobre portadores de necessidades educativas especiais.

Existe entre as futuras professoras uma noção de necessidades educativas especiais vinculada à deficiência, que por sua vez é entendida apenas como a "falta de", "carência de" ,"lentidão", "limite", "impossibilidade" - são esses atributos que caracterizam os sujeitos deficientes. A concepção predominante é a de sujeitos cujos problemas que demandam suas necessidades especiais no nível educacional são de origem inata ou de âmbito pessoal/familiar.

Ter "deficiências na aprendizagem", ser "excepcional", ser "deficiente", ser "especial" ou ainda, ser "portador de necessidades educativas especiais", parecem sinônimos na visão das entrevistadas. Esse amálgama no uso das nomenclaturas não nos deixa perplexos já que, durante o curso de formação, as noções que tiveram sobre os referidos assuntos foram mínimas e pouco problematizadas e também porque mesmo entre profissionais de distintas áreas, as diversas nomenclaturas não têm sido usadas de forma consensual (Mazzotta, 1982).

A idéia que elas têm sobre essas pessoas passa distante de um sujeito dinâmico e complexo ao qual se refere Vygotsky (1996) quando fala de sujeitos imersos na história de um grupo social e que nesse grupo vão construindo a própria história e consequentemente a própria individualidade, a partir do plano de relações sociais e culturais vividas por cada um.

É comum entre elas a idéia de que esses sujeitos necessitam de um ensino mais lento, mais simplificado, já que o seu desenvolvimento é concebido como quantitativamente menor, daí as propostas de redução de programas e a convicção de que o espaço educativo mais apropriado para essas pessoas seja a escola especial, isto é, um sistema de ensino à parte, pois apenas um espaço educativo com a marca do patológico, do tratamento clínico, do rótulo, poderia oferecer um atendimento àqueles que (por diferentes razões) não conseguem se apropriar daquilo que a escola tem lhes oferecido.

2- Modos de pensar a inclusão dos portadores de necessidades educativas especiais no ensino regular, pelas futuras professoras.

Há uma visão dicotômica entre escola regular e escola especial, à qual Mazzotta (1982) se refere ao dizer que a educação não é vista como uma só. E nessas duas modalidades (regular e especial) várias possibilidades para o aluno são apontadas pelas futuras professoras - freqüentar só a escola regular; freqüentar só a escola especial ou, então, as duas; ser primeiramente trabalhado na especial para depois "normalizar-se" na regular; ir da especial para a regular mas sendo monitorado pela primeira; enfim, algumas combinações vão-se constituindo, porém, na visão delas ninguém está preparado para prescindir da educação especial, ou melhor, ninguém está preparado para dispensar os moldes de atendimentos especializados que acabam absorvendo tudo ou quase tudo aquilo que a escola regular não tem conseguido resolver. Sendo assim, percebe-se também que o trabalho desenvolvido pelas instituições especializadas está acima de qualquer suspeita e isento de questionamentos, o que impede que se avance no sentido de buscar novos sentidos e novos papéis ao ensino especial e consequentemente ao próprio ensino regular.

Não aparece de forma mais consistente, qualquer preocupação com questões de ordem política, econômica, ideológica. Não se questiona o motivo pelo qual "de repente" resolveu-se falar em inclusão e entendem-na como estar colocando na rede regular alunos (mais provavelmente deficientes) provenientes de escolas especiais (como a Apae, por exemplo, que é a prática de serviços especializados que elas têm como referência, em sua comunidade).

O conceito de inclusão aparece equivocado, significando contato físico ou social entre crianças "normais" e crianças portadoras de necessidades educativas especiais, o que tem sido um modo inadequado de pensar sobre a questão, porém, muito presente nos meios educacionais. A visão das entrevistadas é de que o professor deva ser preparado para evitar que o aluno incluído seja rejeitado pelos colegas de classe. Não há preocupação por parte delas com questões de ordem cognitiva, ou seja, não se pensa nas possibilidades de aquisição, por parte da criança, de um saber sistematizado e acumulado social e historicamente. Há, sim, uma visão quase filantrópica do trabalho a ser realizado com essas pessoas, segundo a qual, os professores poderiam contribuir com mais carinho, atenção e amor.

Entretanto, há alguns conhecimentos dos quais elas já se apropriaram e que são indicadores de que existe um saber, mesmo tácito, que as faz entender que muitas vezes, a solução do problema não está em transferir o aluno para outro lugar/espaço e que inseri-lo na classe regular sem que se saiba o que fazer com ele pode ser mais prejudicial do que mantê-lo na instituição especializada.

3- Conhecimentos propiciados pelo curso de formação, e, em especial, pela Psicologia da Educação, em relação à esta temática.

Mesmo que, durante o curso, tenham aprendido pouco sobre certas temáticas, as alunas possuem noções sobre as mesmas, ainda que elas tenham sido produzidas de modo não intencional no seu cotidiano, no qual mediações espontâneas, através de outros sujeitos, da mídia e de leituras, possibilitaram que concepções fossem construídas. Entretanto, de alguma forma, o curso de formação ofereceu sua contribuição, através de algumas disciplinas em particular, e mesmo do silenciamento de outras.

Quando se referem às contribuições do curso, demonstram que elas foram insuficientes e não concorreram para uma compreensão melhor das questões que envolvem as necessidades educativas especiais. Criticam a superficialidade dos assuntos tratados, e, no ensino da Psicologia, a ênfase em um único referencial teórico, as impediu de terem acesso a outras abordagens e, mais do que isso, às suas condições de produção, ou seja, ao saber que concerne às situações sociais e históricas concretas que lhes deram emergência e às necessidades que geraram a sua produção.

As críticas dirigem-se também às formas como foram trabalhados os conteúdos, que não lhes possibilitaram maiores reflexões ou discussões sobre os assuntos focalizados, dificultando a sua apreensão.

Vemos com isso que, apesar da precariedade e insuficiência das informações recebidas pelas alunas, elas demonstram uma certa sensibilidade e um esforço analítico frente a determinados aspectos dos temas abordados na entrevista, sendo críticas em relação a algumas questões, entretanto, ainda que olhemos para as suas falas com um pouco mais de otimismo, tentando considerar seus saberes, as concepções existentes tornam a inclusão um tema quase desconhecido e consequentemente, ainda, um grande desafio.

4- A visão das futuras professoras sobre as condições docentes para o atendimento às necessidades educativas especiais.

Embora haja limites nas concepções sobre o tema em discussão, é posição da grande maioria das entrevistadas que os professores em exercício não estão em condições de trabalhar com esses alunos. Mesmo não identificando bem onde estão as falhas, fazem objeções quanto às condições dos professores para assumirem esta tarefa e são categóricas em afirmar que a elas também falta preparo.

Não se cogitam, entretanto, as razões dessa insuficiência atribuindo-se ao professor a responsabilidade por uma formação que não lhe possibilita atuar junto a alunos com deficiência ou junto àqueles cujas necessidades educativas diferenciadas, requerem uma nova postura da escola.

Atribuem esse despreparo ao fato de o professor não estudar e não se especializar. Consideram que muito conhecimento em Psicologia, assim como algum conhecimento da área médica, além de saber sobre causas ou tipos de deficiência e conhecer a realidade familiar, seriam condições necessárias para o atendimento às necessidades educativas especiais.

Além das expectativas que se criam em relação aos conteúdos psicológicos, há uma idéia de que conhecimentos da área médica podem contribuir com o trabalho do professor, exatamente porque a visão que se tem da pessoa com necessidades educativas especiais é uma visão medicalizada (Jannuzzi, 1992), o que requer tratamento.

Tais conteúdos de ensino seriam extremamente úteis e sua contribuição não pode ser negada desde que pudesse contribuir no sentido de oferecer vias alternativas de trabalho, ou mesmo de propiciar a elaboração de programas de ensino e de intervenção pedagógica apropriados à um determinado alunado, tendo o cuidado de não desconsiderar as especificidades e as capacidades de cada pessoa.

Ao procurar identificar ou localizar a causa do despreparo do professor, atribui-se-lhe à falta de especialização ou de estudo, ou, ainda, à utilização de métodos antigos para o trabalho pedagógico, elementos que se vistos de forma descontextualizada podem dar a idéia falsa de que, com um pouco mais de estudo por parte do professor, com sua especialização ou mais um curso, o problema estaria sanado.

Algumas considerações sobre as possibilidades

Não desconsideramos as contribuições que a Psicologia possa oferecer ao trabalho pedagógico, no entanto, é sabido que essa área do conhecimento vem recebendo inúmeras críticas que poderiam ser atribuídas ao psicologismo que permeou durante muito tempo o cenário educacional e, que contribuiu para que as questões educacionais fossem vistas de um ângulo quase exclusivamente individual, como se os conhecimentos dessa área pudessem abarcar sozinhos e responder a todos os problemas pedagógicos - visão esta, sem dúvida alguma, reducionista. Além disso, os indivíduos são tratados abstratamente, através de uma visão dicotômica de indivíduo e sociedade, o que para Velho (1977) é um problema, pois,

ou se cria uma individualidade "pura", uma "essência" defrontando-se com o meio ambiente exterior, de outra qualidade, ou então um fato social "puro", também todo-poderoso, que paira sobre as pessoas. [...] ...a dicotomia Indivíduo x Sociedade e/ou Cultura é que determina esses caminhos. Não se trata de negar a especificidade de fenômenos psicológicos, sociais, biológicos ou culturais, mas sim reafirmar a importância de não perder de vista o seu caráter de inter-relacionamento complexo e permanente. (p.19)

Não obstante haja uma percepção, até mesmo coerente, das entrevistadas, de que algum conhecimento na área médica pode ser necessário ao trabalho do professor, precisamos ver com certa cautela quais aspectos desse conhecimento devem ser apropriados por parte de futuros professores. Isso porque tais conhecimentos, quando existem, têm sido úteis, na maior parte das vezes, para procedimentos de classificação de alunos e de legitimação do próprio fracasso escolar, através de uma (pseudo) "explicação científica" a respeito do porquê as crianças não aprendem. Neste sentido é que conhecer causas e tipos de deficiências, por exemplo, sem as devidas mediações, pode não ajudar muito o professor a superar as concepções e lacunas existentes em seu trabalho.

Com a mesma cautela poderíamos indagar: que importância pode ter o conhecimento sobre a família da criança, a não ser para, mais uma vez, legitimar as causas das dificuldades que ela possa apresentar? Pudemos observar que na concepção que impera sobre a deficiência ou mesmo sobre o fracasso, o único responsável pelo problema é o próprio indivíduo ou, em última hipótese, sua família.

Apesar de o MEC (1994) considerar que a grande falha nos cursos de formação se deva à "falta de disciplinas ou conteúdos específicos no currículo desses cursos" (p.33), o que acarreta, para o sistema educacional, a saída de professores sem preparo no atendimento ao alunado da Educação Especial, sabemos que, acrescentar ao curso disciplinas ou conteúdos pertinentes ao tema em questão não será suficiente para dar conta de melhorias na formação docente, já que os determinantes da situação tal qual ela se encontra estão além dessa medida - que não deixa de ser necessária, porém é insuficiente - pois requer mudanças em nível do sistema e que envolve fatores macrossociais e de políticas educacionais.

Não podemos negar que há necessidade de uma disposição interna por parte do professor em lidar com situações pedagógicas que muitas vezes, ou na maioria delas, são inéditas, únicas e singulares. Necessário também se faz que haja uma certa disposição para a incorporação de novos paradigmas, novas concepções sobre o ensinar e o aprender; concepções que rompam e substituam estruturas de pensamento já cristalizadas e responsáveis por um fazer condicionado e, portanto, irrefletido, que muitas vezes frustra aquele que o realiza. E nesse processo de rompimentos com velhas estruturas, há que se ter os "outros" mediadores das mudanças, que exatamente por serem processuais e determinadas histórica e socialmente, não ocorrem naturalmente, mas necessitam de intervenção social.

De um modo geral, o conjunto das análises sugere que não estão sendo viabilizadas condições de preparação do professor para os projetos oficiais voltados para os portadores de necessidades educativas especiais.

Embora para processar a inclusão seja necessário pensar em toda a estrutura educacional e em um contexto social muito mais amplo que envolve a escola, acreditamos que mudar os contextos formadores é fundamental e isso pode ser feito com posturas reflexivas, que podem por sua vez gerar ações diferenciadas ou práticas alternativas que incidam novamente sobre essas concepções, num movimento que é dialético e, por ser assim, não dissocia teorias e práticas.

Não desconsideramos todas as mazelas que vivemos no cenário educacional, contudo, acreditamos que possam ser construídos novos modos de olhar/entender o contexto da escola e olhando/entendendo de diferentes maneiras, possam ser construídas novas práticas, mudando então essa história de formação e consequentemente a história da inclusão.

Requer-se um trabalho coletivo para que a escola, enfim, assuma o seu papel de promover educação para todos, trabalho este que não se restringe unicamente aos professores das classes ou das escolas especiais, nem somente aos professores das classes regulares, nem apenas aos pais ou à comunidade; é um trabalho de todos e no qual se faz necessário lidar com as incertezas geradas, dúvidas, ambigüidades, medos, desejos e conflitos inter e intrapessoais dos envolvidos no processo. Por essa razão não se faz inclusão apenas com apelos da mídia ou então com leis ambíguas, ou, ainda, apenas com boa vontade individual. Também não se faz inclusão com a eliminação das instituições especializadas, sem qualquer consideração sobre os danos que isso possa causar.

Faz-se, portanto, necessário capacitar recursos humanos dentro de um referencial que possibilite a construção de novas concepções e posturas e novos tipos de relação com a questão inclusiva. É fundamental que se produzam novas mediações nos contextos de formação de professores alterando a forma de se atuar junto a esses futuros profissionais, oferecendo-lhes subsídios para um trabalho compromissado com a diversidade e com a promoção do desenvolvimento humano, e neste caso, a escola poderia estar em melhores condições de trabalhar com as necessidades e especificidades de cada grupo de pessoas.

Uma visão esperançosa demais? Acreditamos que não, mas apenas uma certa vontade de lutar contra tudo aquilo que nos faça desacreditar que a mudança é possível.


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POLÍTICAS DE INCLUSÃO E CULTURA EXCLUDENTE: PARADOXOS DO CURRÍCULO ESCOLAR - Anna Rosa Fontella Santiago1

Resumo

Este texto conduz uma reflexão sobre as condições de possibilidade de um currículo inclusivo no contexto em que se desenvolvem as políticas públicas de educação no Brasil, a partir da última década do século XX. Leva em consideração o conceito de inclusão internacionalmente definido, as teorizações sobre currículo e alguns princípios básicos da política neoliberal que vem marcando a globalização econômica e o discurso educacional no período em questão. Conclui inferindo algumas possibilidades de reestruturação curricular na perspectiva conceitual em que se propõe a educação inclusiva.

Palavras-chave: Inclusão; Igualdade; Diferença; Competência; Qualidade.

1 Doutora em Educação, Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI). Correio Eletrônico:
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Anna Rosa Fontella Santiago

Passados quase uma década de promulgação da LDB (Lei 9394/96) e da implantação de política de educação inclusiva no Brasil, é pertinente refletir sobre os efeitos de tais políticas no desenvolvimento curricular a partir da perspectiva conceitual em que elas têm sido formuladas e divulgadas. Ou seja, na dimensão do direito à cidadania e à participação social que pretendeu ampliar o entendimento de “educação especial” nas políticas educacionais adotadas desde a década de 1990. Instituições internacionais como a ONU (Organização das Nações Unidas), a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura) e o Banco Mundial foram protagonistas nessa “virada” conceitual que passou a discutir a inclusão escolar como um direito, que todos os cidadãos possuem, de acesso à educação escolarizada e a conceber a educação especial não mais como mero atendimento compensatório aos portadores de deficiência ou, ainda, como assistencialismo e segregação dos excepcionais e inadaptados, mas como obrigação do Estado e, em conseqüência, da escola pública de oferecer atendimento diferenciado a todos aqueles que, por motivos diversos, necessitem de programas ou interações pedagógicas especiais para o pleno desenvolvimento de suas possibilidades educativas. O Conceito de inclusão rompe, assim, as fronteiras da segregação dos “especiais” e os limites dos currículos fechados para abrir-se ao amplo respeito às diferenças: sociais, individuais, culturais, étnicas, religiosas etc.
Desse entendimento, associado às teorizações atuais sobre o currículo, resulta
a expectativa de que toda educação deve ser sempre especial e propiciar
interações que oportunizem o desenvolvimento individual e a integração social, obedecendo dois princípios básicos da cidadania: a igualdade de direitos e o respeito à diferença.

A partir de tais princípios, as políticas de orientação curricular levaram as instituições educativas, em especial as escolas de educação básica e os cursos de formação de professores, a reorganizarem seus currículos e desenvolverem ações de formação continuada dos docentes a fim de acolher as diferenças e garantir a qualidade do ensino. Todavia, o fantasma da exclusão não parece ter abandonado a escola. A crescente população de meninos e meninas de rua e os dados do analfabetismo funcional no Brasil2 nos instigam a refletir sobre o paradoxo da inclusão/exclusão a partir de um olhar sobre o currículo escolar e as condições de possibilidade de uma prática de igualdade/diferença, levando em consideração as desigualdades históricas da sociedade brasileira e as relações que definem a implementação das políticas públicas de educação em países que, como o Brasil, inserem-se perifericamente na economia globalizada. Para tanto, coloca-se em questão alguns princípios básicos que marcam o desenvolvimento neoliberal no período em questão e seus reflexos sobre as políticas de orientação curricular.

1. Qualidade e Competência: o desafio neoliberal na pragmática da
inclusão Indubitavelmente, a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em março de 1990, por convocação da UNESCO, foi um importante marco dos compromissos com a educação assumidos pelos países que se integravam ao projeto de globalização neoliberal.
Foi, também, a partir dos acordos ali firmados que um conceito pragmático de qualidade de ensino, inspirado nas orientações do Banco Mundial, passou a vigorar nas propostas oficiais de reorganização curricular, articulando o sentido ético e humanístico da “educação para todos” à racionalidade instrumental que há muito vem rondando as reformas educacionais brasileiras no intuito de agregar a população como força produtiva e suplantar, definitivamente, a tradição humanista e propedêutica do ensino.

A dependência de recursos externos para o financiamento da educação impôs, na assinatura dos acordos internacionais, as reformas que marcaram a educação básica brasileira a partir do Plano Decenal de Educação de 1994, cujas metas, nos termos da Declaração de Jomtien, seriam as seguintes:

a) universalizar o acesso – garantindo sua expansão para além da faixa de
obrigatoriedade e aos grupos tradicionalmente excluídos como os pobres, as minorias étnicas e as mulheres; b) promover a eqüidade – considerada como uma decorrência da melhoria da qualidade do ensino; c) priorizar a qualidade – entendida como garantia de aprendizagem efetiva; d) ampliar os meios e raio de ação da educação básica – incluindo a esfera familiar, os diversos sistemas e todos os instrumentos e canais de comunicação disponíveis; e) fortalecer alianças - envolvendo todos os setores da sociedade bem como organizações que possam “contribuir significativamente para o planejamento, implementação, administração e avaliação dos programas de educação básica” (Declaração Mundial sobre Educação para Todos – Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem – Art. 2.º ao 7.º).

Em conseqüência, as reformas educacionais e as políticas públicas de educação, que no Brasil estiveram, tradicionalmente, centradas na expansão da escolaridade, passam a preocupar-se, a partir de então, com orientações curriculares voltadas especialmente para a educação básica e a formação de professores. Buscando dar conta das questões históricas da exclusão escolar e do inadequado tratamento pedagógico da educação brasileira, a legislação e as políticas públicas contemplam o fortalecimento da educação básica e a preocupação com a universalização desse nível de ensino, incorporando o entendimento de que o acesso e a qualidade do ensino são condições essenciais para a superação das desigualdades sociais. Ao mesmo tempo, esse entendimento estabelece uma estreita relação entre qualidade e aprendizagem útil. De acordo com a Declaração,(DECLARAÇÃO MUNDIAL SOBRE EDUCAÇÃO PARA TODOS – Art. 4.º).

A tradução das oportunidades ampliadas de educação em desenvolvimento efetivo – para o indivíduo ou para a sociedade – dependerá, em última instância, de, em razão dessas mesmas oportunidades, as pessoas aprenderem de fato, ou seja, aprenderem conhecimentos úteis, habilidades de raciocínio, aptidões e valores. Em conseqüência, a educação básica deve estar centrada na aquisição e nos resultados efetivos da aprendizagem e não mais exclusivamente na matrícula, freqüência aos programas estabelecidos e preenchimento de requisitos para obtenção de diplomas


Assim, as políticas educacionais da última década, embora tencionadas pelos embates teóricos que colocavam a questão da qualidade em educação em duas esferas opostas - uma visão economicista e pragmática ligada ao projeto neoliberal de qualidade total e outra humanista e sociológica que se propõe contemplar a subjetividade e a cultura – assumem um posicionamento conceitual, na orientação curricular, que procura imprimir um caráter de consensualidade teórica em propostas como a dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), por exemplo, que pretendeu ser uma ampla política, incidindo sobre a reorientação dos currículos, a formação de professores e a elaboração de materiais didáticos, preservando-se, porém, como uma orientação flexível, de caráter não obrigatório. Todavia, o controle sobre a qualidade do ensino seria exercida pela avaliação nacional, garantindo, subliminarmente, a perspectiva teórico-pedagógica anunciada pelos PCNs.
Há que considerar, também, que tais políticas emergem num período em que, paralelamente aos processos de globalização econômica e expansão de novas tecnologias, o Brasil vive a euforia da redemocratização e a perspectiva de construção de um projeto de desenvolvimento econômico e social capaz de colocar o País em condições de competitividade no mercado mundial.

Nessa perspectiva, a educação assume uma responsabilidade ampliada, na promoção da inclusão social. De um lado o compromisso histórico com os excluídos, de outra parte o dever de assegurar não apenas o acesso de todos à escola, mas também o domínio de conhecimentos adequados para sustentar a expansão da produção e as forças de mercado, num contexto de crescente ampliação das tecnologias associadas a todos os setores da vida social. É por essa via que o conceito de qualidade em educação assume, também, um caráter de competitividade engendrado por dentro do discurso democrático, traduzido no conceito de competência, que passa a substituir o enfoque, antes aferido à formação técnica. Isso porque os conhecimentos considerados “básicos” para a integração no mundo do trabalho e para o exercício da cidadania permanecem como principal fator de mobilidade social numa estrutura produtiva, agora, dominada por tecnologias cada vez mais complexas que ampliam, ao mesmo tempo, o desemprego, a exclusão e o estímulo ao consumo, provocando tensão e conflito social. As políticas públicas propõem-se, assim, o desafio de

Vir a propor uma prática educativa adequada às necessidades sociais, políticas, econômicas e culturais da realidade brasileira, que garanta as aprendizagens essenciais para a formação de cidadãos autônomos, críticos e participativos, capazes de atuar com competência (grifo meu), dignidade e responsabilidade na sociedade em que vivem (PCN, 1997, v. 1, p. 33).

O discurso da competência passa a veicular nas orientações curriculares para a educação básica e nas diretrizes dos cursos de formação de professores3 numa perspectiva conceitual que vincula as questões sociais e o exercício profissional na estreita relação entre teoria e prática. Nos termos das diretrizes do MEC, a concepção de competência é nuclear nos cursos de formação de professores

As competências tratam sempre de alguma forma de atuação, só existem “em situação” e, portanto, não podem ser apreendidas apenas pela comunicação de idéias. Para constituí-las, as ações mentais não são suficientes – ainda que sejam essenciais. Não basta a um profissional ter conhecimento sobre seu trabalho; é fundamental que saiba fazê-lo (MEC, 2000, p. 33).

Essa visão pragmática, ainda que legítima e, talvez, adequada às necessidades
do novo contexto social, político e econômico brasileiro incorpora- se à racionalidade instrumental e tecnicista que orientou as reformas da década de 1970 e, no âmbito da exclusão social e do desemprego crescente, (Ver a esse respeito: Res. N.º 03/2002 CNE Ministério da Educação. Proposta de Diretrizes para a Formação inicial de Formação de Professores de Educação Básica, em Cursos de Nível Superior, 2000.), faz do respeito às diferenças um instrumento que, paradoxalmente, tece no interior do discurso democrático da inclusão escolar os caminhos da exclusão social.

A reivindicação de uma competência segundo a qual um profissional deve possuir, além de uma sólida formação geral, os conhecimentos específicos de sua área e “compreensão das questões envolvidas em seu trabalho, sua identificação e resolução, autonomia para tomar decisões, responsabilidade pelas ações feitas”. (idem.), mantém um considerável número de pessoas escolarizadas e, mesmo formadas em curso superior, fora do mercado de trabalho. O desafio da qualidade traduzida em um amplo leque de competências fragiliza, assim, as condições de possibilidade de inclusão escolar nos termos definidos pelas políticas públicas, pois caberia à escola prever uma reestruturação curricular capaz de atender a ambígua reivindicação de, a um só tempo: garantir conhecimentos básicos para integração dos cidadãos na “sociedade do conhecimento”, pelo domínio de tecnologias e conhecimentos teórico-práticos em permanente dinâmica de expansão e reconstrução; respeitar, no desenvolvimento curricular, as diversidades (sociais, culturais e regionais) que se expressam em diferentes saberes, valores éticos, padrões estéticos, crenças religiosas e tradições culturais, tão presentes na sociedade brasileira.

É no âmbito dessas discussões sobre o caráter que deve assumir um currículo inclusivo que se abandona a pretensão de igualdade para, em conivência com as práticas neoliberais, forjar-se o conceito de eqüidade, associado à proposta de currículo único e conhecimentos mínimos.

2. Eqüidade e Inclusão: o fim da utopia de igualdade Nas últimas décadas, à medida que avançavam os processos de globalização, consolidando as políticas neoliberais, foram se desvanecendo as utopias de igualdade anunciadas pelo liberalismo clássico como possibilidades individuais e sociais. Nas relações internacionais, o conceito de dependência, antes situado no âmbito das relações de poder e visto como pressão hegemônica exercida pelos países economicamente mais fortes sobre as nações endividadas e culturalmente dependentes, foi cedendo lugar a uma visão sistêmica ligada à economia globalizada, “segundo a qual todos os países devem funcionar de acordo com as diretrizes internacionais para não perturbar o equilíbrio do sistema” (FONSECA, 1999, p. 68).

Associada à conscientização sobre os problemas ambientais, que também eclodiram nesse período, essa nova concepção de relações econômicas e políticas exclui a possibilidade de os países “emergentes” integrarem-se em condições de igualdade ao bloco dos países desenvolvidos, uma vez que à dependência econômica soma-se, agora, o limite na exploração de seus recursos naturais para não comprometer o equilíbrio ecológico. Segundo Fonseca (1999), é nessa fase que a intervenção do Banco Mundial nos países em desenvolvimento provoca um deslocamento conceitual, substituindo a noção de igualdade, antes recorrente nos documentos e discursos do Banco, pelo termo eqüidade. Segundo a autora:

(...) no começo dos anos 50, quando o Banco passou a financiar o chamado terceiro mundo, promovia-se o crescimento dos países balizados por uma noção de progresso concebida linearmente, como se este fosse acessível a todos os países igualmente, desde que tivessem vontade política de desenvolver-se e desde que os países centrais os ajudassem, tecnológica e financeiramente. Essa noção foi-se modificando até que, no final dos anos 70, a noção de progresso contínuo e linear deu lugar à noção de sustentabilidade, que pressupunha maior parcimônia na utilização de recursos naturais e a necessidade de delimitar o crescimento das diferentes nações (FONSECA, 1999, p. 69).

Nessa circunstância, é compreensível por que o discurso sobre igualdade foi, também, substituído pela noção de eqüidade nas políticas públicas de educação. Diferente do compromisso com a igualdade, a eqüidade reconhece os direitos particulares e individuais, sem, contudo, responsabilizar-se frente às condições externas que determinam as desigualdades. Admitir o direito à igualdade significa reconhecer como legítimo o acesso de todos aos bens sociais, o que implicaria em afastar as barreiras que impedem os indivíduos e as nações de participarem dos benefícios gerados pelo progresso que, de acordo com a visão sistêmica, todos produziram. A eqüidade é menos comprometedora, pois, segundo Fonseca (1999), “fundamenta-se numa justiça mais espontânea”, centrada na ação individual, no reconhecimento de direitos conquistados e na distribuição dos benefícios sociais numa perspectiva de equilíbrio de modo que não interfira no funcionamento sistêmico do desenvolvimento.

Esta é a concepção que perpassa os PCNs e, em conseqüência, as políticas educacionais da última década, quando se propõe “uma prática educativa adequada às necessidades sociais, políticas, econômicas e culturais da realidade brasileira” e estabelece como critério de qualidade o princípio da eqüidade (PCN, 1997, v. 1, p. 33).

Na medida em que o princípio da eqüidade (grifo meu) reconhece a diferença e a necessidade de haver condições diferenciadas para o processo educacional, tendo em vista a garantia de uma educação de qualidade para todos, o que se apresenta é a necessidade de um referencial comum para a formação escolar no Brasil, capaz de indicar aquilo que deve ser garantido a todos, numa realidade com características tão diferenciadas sem promover uma uniformização que descaracterize e desvalorize peculiaridades culturais e regionais (PCN, 1997, v. 1, p. 36).

Ao reconhecer a desigualdade de condições, um referencial curricular comum, fundamentado no princípio da eqüidade, expõe-se ao risco do “nivelamento por baixo”, ou à redução das políticas de inclusão à mera tolerância e acolhimento dos “diferentes” na escola. Este parece ter sido o efeito de tais políticas, a julgar pelos índices de analfabetismo funcional antes citado. Em outra perspectiva, o princípio da eqüidade deveria ter orientado o planejamento educacional e a distribuição de recursos e insumos de forma a proporcionar condições de permanência e aprendizagem de todos no sistema escolar, considerando as desigualdades sociais.
Assim, para além do mero reconhecimento das diferenças na orientação curricular e das políticas compensatórias como garantia da obrigatoriedade escolar, uma política que pretenda buscar a equalização como base para a qualidade do ensino teria de pautar o financiamento da educação em critérios que favoreçam o incremento da qualidade pretendida nas comunidades mais carentes (zona rural e periferias urbanas) e não apenas no número de alunos matriculados em cada sistema de ensino, como o fez o FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental). O FUNDEF, em que pese o seu mérito de adição de recursos nas escolas e na formação de professores, não contemplou a educação básica como um todo, deixando de fora a educação infantil e o ensino médio. Também não considerou critérios de discriminação positiva para garantir e eqüidade com qualidade, tais como as desigualdades socioeconômicas reais existentes em regiões ou escolas de população educacional semelhante. De outra parte, a necessidade de financiamento externo para a educação tem atrelado a questão da qualidade à visão utilitarista dos órgãos financiadores. Assim, a qualidade é definida pelos critérios de eficiências e produtividade associados a padrões de rendimento escolar medido por meio de um sistema oficial de avaliação, nem sempre coerente com os princípios de inclusão, que se fundamentam na flexibilidade dos currículos.

Este é, portanto, mais um paradoxo das políticas de inclusão no currículo escolar: a qualidade educacional avaliada a partir de padrões de rendimento escolar eqüitativo e uniforme, no âmbito de um discurso de flexibilização e atendimento às diferenças.
Na contramão dessas políticas, as discussões acadêmicas têm situado a qualidade da educação e a questão da inclusão no campo das relações ético políticas e humanistas, reivindicando um currículo suficientemente flexível e autônomo para contemplar, nas práticas pedagógicas, a pluralidade étnica, a situação de classe, as diversidades regionais e, em conseqüência, os diferentes saberes que interagem nas relações escolares. Argumenta-se em favor de um currículo que possa abrir espaços de valorização igualitária a conhecimentos, valores éticos (Ver a esse respeito a Lei n.º 9.424 de 24 de dezembro de 1996), expressões estéticas, crenças e formas de organização social próprias dos diferentes grupos que constituem a nação brasileira, tais como as populações indígenas, as comunidades quilombolas, os habitantes das favelas, as crianças que vivem nas ruas, os descendentes de imigrantes, os trabalhadores rurais e tantos outros excluídos, cuja cultura e saberes têm sido silenciados.

3. Os desafios de um currículo inclusivo tencionado pelas ambigüidades Certamente, o impacto da mudança no conceito de educação especial e as políticas de inclusão escolar atingem o fundamento normativo do currículo que, tradicionalmente, vem sendo desenvolvido na educação básica brasileira e coloca a escola e os sistemas educacionais ante o desafio crucial de superar os problemas de aprendizagem e a conseqüente exclusão social de um número significativo de pessoas que passam pela escola e dela saem sem ter se apropriado nem mesmo das técnicas de leitura e escrita e dos conhecimentos considerados básicos para serem considerados “letrados”.

Nessa perspectiva, a “eqüidade”, proposta pelas políticas públicas, e a inclusão de “todos” no ensino regular requerem mais do que a mera obrigatoriedade de acolher, na escola, as diferenças sociais e individuais. Exigem atendimento especializado, interações multidisciplinares e uma proposta pedagógica cuja organização e dinâmica curricular possibilite a integração efetiva, com a conseqüente aprendizagem e desenvolvimento de habilidades sociais e subjetivas, sem discriminação dos considerados menos, ou mais, favorecidos. Isso significa que não basta dar oportunidade de matrícula a todos pela força da lei. É preciso criar condições concretas para a aprendizagem na valorização e respeito às diferenças, o que implica em ações pedagógicas integradas entre professores e especialistas de outras áreas. Todavia, embora os movimentos de reconceptualização das teorias curriculares tenham se fortalecido nos últimos vinte anos, ainda permanecem, dificultando o desenvolvimento de currículos inclusivos, a cultura excludente da educação brasileira e a tradição conservadora em relação ao conhecimento escolar. Isto faz com que, apesar da autonomia conquistada pela escola na construção de seu projeto político-pedagógico, ainda persistam resistências às inovações e incompreensões acerca do caráter político e excludente dos currículos em desenvolvimento.

Daí por que a primeira tarefa da escola, no planejamento de uma educação inclusiva, é situar-se no entendimento de que a estrutura e a dinâmica curricular que conformam sua proposta pedagógica são “invenções sociais” legitimadas pelas relações de poder (econômico, político e cultural) de um dado momento histórico (SILVA, 1999). Portanto, não são estruturas definitivas e imutáveis, mas sim organizações contingentes e provisórias que estão a exigir, no contexto atual da sociedade brasileira e ante as propostas de educação inclusiva, uma radical revisão e redirecionamento. Isso significa que as instituições precisam rever suas propostas políticopedagógicas e ponderar a crítica curricular contemporânea entendendo, como Paulo Freire, que
o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição - um conjunto de informes a ser depositado nos educandos, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles elementos que este lhe entregou de forma inestruturada (FREIRE, 1985, p.98).

No entanto, para que esta utopia da educação libertadora seja possível, é necessário superar o entendimento de currículo como uma estrutura fixa e objetiva em que os conteúdos considerados “universais” são impostos pelas matérias ou disciplinas fragmentadas, com autoridade e legitimidade na veiculação de conhecimentos “organizados em ‘zonas’ que correspondem a tipos diferentes de objetos que teriam existência independente dos indivíduos cognoscentes” (SILVA, 1999, p. 68). Uma proposta pedagógica que contemple os sujeitos em suas diferenças precisa inverter a lógica do planejamento curricular, tradicionalmente centrada na estrutura normativa e nos conteúdos informativos, e assumir como princípio a dinâmica do processo de significação do mundo pelos sujeitos aprendizes, pois a inclusão, nos termos em que vem sendo definida teoricamente, requer a ousadia de propostas coerentes com as condições e possibilidades reais de aprendizagem e ensino em cada escola. Um currículo inclusivo supõe, também, que no reconhecimento da multiculturalidade e das diferenças não sejam minimizadas as questões pedagógicas relativas à seleção e organização das informações mediadoras na construção do conhecimento, nem tampouco as metodologias e as formas de avaliação mais adequadas à cultura dos sujeitos escolarizados. Há que considerar, ainda, a atualidade dessas escolhas nas determinações da sociedade atual, crescentemente dominada pela tecnologia e pela comunicação. É preciso, como propõem Giroux e MacLarem (1995), reconhecer que habitamos uma cultura fotocêntrica, auditiva e televisual na qual a proliferação de imagens e sons eletronicamente produzidos serve como uma forma de catecismo da mídia, uma pedagogia perpétua, através da qual os indivíduos ritualmente codificam e avaliam os envolvimentos que fazem nos vários contextos discursivos da vida cotidiana (GIROUX; MCLAREM. In. SILVA, 1995, p. 144).

Reconhecendo que estes contextos produzem não apenas conhecimentos, mas também subjetividades, um currículo inclusivo deve levar em conta as novas relações com o saber impostas pelas tecnologias da comunicação, mesmo que a
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escola esteja, ainda, distante dos recursos modernos da “sociedade em rede” por
Castells (1999) ou da “cibercultura” por Lèvy (1999), pois é impossível ignorar que, no novo paradigma que se instala na sociedade informatizada, também se ampliam os conceitos de alfabetização e letramento, exigindo desenhos curriculares flexíveis, que atendam a perfis de competências singulares e que, por isso mesmo, não podem ser planejados externamente em esquemas fechados de programas válidos para todos. Pode-se assim concluir que, apesar da ressignificação conceitual apontada pelas políticas públicas e da boa vontade das escolas na reconstrução curricular, muitos entraves necessitam, ainda, ser superados para a implementação de uma inclusão efetiva na escola e na sociedade a partir dos efeitos da escolarização. O primeiro deles diz respeito à concepção objetivista de currículo, herdeira do paradigma instrumental da modernidade e por isso mesmo fundamentada nos binarismos que definem o certo e o errado; o capaz e o incapaz; o saber e o não saber... tecendo as teias da exclusão na determinação dos territórios de legitimidade sobre o “bom” e o “mau” aluno, sobre aprendizagens “bem-sucedidas” e “malsucedidas”, sobre crianças “normais” e “deficientes”.

De acordo com Popkewitz (2001), nessa perspectiva, “a pedagogia funciona como ‘mapas’ em cujos princípios de conhecimento circulam normas sobre a criança ‘saudável’ que, por exemplo, tem capacidade para resolver problemas e tem auto-estima elevada”. Esses mapas discursivos, não são apenas de critivos, são, também, normativos na medida em que incorporam distinções e divisões que enquadram não somente os sujeitos considerados incapazes de aprender e desempenhar funções sociais, mas também aqueles que representam risco às normas estabelecidas, os evadidos, os delinqüentes. A estes últimos têm sido dedicados programas especiais com apoio de instituições de assistência social e ONGs. Todavia, pelo que se tem constado em pesquisas recentes, mesmo as
escolas que se propõem a desenvolver projetos alternativos para acolher menores evadidos e com recomendação judicial, não têm conseguido ultrapassar as fronteiras do assistencialismo e a visão tradicional de currículo informativo e disciplinador.

Em relação à escolarização de crianças consideradas com distúrbios graves,
um encontro com a psicanálise, nas reflexões sobre a inclusão, poderá ajudar
a superar o fundamento epistemológico que tradicionalmente conduziu às práticas
pedagógicas, ou seja, a visão de um sujeito radicalmente dividido entre o “emocional” e o “cognitivo”. Segundo Kupfer (2000, p. 36), “ao debruçar-se sobre
o ato de educar, a psicanálise, munida de suas lentes, verá uma outra criança,
diferente daquela que a modernidade se habituou a ver com as lentes imaginárias
ou ideológicas que nos foram colocadas no rosto por injunções sócio-políticas”.
Este novo olhar, que se volta para o sujeito e não mais para o sintoma que ele apresenta; que percebe as “diferenças” definidas a partir do padrão escolar como engendramentos históricos e não mais como “naturais”, revoluciona a pedagogia e o currículo escolar, abrindo espaço de interlocução entre os diferentes profissionais que atuam no processo educativo na busca de uma inclusão efetiva, na escola e na sociedade. Por fim, é possível inferir que a educação inclusiva não é tarefa apenas
da escola e dos professores, nem, tampouco, se faz pela mera formulação de políticas assistencialistas, mas se consolida no compromisso político assumido por todas as instâncias da sociedade.

Referências

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2003. Brasília, DF: MEC, 1993.
______ Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, DF:
Secretaria de Educação Fundamental (SEF), 1997. v. 10.
CARVALHO, Rosita E. Temas em educação especial. Rio de Janeiro, RJ: WVA, 1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 14. ed. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1983.
FONSECA, Marílis. O Banco Mundial e a educação a distância. In: LEMOS et al. (Org.).
Globalização & educação. Ijuí: UNIJUI. 1999.
KUPFER, Maria Cristina. Educação para o futuro: psicanálise e educação. São Paulo, SP: Escuta, 2000.
LÈVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo, SP: 34, 1999.
POPKEWITZ, Thomaz. Lutando em defesa da alma. POA: ArtMed, 2001.
SANTOS, Mônica P. Revisitando a inclusão sob a ótica da globalização: duas leituras e várias conseqüências. In SILVA L. H (Org.). A Escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
______; OLIVEIRA, Renato J. Além da visão liberal de tolerância: um passo na
construção de uma ética que inclua o portador de deficiências e demais excluídos
na escola e na sociedade. Contexto e Educação, Ijuí, v. 14, n. 56, p. 7-23, out./dez.
1999.
SILVA, Luiz Heron (Org.). Século XXI: Qual conhecimento? Qual currículo?.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas
políticos e culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
______. O Currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. Belo
Horizonte: Autêntica, 1999.


IDENTIDADE DOS ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NO CONTEXTO DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA
Prof. Dr. Marcos J. S. Mazzotta
Resumo
Analisando a linguagem política referente aos alunos com necessidades educacionais especiais, à inclusão e à integração escolar, o autor pode constatar a ambigüidade do tratamento de tais termos e expressões, no conjunto de instrumentos legais e normativos da educação brasileira nos últimos quatorze anos. Destacando conteúdos do Plano Nacional de Educação e das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, aponta algumas das dificuldades para a compreensão da identidade dos alunos referidos como tendo necessidades educacionais especiais. Apresenta, também, algumas recomendações para a revisão da política educacional em relação a tais elementos.
Palavras-chave: inclusão escolar, educação especial, política educacional.
A complexidade que envolve a questão da identidade pessoal, da identidade social e mesmo das identidades nacionais deve-se, em grande parte, à dualidade determinada pela presença ou ausência de participação ativa, dignidade e respeito. Em outras palavras, deve-se às situações de inclusão e exclusão ou marginalização do ser humano enquanto ser que pensa e age.
No mundo ocidental, as últimas décadas do século XX, configuram-se como destacado momento da globalização da economia, de valores e culturas, bem como momento de fortalecimento dos movimentos sociais organizados em defesa da inclusão e eliminação das situações de exclusão.
Iniciamos o novo milênio imbuídos da crença na importância da preservação e alargamento dos espaços conquistados na luta pela melhoria da qualidade de vida de cada um e de todos os homens, pautando-nos mais pelo desejável do que pelo que nos apresenta como possível . Nesse sentido, é oportuno lembrar o que dizem autores como Giddens para quem,
os processos atuantes em escala global atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado. A globalização implica um movimento de distanciamento da idéia sociológica clássica da ‘sociedade’ como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço (Giddens, 1990, p.64, apud HALL, 1997, p.72).

Particularmente no que se refere às identidades culturais, Hall (1997), comenta que
as identificações “globais”, uma vez colocadas acima do nível da cultura nacional, começam a deslocar e, algumas vezes, a apagar, as identidades nacionais. As identidades nacionais permanecem fortes, especialmente com respeito a coisas como direitos legais e de cidadania, mas as identidades locais, regionais e comunitárias têm se tornado mais importantes.(HALL, 1997, p.78)

Da mesma maneira, a busca fundamental do homem pela liberdade, no plano individual, e pela igualdade de direitos e de oportunidades, no espaço social, fortalece a construção de sua identidade pessoal e social. A importância, pois, das comunidades locais e regionais não pode ser ignorada ou diminuída na elaboração, discussão e entendimento das políticas sociais públicas.
Partindo desses pressupostos é que registramos nossa leitura crítica da política educacional brasileira, tomando como referência os principais documentos legais e normativos oficiais a partir da Constituição Federal de 1988. Assim, foram analisados os seguintes documentos: Lei Federal no. 7853/89 (dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), Lei no. 9394/96 (institui a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), Decreto Federal no. 3298/99 (Regulamenta a Lei 7853/89 e Institui a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), Lei no. 10.172, de 09 de janeiro de 2001(aprova o Plano Nacional de Educação), Resolução CNE no. 02, de 11 de setembro de 2001 (institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica).
Nessa tentativa de síntese, focalizaremos a linguagem política relativa aos educandos com necessidades educacionais especiais, a integração e a inclusão escolar, detalhando alguns pontos do Plano Nacional de Educação e da Resolução CNE no. 02/2001.
Cabe destacar, de início, que a política educacional é somente uma das áreas das políticas sociais construídas segundo o princípio da igualdade de todos perante a lei. Assim, ainda que diferencialmente, abrange igualmente as pessoas de todas as classes sociais. Tem também como pilar outro princípio da democracia social que é a igualdade de oportunidades, cuja concretização demanda referência a situações específicas e historicamente determinadas.

PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
Nas diretrizes para o ensino fundamental, o plano define prazo de cinco anos para sua universalização, considerando a indissociabilidade entre acesso, permanência e qualidade da educação escolar.
Entre os objetivos e metas consta a observância das metas estabelecidas pela educação especial, nos termos em que aparecem no capítulo a ela destinado. Estabelece o prazo de um ano para “elaborar padrões mínimos nacionais de infra-estrutura, incluindo adaptação dos edifícios escolares para o atendimento dos alunos ´portadores de necessidades especiais`” (MONTE; SIQUEIRA; MIRANDA, 2001, p.88).
Com relação à Educação Especial reitera que “a diretriz atual é a da plena integração das pessoas com necessidades especiais em todas as áreas da sociedade. Trata-se, portanto, de duas questões: o direito à educação comum a todas as pessoas e o direito de receber essa educação sempre que possível junto com as demais pessoas nas escolas ‘regulares” (Ibid., p.119). Assim, refere-se à integração e não à inclusão, bem como à educação comum e escolas regulares e não à educação e escolas inclusivas.
Referindo-se às pessoas com necessidades especiais, esclarece que tais necessidades “podem ser de várias ordens: visuais, auditivas, físicas, mentais, múltiplas, distúrbios de conduta e também superdotação ou altas habilidades”. Aqui ficam expressas condições individuais como necessidades especiais. Além disso, utiliza indiferenciadamente estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), como “em torno de 10% da população com necessidades especiais”, e dados estatísticos de matrículas de alunos com tal classificação recebendo atendimento na Educação Básica, em 1998, conforme informações do MEC/INEP . Denomina, também, tais alunos como “alunos especiais”. Tais afirmações revelam confusão entre alunos identificados ou rotulados como especiais em atendimentos especializados e alunos com deficiência, superdotação, etc. que estejam incluídos.

Diretrizes
Nas diretrizes menciona uma escola integradora, inclusiva, que implica a participação da comunidade. Destaca que “a política de inclusão reorienta as escolas especiais para prestarem apoio aos programas de integração e registra como medida importante a garantia de vagas no ensino regular para os diversos graus e tipos de deficiências”.(Ibid., p.122). Portanto, identifica escola integradora com escola inclusiva e a política de inclusão objetiva, também, a integração de alunos com quaisquer deficiências.
Entre suas metas salientamos: -em até quatro anos, implantar ao menos um centro especializado, destinado a pessoas com severa dificuldade de desenvolvimento, em parceria com as áreas de saúde, assistência social, trabalho e organizações da sociedade civil;em cinco anos, garantir a generalização da aplicação de testes de acuidade visual e auditiva em todas escolas de educação infantil e ensino fundamental, em parceria com a área de saúde; em cinco anos, implantar e em dez generalizar o ensino de LIBRAS. Como tendências recentes dos sistemas de ensino são apontadas: integração/inclusão, quando possível; ampliação do regulamento das escolas especiais para prestarem apoio e orientação aos programas de integração, além do específico; melhoria da qualificação dos professores do ensino fundamental; expansão dos cursos de formação/especialização.

DIRETRIZES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO ESPECIAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Da Resolução CNE No. 02, de 11 de setembro de 2001, destacamos os seguintes itens:
1. Define os educandos com necessidades educacionais especiais como sendo os que apresentam: “dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares”; vinculadas a uma causa orgânica específica ou relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências; “dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis”; “altas habilidades / superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes”.

Estabelece que a identificação das necessidades educacionais especiais dos alunos deve ser realizada pela escola, com assessoramento técnico, mediante sua avaliação no processo de ensino e aprendizagem.
2. Reitera que o atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais deve ocorrer em classes comuns, indicando que as escolas comuns devem garantir:

professores comuns capacitados e professores de educação especial especializados; flexibilizações e adaptações curriculares; serviços de apoio especializado realizado nas classes comuns (“mediante: colaboração de professor especializado em educação especial, atuação de professores-intérpretes das linguagens e códigos aplicáveis e atuação de outros apoios necessários à aprendizagem, à locomoção e à comunicação”); extraordinariamente, classes especiais em caráter transitório, além de condições para reflexão e elaboração teórica da educação inclusiva.

Estabelece, ainda, que o atendimento pode se dar, extraordinariamente, em escolas especiais públicas e privadas, em classes hospitalares e no domicílio.

Refere-se à responsabilidade dos sistemas públicos de ensino pela “garantia do atendimento às necessidades educacionais especiais de seus alunos, observados os princípios da educação inclusiva”.

ANÁLISE CRÍTICA
Sintetizando a análise das políticas públicas de educação escolar, detivemo-nos em alguns dos pontos que nos pareceram merecedores de atenção quando de sua operacionalização e revisão:
1. Há uma oscilação entre a adoção dos modelos médico e social na declaração de princípios e nos programas e propostas de ação.
2. O sentido empregado para a expressão educandos com necessidades educacionais especiais localiza no aluno a origem das necessidades e não esclarece a sua relação com o meio escolar. Tanto é assim que em diversos textos legais e normativos há a expressão “portadores de necessidades especiais” (como LDB, PNE, RES./CNE); ora refere-se a condições individuais, ora ambientais.

É fundamental que se entenda que as necessidades especiais não decorrem linearmente das condições individuais, tomadas isoladamente, mas apresentam-se concreta e objetivamente na relação entre a pessoa e as situações de vida. Portanto, evidencia um grande equívoco a expressão “Portador de Necessidades Especiais”.

Ainda a esse respeito, parece-nos relevante destacar que
“alunos e escolas são assim identificados por seus papéis sociais e não, propriamente, por sua configuração individual separada ou isolada de uma contextualização social e cultural. Enquanto papéis sociais e atores culturais, em suas relações recíprocas surgem necessidades e respostas condicionadas pelo contorno dinâmico e atuante de seu meio ambiente. Esta faceta, que parece óbvia, tem sido reiteradamente ignorada nas discussões e encaminhamentos desse tema, particularmente no que se refere a educandos portadores de deficiências e que apresentem necessidades especiais.
Alunos e escolas são adjetivados de comuns ou especiais e em referência a uns e outras são definidas necessidades comuns ou especiais a partir de critérios arbitrariamente construídos por abstração, atendendo, muitas vezes, a deleites pessoais de “experts” ou até mesmo de espertos. Alertemo-nos, também, para os grandes equívocos que cometemos quando generalizamos nosso entendimento sobre uma situação particular”.(MAZZOTTA, 2002, p.31).
3. Imprecisão conceitual sobre INTEGRAÇÃO e INCLUSÃO, ora empregadas com o mesmo significado, ora colocadas em oposição ou superação da integração pela inclusão. Dentre outras conseqüências, tal indefinição contribui para uma cisão entre “defensores” da integração e da inclusão, como se o próprio sentido de educação já não fosse a busca de integração ou inclusão social. Mais ainda, pois, como salienta Glat (1997), a integração não pode ser vista simplesmente como um problema de políticas educacionais ou de modificações pedagógico-curriculares na Educação Especial. Integração é um processo subjetivo e inter-relacional(GLAT, 1997,p. 199).
4. Imprecisão no sentido e abrangência da EDUCAÇÃO ESPECIAL e da EDUCAÇÃO INCLUSIVA, ora colocadas numa relação de oposição, ora de superação ou incorporação, tanto nos textos legais e normativos quanto nos discursos de multiplicadores dessas idéias; com a conseqüente desqualificação da educação especial e dos profissionais que nela atuam, como se fossem artífices de uma perversidade social e cultural. Tais circunstâncias contribuem para a evasão dos profissionais especializados, desestímulo à formação de novos professores especializados e desativação e extinção de cursos superiores de habilitação específica ou especialização. Além disso, o que é pior, estabelece-se uma polarização na educação escolar entre classe comum e escola especial, provocando exclusão de numerosos contingentes de alunos do sistema escolar.
5. Quanto à qualificação dos professores, estabelece como requisito uma “formação em educação especial ou em suas áreas específicas”, sem a devida fundamentação.

RECOMENDAÇÕES PARA UMA REVISÃO OU OPERACIONALIZAÇÃO:
• Procurar uma uniformização terminológica nos diversos setores das políticas públicas para as pessoas com deficiências, com condutas típicas e pessoas com altas habilidades ou superdotação.Ou para os educandos com dificuldades acentuadas de aprendizagem, dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos ou com altas habilidades/superdotação.
• Evitar flutuações excessivas e descontinuidade dos programas e propostas, pois até que a população alvo possa ser informada as regras já terão mudado, ou seja, serão outras.
• Definir com precisão e objetividade a população a ser atendida, bem como de que forma proceder e a quem procurar quando necessário.
• Priorizar a informação sobre serviços públicos governamentais e privados existentes, e também como proceder para deles usufruir.
• Zelar pela coerência entre os princípios esposados e as propostas e programas em ação, consolidando uma política pública de educação.
• Cabe salientar que, a despeito das diferentes e às vezes conflitantes abordagens para a implementação de uma educação escolar inclusiva, a promulgação da recente legislação consiste importantíssimo avanço ao apoiar publicamente a inclusão escolar de todas as crianças e jovens. E, como bem diz Mantoan (1997,p.120), “a inclusão é um motivo para que a escola se modernize e os professores aperfeiçoem suas práticas e, assim sendo, a inclusão escolar de pessoas deficientes torna-se uma conseqüência natural de todo um esforço de atualização e de reestruturação das condições atuais do ensino básico”.
• Em razão disso, é preciso que estejamos cientes de que
“multiplicar informações e conhecimentos não será suficiente enquanto as práticas profissionais e as políticas públicas continuarem alheias a considerações éticas, de justiça e de eqüidade. Todas as pesquisas, bibliotecas e bancos de dados, enquanto não resultem em novas práticas de gestão e mudanças comportamentais, não resolverão os intricados problemas de nossa sociedade no limiar do terceiro milênio”.(RATTNER, 2000, p. 362).
E, nesse momento, devemos estar alertas para o fato de que a política educacional, enquanto política social pública, tem um dinamismo que envolve avanços e recuos, desvios e contradições tornando imperioso não desencadearmos ou aderirmos a uma proposta de inclusão selvagem a exemplo do que ocorreu nos anos setenta na Itália com a então conhecida “integração selvagem”.

Referências bibliográficas.
GLAT, Rosana. Um novo olhar sobre a integração do deficiente. In: MANTOAN, Maria Teresa Egler .(org.) A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon; SENAC, 1997.

HALL, Stuart. Identidades culturais na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guaciara Lopes Louro.Rio de Janeiro : DP&A, 1997.

MANTOAN, Maria Teresa Egler. Inclusão escolar de deficientes mentais: que formação para professores? In: MANTOAN, Maria Teresa Egler.(org.) A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon; SENAC, 1997.

MONTE, Francisca R. F.; SIQUEIRA, Ivana; MIRANDA, José Rafael.(Orgs.). Direito à educação. Necessidades educacionais especiais: subsídios para atuação do Ministério Público Brasileiro. Brasília: MEC/SEESP, 2001.

MAZZOTTA, Marcos José da Silveira. Deficiência, educação escolar e necessidades especiais: reflexões sobre inclusão sócio-educacional. São Paulo: Mackenzie, 2002 (Cadernos de Pós-Graduação; 7).

RATTNER, Henrique. Política de ciência e tecnologia no limiar do século. In: RATTNER, H.(Org.) Brasil no limiar do século XXI : Alternativas para a construção de uma sociedade sustentável. São Paulo: EDUSP, 2000.

TOURAINE, Alain. Poderemos viver juntos?: iguais e diferentes. Trad. Jaime A . Clasen e Ephraim F. Alves. Petrópolis: Vozes, 1998.
CONSTRUINDO UM OLHAR MULTICULTURAL SOBRE A EDUCAÇÃO INCLUSIVA: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES
Rita De Cássia Barbosa Paiva Magalhães (UECE/CED)

O objetivo deste trabalho – uma pesquisa bibliográfica - é apresentar uma discussão inicial da possibilidade de construção de um olhar multicultural acerca dos significados e discursos pertinentes à proposta de Educação Inclusiva. Inicialmente apresentaremos nossa perspectiva sobre inclusão de pessoas com deficiência na escola e sobre o conceito de multiculturalidade. Em um segundo momento serão apresentadas algumas reflexões e ponderações que podem contribuir no debate entre Educação Especial, inclusão e multiculturalismo.

Nesta onda de discussões em torno do respeito às individualidades a idéia de inclusão social e escolar das pessoas com deficiência está na pauta do dia. São artigos e livros científicos, publicações de jornalistas e propagandas defendendo, amiúde de modo messiânico, os direitos sociais básicos das pessoas com deficiência. Deste modo “inclusão” - em Educação Especial - é um termo bastante difundido, mas o seu significado, freqüentemente, dilui-se no contexto do discurso “politicamente correto”, que defende, às vezes de modo ingênuo, a educação e sociedade inclusivas.
Porque é necessário analisar se a idéia de “sociedade inclusiva” está centrada em um conceito abstrato de sociedade, ou seja, aquele que deixa de considerar os determinantes histórico-culturais que podem induzir à construção de discursos democratizantes e práticas excludentes.
Sanfelice (1989), com relação à educação formal, coloca que os discursos pedagógicos democráticos podem se constituir como um mascarador coerente de práticas sociais que tendem à discriminação. Assim, a inclusão deve ser concebida nos seus contornos teóricos e práticos para permitir uma visão crítica desta prática social e não somente de seu discurso que, gradualmente, está se tornando hegemônico (ao menos no âmbito da Educação Especial).
São alguns aspectos que influenciaram na consolidação deste discurso que pretendemos ressaltar. Inicialmente, reconhecemos que a noção de Educação e Sociedade Inclusiva está ancorada nas lutas da sociedade civil pelos direitos sociais básicos e nos progressos científicos e tecnológicos. Estes últimos permitiram à parte das pessoas que apresentavam deficiências superar suas desvantagens de ordem meramente orgânica. ( Glat, Carneiro & Magalhães, 1998).
Somamos a isto o fato da Educação Especial ter um cabedal de metodologias e técnicas que podem permitir a efetivação de um trabalho pedagógico que possibilite a sua clientela ganhos no âmbito de sua aprendizagem e desenvolvimento. A Educação Inclusiva propõe, portanto, uma escola que possa atender às demandas de sua clientela (possua ou não necessidades educativas especiais) seguindo os princípios da democratização do ensino. Assim, o enfoque inclusivo pretende lidar com as necessidades educativas temporárias ou permanentes dos alunos.
É inegável a influência norte-americana na proposta de Educação Inclusiva. O estranho é pensarmos nos índices de crescente exclusão que se delineiam na sociedade norte-americana com relação aos afro-americanos e aos descendentes de latinos americanos sobre quem, não por acaso, pesa o fracasso na escola. Para Apple(2000) a cultura hegemônica norte-americana delineada no currículo é um exercício de poder : a história e a cultura de grupos minoritários mal vêem a luz do dia. Isto aponta que os laços de poder na imposição de um discurso pedagógico unívoco podem ter suas raízes na onda conservadora que tende a exacerbar as diferenças de gênero, classe e raça, na ausência de recursos humanos e materiais suficientes.(p. 71).
Assim, no contexto da globalização econômica e da mundialização da cultura é importante observar os caminhos propostos para a Educação Especial no Brasil. Parece-nos que caberia aos educadores e legisladores, ao propor a Educação Inclusiva, contemplarem as peculiaridades de nosso sistema de ensino, tais como o insucesso escolar das crianças que ingressam no ensino básico público, a formação de professores e o analfabetismo. E, por outro, lado compreenderem os novos padrões de produção e consumo que se estabelecem, o papel da mídia e da informatização da sociedade que colocam em cheque o papel da escola.
Além disto existe uma tendência de ardente defesa dos aspectos teóricos da inclusão e práticas, amiúde, pseudo-inclusivas. Porque estamos diante de uma sociedade exclusiva na qual o racismo, o sexismo e o preconceito contra pessoas com deficiência permeiam práticas e discursos. Isto leva os professores de classes regulares a representarem a inclusão de forma confusa, chegando até a serem reforçados preconceitos; assim na escola, a idéia de deficiência acaba por sobrepujar as “necessidades educativas” de cada aluno. Com efeito, evidencia-se, no que diz respeito à inclusão escolar, um conflito de representações sobre normalidade/deficiência, de efeitos consideráveis na prática pedagógica – metodologias de ensino, formas de avaliação, currículos formais – e nas interações cotidianas estabelecidas entre professores, alunos e outros profissionais da escola.
Assim, o fato de a criança ser matriculada e freqüentar a sala de aula regular, por si só, não garante a sua inclusão – esta última pressupondo mudanças valorativas e atitudinais, e envolvendo transformações dos padrões curriculares da escola que convencionalmente tende a reificar os estigmas associados às pessoas com deficiência.
Defendemos que a compreensão da prática da Educação Inclusiva deve partir do conhecimento da forma com que a comunidade escolar lida cotidianamente com estas pessoas. Portanto, as ações devem ser compreendidas no seu ambiente natural de ocorrência, ou seja, na leitura dos acontecimentos, não é possível o divórcio entre as ações e as concepções dos atores no contexto sócio-cultural no qual estão inseridos. Portanto, as interações que se estabelecem no interior da escola - com alunos, professores e outros profissionais da educação - interessam para a consecução prática da Educação Inclusiva. Tal prática se fundamenta nos significados conferidos às possibilidades de um aluno com alguma desvantagem freqüentar a escola regular e efetivamente aprender com os demais alunos.
Urge, pois, esclarecer que a inclusão escolar supõe práticas pedagógicas diferenciadas, baseadas na noção de que ao educador cabe desenvolver o seu trabalho a partir das condições efetivamente existentes na clientela atendida. A concepção de prática pedagógica diferenciada e inclusiva, por outro lado, está ancorada na tese de que a heterogeneidade dos alunos deve ser respeitada e, portanto, os alunos com necessidades educativas especiais têm direito de participar e de serem considerados membros ativos no interior da comunidade escolar. ( Saint-Laurent, 1997)
Aqui se delineia outro aspecto a ser apontado como fundamental em nossa compreensão sobre inclusão de pessoas com necessidades educativas especiais/pessoas com deficiência no contexto da escola regular. Esta inclusão está associada ao redimensionamento de práticas educativas que visem à superação do fracasso escolar: não basta garantir o acesso à escola, de crianças com ou sem deficiências, é preciso que a escola esteja apta para lidar com o aluno real.
O que parece estar em jogo quando o assunto é inclusão é a consideração em torno da DIFERENÇA ( tão manifesta no caso das pessoas com deficiência) a ser não somente tolerada, mas um elemento constitutivo das diversidades humanas em diálogo e conflito na escola. Cumpre, pois, ponderar a contribuição do multiculturalismo como perspectiva teórica e prática na construção da educação inclusiva.
Moreira e Canen(1999) alertam que para referir-se ao multiculturalismo é necessário ter clareza de que ao termo cultura pode ser dados variados significados; nesse trabalho a palavra cultura evoca, o conjunto de prática por meios das quais significados são produzidos e compartilhados em um grupo (p. 14). Por outro lado, a natureza multicultural das sociedades existe e representa uma condição peculiar na contemporaneidade, ou seja, não pode ser negada. Existem, no entanto, diversas formas de conceber e lidar com o denominado multiculturalismo.
Em uma perspectiva multiculturalista liberal as diferenças são respeitadas e toleradas porque sob a aparente diferença existiria uma mesma humanidade. Moreira (1999) aponta que, nessa abordagem, a aceitação dos diferentes é considerada necessária, mas as relações de poder e controle social atreladas à construção dessas diferenças não são colocadas em análise.
O presente trabalho defende uma perspectiva multicultural crítica que denuncia as dificuldades inerentes à existência da igualdade entre grupos no contexto competitivo do capitalismo. Tal perspectiva, por outro lado, enfatiza que a diferença não é uma característica natural: ela é discursivamente produzida(. . . ) além disto à diferença é sempre uma relação: não se pode ser diferente de forma ‘absoluta’. (Silva, 1999 p. 87). Assim, um olhar arguto sobre a diferença é lançado. O diferente e o não-diferente são produtos sociais, ou seja, o processo de construção da “diferença” como algo negativo e “não-diferença” como algo positivo, nasce associado impreterivelmente às relações de poder.
Essa análise pode ser remetida àquelas que vêm sendo estabelecidas por Omote (1994, p. 69) que postula que deficiência e não-deficiência são recortes de um mesmo tecido social:

Uma teoria da deficiência não deve apenas explicar como as deficiências operam e como as pessoas deficientes funcionam, mas, ao mesmo tempo, deve ser capaz de explicar como as pessoas em geral lidam com as diferenças, especialmente aquelas às quais o grupo social atribui algum significado de desvantagem e descrédito social.

O multiculturalismo crítico aborda, também, a questão das diferenças entre grupos que co-existem em uma mesma cultura e, também, lida com o fato de que concepções hegemônicas de gênero, etnia, sexualidade e deficiência circulam na sociedade logrando a formação de subjetividades e representações, em geral, pautadas nos preconceitos e estereótipos. Enfatizar o caráter discursivo das diferenças e as relações de poder associadas a sua construção pode fundamentar práticas multiculturais na escola que cedam espaço para as vozes silenciadas nos currículos e práticas pedagógicas. Portanto, a escola não pode reificar concepções unívocas, preconceituosas a respeito das diferenças. Contudo, cabe frisar o que colocou Silva (1999, p. 88) quando afirma as diferenças estão sendo constantemente produzidas e reproduzidas através das relações de poder, nesse sentido o multiculturalismo questiona os tipos de representação sobre os alunos com deficiência que circulam ou deixam de circular na escola.
Tomamos de empréstimo as palavras de Moreira & Canen (1999, p. 18 e 19) e colocamos que a construção da educação inclusiva deve estar pautada em dois princípios: a promoção do respeito à diversidade e a formação dos alunos visando um trabalho coletivo em favor da justiça social:

Trata-se de reduzir preconceitos, de estimular atitudes positivas em relação ao ‘diferente’ de promover a capacidade de assumir outras perspectivas, de propiciar o desenvolvimento da empatia. (. . . ) trata-se de evidenciar as relações de poder envolvidas na construção da diferença, de criar oportunidades, de incentivar habilidades e atitudes necessárias ao fortalecimento do poder individual e coletivo, bem como de desenvolver habilidades de pensamento crítico.
Assim, no currículo desenvolvido nas escolas que se pretendam inclusivas devem ser travadas discussões pertinentes à formação das identidades em uma perspectiva dinâmica que encare os preconceitos e estereótipos como algo com múltiplas representações e desdobramentos a serem questionados. Assim, lidar com os “diferentes” na sala de aula significa necessariamente romper com as concepções estereotipadas sobre grupos marginalizados. Por outro lado, na difícil caminhada da “diferença” na escola regular muitas histórias silenciadas merecem vir à tona para que não se pense que a aceitação e o respeito à diversidade é tarefa que diz respeito apenas à capacitação de professores e a existência de condições humanas e materiais na escola, a solidariedade ou a tolerância.
O silêncio diante da deficiência/diferença que acompanha as algumas pessoas é tão grave quanto um discurso sobre a deficiência, que defendendo a sua inclusão, relega o arguto olhar multicultural atendo-se somente ao aspecto metodológico e a feitura das adaptações curriculares no interior da escola. A questão aqui não é negar o aspecto técnico da consecução da prática educativa inclusiva, mas pensar essa prática como um momento de vislumbrar a construção da identidade da pessoa com deficiência na busca da superação de estereótipos e preconceitos. Questionamos qual seria real significado de um discurso inclusivo que afirma mesmo que uma criança nunca consiga aprender nada de matemática ou história ainda é fundamental que ela seja incluída em turmas de educação regular para que todos os alunos tenham a oportunidade de aprender o respeito mútuo, o interesse mútuo e o apoio mútuo em uma sociedade inclusiva.” (Stainback & Stainback 1999, p. 234).


PLANEJAMENTO:
Introdução


Entramos em um novo milénio. Apesar de temores infunda¬dos o tempo correu sereno, sem sobressaltos na continuidade. A era que agora se vive perfila-se às expectativas e às preocupações que herdamos do século passado. Investigações nele iniciadas deram à luz, já no novo ano do século XXI, o conhecimento sobre o genoma humano, sem dúvida uma das grandes descobertas da humanidade. Aumenta assim a esperança da cura de algumas doenças que afligem a humanidade e do prolongamento da vida humana. Mas simultaneamente aumentam também as preocupações sociais pela criação de contextos de vida agradável para os idosos, bem como as interrogações econômicas colocadas pelo aumento da população não-produtiva. Manifestam-se, de uma forma cada vez mais evidente, os aspectos positivos e negativos da globalização: a comunicação entre os novos, o trabalho em rede, a capacidade produtiva das grandes multinacionais, o conhecimento simultâneo e direto dos grandes acontecimentos mundiais, mas também a generalização do uso da droga, a perda identidade ética e cultural, a falência de pequenas e médias empresas, o desemprego e a pobreza.
Desenvolvem-se a uma velocidade verdadeiramente vertigi¬nosa possibilidades de acesso à informação por via informática poder de quem é detentor da informação. A era substituída pela era de conhecimento e informação sem que, possa se deixar de reconhecer o perigo do já se chama a literacia informática e de antever as suas temíveis conseqüências de exclusão social.
Neste contexto de profunda mudança ideológica, cultural, social e profissional, aponta-se a educação como o cerne do desenvolvimento da pessoa humana e da sua vivência na sociedade, sociedade da qual se espera um desenvolvimento econômico acrescido e uma melhor qualidade de vida. Neste mundo de maravilhas, vive-se também o risco e a incerteza. E nessa complexidade desenvolvem-se novas racionalidades, cujos primeiros sinais começaram a emergir no século passado. Se nos encontramos perante uma nova mundividência, é importante que a analisemos e reflitamos sobre ela para não nos virmos a sentir uma espécie de extraterrestres deslocados.
Essa reflexão é importante sobretudo para nós, os educadores, já que temos uma responsabilidade acrescida na compreensão do presente e na preparação do futuro. Compete-nos interpretar na atualidade os sinais emergentes do porvir para o qual estamos preparando as nossas crianças e os nossos jovens cuja formação a sociedade, em parte, quis confiar-nos.
Grande parte do seu tempo é passado na escola. Esta constitui um espaço, um tempo e um contexto de aprendizagem e de desenvolvimento. E mesmo que, por força das novas tecnologias, a aprendizagem desprenda.se da necessidade de espaços coletivos e tempos simultâneos, ela não deixará nunca de realizar-se em contexto, talvez em comunidades aprendentes interconectadas, as vezes globalmente interconectadas. Nem por isso se poderá deixar de pensar em escola. Com novas configurações, porém na sua essência escola.
Não pretendo fazer futurologia. Em um pensamento mais contido, interrogo-me sobre o modo como a sociedade e nós próprios organizamos e podemos organizara escola para que ela seja o lugar, o tempo e o contexto a que acima me referi. Não tenho qualquer sombra de dúvida de que a escola também precisa mudar para acompanhar a evolução dos tempos e cumprir a sua missão na atualidade.. A razão de ser da publicação deste livro reside nessa convicção profunda e assumida. Foi pensando em tal necessidade e analisando os sinais presentes e futuros de mudança que decidi organizá-lo, correspondendo a um desafio da editora ARTMED e convidando um grupo de colegas a escreverem-no comigo.
O livro está organizado com base na convicção da existência de uma nova forma de pensar e de viver a realidade, um novo paradigma civilizacional ou, se ainda não se quiser admitir a sua existência, pelo menos na presença de fortes manifestações da sua emergência. Essa nova racionalidade manifesta-se no modo como profissionais atuam na profissão, como as organizações reestruturam e definem-se, como os investigadores posicionando-se perante os fenômenos investigados. Essa nova maneira de pensar e de agir tem implicações ao nível dá escola e reflete-se na maneira como se concebe a formação e o currículo, corno os professores percebem e concretizam a sua prática pedagógica, como os alunos vivem o seu ofício de estudante. Além disso, Repercute-se no papel que se atribui aos professores, aos alunos e aos funcionários e nas dinâmicas de desenvolvimento que as escolas introduzem.
Não comentarei as idéias expressas por cada um dos autores, cada um deles autônomo em seu pensamento e por ele responsável, mas proponho-me a lançam um olhar transversal sobre as temáticas que neste livro cruzam-se e Entrecruzam-se, completando-se umas às outras e permitindo-nos obter uma visão global da escola que queremos e das razões pelas quais a queremos do modo com o a queremos.
Desejamos uma escola reflexiva, concebida como urna organização continuadamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização, e confronta-se com o desenrolar da sua atividade em um processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo. Nessa escola, acredita-se que formar é organizar contextos de aprendizagem, exigentes e estimulantes, isto é, ambientes formativos que favoreçam o cultivo de atitudes saudáveis e o desabrochar das capacidades de cada um com vistas ao desenvolvimento das competências que lhes permitam viver em sociedade, ou seja, nela conviver e intervir em interação com os outros cidadãos.Tendo como adquirido que a aprendizagem e um processo continuado de construção experienciada de saber e que a escola tem uma função curricular a desempenhar, considera-se o currículo como guia orientador de aprendizagens e atribui-se à escola, em geral e a cada escola, em particular, a gestão estratégica e flexível desse enquadramento orientador. Assim, o currículo inerte nas falhas de papel torna-se vivo na ação do professor com os seus alunos. Atribui-se aos professores a capacidade de serem atores sociais, responsáveis em sua autonomia, críticos em seu pensamento, exigentes em sua profissionalidade coletivamente assumida. Solicita-se dos dirigentes escolares a capacidade de liderança mobili¬zadora de vontades e idéias partilhadas e a efetiva gestão de serviços e recursos. Acredita-se que os alunos formados por uma escola com tais características estarão mais bem preparados para demonstrar resiliência e capacidade de superação diante das dificuldades e para viver criticamente o cotidiano. Habituamos a refletir, terão motivações para continuar a aprender e para investigar, reconhecerão a importância das dimensões afetivas e cognitivas do ser humano, reagirão melhor em face da mudança e do risco que caracterizam uma sociedade em profunda transformação.
Na nossa cultura atual, valorizam-se dimensões há muito desprezadas e atende-se à g1obalidade da natureza humana. Basta olhar para a insistente presença da comunicação multimídia para compreender o valor dos sentidos. E a visita a um dos muitos museus interativos que a Sociedade hoje nos oferece chama-nos a atenção para a importância dos cinco sentidos e da experienciação O tato é um dos que mais tem sido recuperado no sentido real, mas também, curiosamente, no sentido virtual que lhe é dado por MacLuhan e no sentido simbólico de afetividade como van Manen tão bem o considera. Qual a influência dessas concepções nos contextos de aprendizagem escolar? Ou eles ainda estarão confinados ao livro, ao giz, às transparências e ao professor?
Desejamos uma escola do nosso tempo, janela aberta para o presente e para o futuro, onde se viva a utopia mitigada que permite criar e recriar, sem contudo perder a razoabilidade e a estabilidade. Urna escola onde se realize, com êxito, a interligação entre três dimensões da realização humana: a pessoal, a profissional e a social. E onde se gerem conhecimentos e relações comprometimentos e afetos.
Kerkhovc (1997), discípulo de MacLuhan, afirma que, nesta mudança civilizacional paradigmática “o próximo passo é reconhecer que somos primitivos numa cultura nova e global. Para evoluirmos do estado de meras vitimas para o de exploradores, temos de desenvolver um sentido de julgamento crítico em tempo crítico” (p.115). E em uma atitude de julgamento crítico diante desse novo paradigma cultural que nos colocamos Nele, Como escreveu Roberto Carneiro (1997), antigo ministro da Educação em Portugal “a educação como atividade eminentemente comunitária terá de reformular- se para operar num mundo denso de informação, numa humanidade globalizada, num caldo de multicultura e numa economia sedenta de formas de aprendizagem ao longo de toda a vida”.
A escola, instituição social, pólo do binômio interativo esco¬la-sociedade, irá metamorfosear-se ou permanecerá imutável e estática no modo hierárquico como se estrutura, na compartimentalização de turmas, espaços e tempos horários, na estrutura curricular de base disciplinar, na vivência individualista (não confundir com pessoalista) e tecnicista cio cotidiano escolar, na regulação das avaliações?
O novo paradigma cultural, entendido como uma nova visão do mundo e caracterizado por urna racionalidade crítica e eman¬cipatória dos sujeitos e das instituições que o constituem, cultivadora de um novo homem dotado de uma nova racionalidade, já é visível, como pretendemos salientar neste livro, em muitos aspectos da atividade humana. Destacaremos aqueles que se prendem mais diretamente à nossa atividade. Falaremos então de nova forma de estar na profissão e de viver a profissão assumindo que, perante a imprevisibilidade, a constante mudança e a exigência dos contextos de atuação, a formação ao longo da vida surge como um imperativo Inquestionável. Analisaremos as convicções que presidem as práticas renovadas de formação e que trazem para o centro do palco o formando e o seu papel na construção de si próprio e do seu saber, saber que partilha com os outros na construção e na utilização. Olharemos o currículo a uma nova luz e responsabilizaremos a escola e os professores para, juntamente com os alunos, o instituírem na ação concreta. Refletiremos sobre as novas configurações organizativas do cotidiano da escola que fazem desta uma organização aprendente e qualificante, uma organização em desenvolvimento e aprendizagem pata si mesma e para cada um dos que a constituem. E dedicaremos alguma atenção à evolução dos paradigmas investigativos, conscientes de que a presença da investigação nas questões educativas também é uma característica da atualidade e uma necessidade sentida, embora nem assumida.
Ao atravessar todas essas dimensões, encontramos algumas noções centrais e transversais, a saber: a centralidade da pessoa na sua globalidade e na sua comunicabilidade, a racionalidade dialógica inerente ao discurso critico-construtivo, a reflexibilidade, a autonomia e a responsabilidade não apenas de atores isolados, mas também de organizações, a humildade e o relativismo frente ao ato de compreender a realidade o relacionamento interativo com a técnica, a valorização do inter-relacionamento evidente em vários aspectos e traduzido na linguagem através de termos como interdisciplinaridade, interdepartamentalismo intercultu¬ralismo, interpessoalidade interinstitucíonalidade, interatividade e interconectividade. Ao eleger uma dessas ultimas característi¬cas, elegeria a interatividade, pois penso que nela se concentra a essência da atual mundividência.
Finalmente, importa interrogarmo-nos sobre as razões que poderão fundamentar uma mudança paradigmática em tantas áreas da atividade humana. A resposta mais plausível tem a ver com o sentimento de impotência diante dos problemas que, nes¬sas mesmas áreas de atuação, têm-se colocado ao homem, pensante, seja ele.o profissional da educação, o investigador, o dirigente institucional ou até o próprio aluno.
Perante a desadequação dos paradigmas existentes, a atitu¬de pode ser de ruptura em busca de novas soluções. De uma for¬ma mais ou menos drástica, estamos rompendo com velhas tradi¬ções na expectativa de termos encontrado caminhos melhores e mais adequados para os problemas ocorridos, entre os quais relembro, meramente a título de exemplo, o insucesso escolar, a indisciplina, o desinteresse.
Contudo, também devemos questionar-nos sobre um outro nível de adequação. Refiro-me ao nível de adequação entre o discurso produzido e a pratica vivida. Será que a mudança paradig¬rnática atingiu tanto a atividade educativa quanto o discurso so¬bre a educação deixa entrever? E, se este não é o caso, importa indagar onde estão os constrangimentos à prática ou, em alternativa, a irrazoabilidade do discurso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARNEIRO, R. Sociedade e informação. Lisboa: Texto Editora, 1997.
KERKHOVE, D. A pele da cultura. Uma investigação sobre a nova realidade eletrônica.Lisboa: Relógio d’Água Editores, 1997.


O PLANEJAMENTO EM EDUCAÇÃO: REVISANDO CONCEITOS PARA MUDAR CONCEPÇÕES E PRÁTICAS

Maria Adelia Teixeira Baffi
Petrópolis, 2002. Pedagoga - PUC-RJ.
Mestre em Educação - UFRJ
Doutoranda em Pedagogia Social - UNED
Profª Titular - FE/UCP



O ato de planejar faz parte da história do ser humano, pois o desejo de transformar sonhos em realidade objetiva é uma preocupação marcante de toda pessoa. Em nosso dia-a-dia, sempre estamos enfrentando situações que necessitam de planejamento, mas nem sempre as nossas atividades diárias são delineadas em etapas concretas da ação, uma vez que já pertencem ao contexto de nossa rotina. Entretanto, para a realização de atividades que não estão inseridas em nosso cotidiano, usamos os processos racionais para alcançar o que desejamos.
As idéias que envolvem o planejamento são amplamente discutidas nos dias atuais, mas um dos complicadores para o exercício da prática de planejar parece ser a compreensão de conceitos e o uso adequado dos mesmos. Assim sendo, o objetivo deste texto é procurar explicitar o significado básico de termos, tais como planejamento, plano, programa, projeto, plano estratégico plano operacional, e outros, visando a dar espaço para que o leitor possa estabelecer as relações entre eles, a partir de experiências pessoais e profissionais. Cabe ressaltar que, neste breve texto, não se pretende abordar todos os níveis de planejamento, mesmo porque, como aponta Gandin (2001, p. 83),
é impossível enumerar todos tipos e níveis de planejamento necessários à atividade humana. Sobretudo porque, sendo a pessoa humana condenada, por sua racionalidade, a realizar algum tipo de planejamento, está sempre ensaiando processos de transformar suas idéias em realidade. Embora não o faça de maneira consciente e eficaz, a pessoa humana possui uma estrutura básica que a leva a divisar o futuro, a analisar a realidade a propor ações e atitudes para transformá-la.





PLANEJAMENTO
1. Planejamento é processo de busca de equilíbrio entre meios e fins, entre recursos e objetivos, visando ao melhor funcionamento de empresas, instituições, setores de trabalho, organizações grupais e outras atividades humanas. O ato de planejar é sempre processo de reflexão, de tomada de decisão sobre a ação; processo de previsão de necessidades e racionalização de emprego de meios (materiais) e recursos (humanos) disponíveis, visando à concretização de objetivos, em prazos determinados e etapas definidas, a partir dos resultados das avaliações (PADILHA, 2001, p. 30).
2. Planejar, em sentido amplo, é um processo que "visa a dar respostas a um problema, estabelecendo fins e meios que apontem para sua superação, de modo a atingir objetivos antes previstos, pensando e prevendo necessariamente o futuro", mas considerando as condições do presente, as experiências do passado, os aspectos contextuais e os pressupostos filosófico, cultural, econômico e político de quem planeja e com quem se planeja. (idem, 2001, p. 63). Planejar é uma atividade que está dentro da educação, visto que esta tem como características básicas: evitar a improvisação, prever o futuro, estabelecer caminhos que possam nortear mais apropriadamente a execução da ação educativa, prever o acompanhamento e a avaliação da própria ação. Planejar e avaliar andam de mãos dadas.
3. Planejamento Educacional é "processo contínuo que se preocupa com o 'para onde ir' e 'quais as maneiras adequadas para chegar lá', tendo em vista a situação presente e possibilidades futuras, para que o desenvolvimento da educação atenda tanto as necessidades da sociedade, quanto as do indivíduo" (PARRA apud SANT'ANNA et al, 1995, p. 14).
Para Vasconcellos (1995, p. 53), "o planejamento do Sistema de Educação é o de maior abrangência (entre os níveis do planejamento na educação escolar), correspondendo ao planejamento que é feito em nível nacional, estadual e municipal", incorporando as políticas educacionais.

4. Planejamento Curricular é o "processo de tomada de decisões sobre a dinâmica da ação escolar. É previsão sistemática e ordenada de toda a vida escolar do aluno". Portanto, essa modalidade de planejar constitui um instrumento que orienta a ação educativa na escola, pois a preocupação é com a proposta geral das experiências de aprendizagem que a escola deve oferecer ao estudante, através dos diversos componentes curriculares (VASCONCELLOS, 1995, p. 56).
5. Planejamento de Ensino é o processo de decisão sobre atuação concreta dos professores, no cotidiano de seu trabalho pedagógico, envolvendo as ações e situações, em constante interações entre professor e alunos e entre os próprios alunos (PADILHA, 2001, p. 33). Na opinião de Sant'Anna et al (1995, p. 19), esse nível de planejamento trata do "processo de tomada de decisões bem informadas que visem à racionalização das atividades do professor e do aluno, na situação de ensino-aprendizagem".

6. Planejamento Escolar é o planejamento global da escola, envolvendo o processo de reflexão, de decisões sobre a organização, o funcionamento e a proposta pedagógica da instituição. "É um processo de racionalização, organização e coordenação da ação docente, articulando a atividade escolar e a problemática do contexto social" (LIBÂNEO, 1992, p. 221).

7. Planejamento Político-Social tem como preocupação fundamental responder as questões "para quê", "para quem" e também com "o quê". A preocupação central é definir fins, buscar conceber visões globalizantes e de eficácia; serve para situações de crise e em que a proposta é de transformação, em médio prazo e/ou longo prazo. "Tem o plano e o programa como expressão maior" (GANDIN, 1994, p. 55).
8. No Planejamento Operacional, a preocupação é responder as perguntas "o quê", "como" e "com quê", tratando prioritariamente dos meios. Abarca cada aspecto isoladamente e enfatiza a técnica, os instrumentos, centralizando-se na eficiência e na busca da manutenção do funcionamento. Tem sua expressão nos programas e, mais especificamente, nos projetos, sendo sobretudo tarefa de administradores, onde a ênfase é o presente, momento de execução para solucionar problemas (idem.).

PLANO

1. Plano é um documento utilizado para o registro de decisões do tipo: o que se pensa fazer, como fazer, quando fazer, com que fazer, com quem fazer. Para existir plano é necessária a discussão sobre fins e objetivos, culminando com a definição dos mesmos, pois somente desse modo é que se pode responder as questões indicadas acima.
O plano é a "apresentação sistematizada e justificada das decisões tomadas relativas à ação a realizar" (FERREIRA apud PADILHA, 2001, p. 36). Plano tem a conotação de produto do planejamento.
Plano é um guia e tem a função de orientar a prática, partindo da própria prática e, portanto, não pode ser um documento rígido e absoluto. Ele é a formalização dos diferentes momentos do processo de planejar que, por sua vez, envolve desafios e contradições (FUSARI, op. cit.).

2. Plano Nacional de Educação é "onde se reflete toda a política educacional de um povo, inserido no contexto histórico, que é desenvolvida a longo, médio ou curto prazo" (MEEGOLLA; SANT'ANNA, 1993, p. 48).

3. Plano Escolar é onde são registrados os resultados do planejamento da educação escolar. "É o documento mais global; expressa orientações gerais que sintetizam, de um lado, as ligações do projeto pedagógico da escola com os planos de ensino propriamente ditos" (LIBÂNEO, 1993, p. 225).

4. Plano de Curso é a organização de um conjunto de matérias que vão ser ensinadas e desenvolvidas em uma instituição educacional, durante o período de duração de um curso. Segundo Vasconcellos (1995, p. 117), esse tipo de plano é a "sistematização da proposta geral de trabalho do professor naquela determinada disciplina ou área de estudo, numa dada realidade".

5. Plano de Ensino "é o plano de disciplinas, de unidades e experiências propostas pela escola, professores, alunos ou pela comunidade". Situa-se no nível bem mais específico e concreto em relação aos outros planos, pois define e operacionaliza toda a ação escolar existente no plano curricular da escola. (SANT'ANNA, 1993, p. 49).

PROJETO

1. Projeto é também um documento produto do planejamento porque nele são registradas as decisões mais concretas de propostas futuristas. Trata-se de uma tendência natural e intencional do ser humano. Como o próprio nome indica, projetar é lançar para a frente, dando sempre a idéia de mudança, de movimento. Projeto representa o laço entre o presente e o futuro, sendo ele a marca da passagem do presente para o futuro. Na opinião de Gadotti (apud Veiga, 2001, p. 18),
Todo projeto supõe ruptura com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma estabilidade em função de promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores.
2. Projeto Pedagógico, segundo Vasconcellos (1995)
é um instrumento teórico-metodológico que visa ajudar a enfrentar os desafios do cotidiano da escola, só que de uma forma refletida, consciente, sistematizada, orgânica e, o que é essencial, participativa. É uma metodologia de trabalho que possibilita re-significar a ação de todos os agentes da instituição (p.143).


Para Veiga (2001, p. 11) o projeto pedagógico deve apresentar as seguintes características:

a) "ser processo participativo de decisões;
b) preocupar-se em instaurar uma forma de organização de trabalho pedagógico que desvele os conflitos e as contradições;
c) explicitar princípios baseados na autonomia da escola, na solidariedade entre os agentes educativos e no estímulo à participação de todos no projeto comum e coletivo;
d) conter opções explícitas na direção de superar problemas no decorrer do trabalho educativo voltado para uma realidade específica;
e) explicitar o compromisso com a formação do cidadão.
f) nascer da própria realidade , tendo como suporte a explicitação das causas dos problemas e das situações nas quais tais problemas aparecem;
g) ser exeqüível e prever as condições necessárias ao desenvolvimento e à avaliação;
h) ser uma ação articulada de todos os envolvidos com a realidade da escola;
i) ser construído continuamente, pois como produto, é também processo".

3. Projeto Político-Pedagógico da escola precisa ser entendido como uma maneira de situar-se num horizonte de possibilidades, a partir de respostas a perguntas tais como: "que educação se quer, que tipo de cidadão se deseja e para que projeto de sociedade?" (GADOTTI, 1994, P. 42). Dissociar a tarefa pedagógica do aspecto político é difícil, visto que o "educador é político enquanto educador, e o político é educador pelo próprio fato de ser político" (GADOTTI, FREIRE, GUIMARÃES, 2000, pp. 25-26).
Falar da construção do projeto pedagógico é falar de planejamento no contexto de um processo participativo, onde o passo inicial é a elaboração do marco referencial, sendo este a luz que deverá iluminar o fazer das demais etapas. Alguns autores que tratam do planejamento, como por exemplo Moacir Gadotti, falam simplesmente em referencial, mas outros, como Danilo Gandin, distinguem nele três marcos: situacional, doutrinal e operativo.

PROGRAMA É

1. Padilha (2001), citando Bierrenbach, explica que um programa é "constituído de um ou mais projetos de determinados órgãos ou setores, num período de tempo definido" (p. 42). Gandin (1995) complementa dizendo que o programa, dentro de um plano, é o espaço onde são registradas as propostas de ação do planejador, visando a aproximar a realidade existente da realidade desejada. Desse modo, na elaboração de um programa é necessário considerar quatro dimensões: "a das ações concretas a realizar, a das orientações para toda a ação (atitudes, comportamentos), a das determinações gerais e a das atividades permanentes" (GANDIN, 1993, p. 36 e 1995, p. 104).

CONSTRUINDO UM CONCEITO DE PARTICIPAÇÃO
A preocupação com a melhoria da qualidade da Educação levantou a necessidade de descentralização e democratização da gestão escolar e, consequentemente, participação tornou-se um conceito nuclear. Como aponta Lück et al. (1998), "o entendimento do conceito de gestão já pressupõe, em si, a idéia de participação, isto é, do trabalho associado de pessoas analisando situações, decidindo sobre seu encaminhamento e agir sobre elas em conjunto" (p.15).
De acordo com a etimologia da palavra, participação origina-se do latim "participatio" (pars + in + actio) que significa ter parte na ação. Para ter parte na ação é necessário ter acesso ao agir e às decisões que orientam o agir. "Executar uma ação não significa ter parte, ou seja, responsabilidade sobre a ação. E só será sujeito da ação quem puder decidir sobre ela" (BENINCÁ, 1995, p. 14). Para Lück et al. (1998) a participação tem como característica fundamental a força de atuação consciente, pela qual os membros de uma unidade social (de um grupo, de uma equipe) reconhecem e assumem seu poder de exercer influência na determinação da dinâmica, da cultura da unidade social, a partir da competência e vontade de compreender, decidir e agir em conjunto.
Trabalhar em conjunto, no sentido de formação de grupo, requer compreensão dos processos grupais para desenvolver competências que permitam realmente aprender com o outro e construir de forma participativa.
Para Pichin-Rivière (1991) grupo é um "conjunto restrito de pessoas ligadas entre si por constantes de espaço e tempo, articuladas por sua mútua representação interna interatuando através de complexos mecanismos de assunção e atribuição de papéis, que se propõe de forma explícita ou implícita uma tarefa que constitui sua finalidade" (pp. 65-66). O que se diz explícito é justamente o observável, o concreto, mas abaixo dele está o que é implícito. Este é constituído de medos básicos (diante de mudanças, ora alternativas transformadoras ora resistência à mudança). Pichon-Rivière (ibdem) diz que a resistência à mudança é conseqüência dos medos básicos que são o "medo à perda" das estruturas existentes e "medo do ataque" frente às novas situações, nas quais a pessoa se sente insegura por falta de instrumentação.
A partir desses breves comentários, pode-se compreender a importância do tão divulgado "momento de sensibilização" na implementação de planos, programas e projetos. Sensibilidade é "qualidade de ser sensível, faculdade de sentir, propriedade do organismo vivo de perceber as modificações do meio externo e interno e de reagir a elas de maneira adequada" (FERREIRA, s/d). Sensibilizar, portanto, é provocar e tornar a pessoa sensível; fazer com que ela participe de alguma coisa de forma inteira. Por outro lado, lembra Pichon-Riviére (1991) que "um grupo obtém uma adaptação ativa à realidade quando adquire insight, quando se torna consciente de certos aspectos de sua estrutura dinâmica. Em um grupo operativo, cada sujeito conhece e desempenha seu papel específico, de acordo com as leis da complementaridade" (p. 53).
Com diz Libâneo (2001), a participação é fundamental por garantir a gestão democrática da escola, pois é assim que todos os envolvidos no processo educacional da instituição estarão presentes, tanto nas decisões e construções de propostas (planos, programas, projetos, ações, eventos) como no processo de implementação, acompanhamento e avaliação. Finalizando, cabe perguntar: como estamos trabalhando, no sentido do desenvolvimento de grupos operativos, onde cada sujeito, com sua subjetividade, possa contribuir na reconstrução de uma escola de que precisamos?

REFERÊNCIAS

BENINCÁ, E. As origens do planejamento participativo no Brasil. Revista Educação - AEC, n. 26, jul./set. 1995.
GADOTTI, M.; FREIRE, P.; GUIMARÃES, S. Pedagogia: diálogo e conflito. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2000.
GANDIN, D. A prática do planejamento participativo. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

_________ . Planejamento como prática educativa. 7.ed. São Paulo: Loyola, 1994.

_________ . Posição do planejamento participativo entre as ferramentas de intervenção na realidade. Currículo sem Fronteira, v.1, n. 1, jan./jun., 2001, pp. 81-95.
LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão escolar: teoria e prática. 4. ed. Goiânia: Editora alternativa, 2001
LÜCK, H. Planejamento em orientação educacional. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.

PADILHA, R. P. Planejamento dialógico: como construir o projeto político-pedagógico da escola. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire, 2001.
PICHON-RIVIÈRE, E. O processo grupal. Trad. Marco Aurélio Fernandes. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
SANT'ANNA, F. M.; ENRICONE, D.; ANDRÉ, L.; TURRA, C. M. Planejamento de ensino e avaliação. 11. ed. Porto Alegre: Sagra / DC Luzzatto, 1995.
VASCONCELLOS, C. S. Planejamento: plano de ensino-aprendizagem e projeto educativo. São Paulo: Libertad, 1995.
VEIGA, I. P. (Org.). Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. 13. ed. Campinas: Papirus, 2001.


Para referência desta página:
BAFFI, Maria Adelia Teixeira. O planejamento em educação: revisando conceitos para mudar concepções e práticas. In.: BELLO, José Luiz de Paiva. Pedagogia em Foco, Petropólis, 2002. Disponível em: . Acesso em: dia mes ano.
















































CAPITULO 1

A ESCOLA REFLEXIVA
Isabel Atarcão


Assiste-se hoje a uma forte inadequação da escola para fazer face às demandas da sociedade. Diante das rápidas convulsões sociais, a escola precis abandonar seus modelos mais ou menos esta¬ticos e posicionar-se dinamicarnente, aproveitando as sinergias oriundas das interações com a sociedade e com as outras institui¬ções e fomentando, em seu seio, interações interpessoais.
A mudança de que a escola precisa é uma mudança paradig¬mática. Porém, para mudá-la, é preciso mudar o pensamento so¬bre ela. E preciso refletir sobre a vida que lá se vive, em uma atitude de diálogo com os problemas e as frustrações, os sucessos e os fracassos, mas também em diálogo com o pensamento, o pensamento próprio e o dos outros.
Por analogia com o conceito de professor reflexivo, hoje tão apreciado, desenvolverei o conceito de escola reflexiva e procuraria sugerir que a escola que se pensa e que se avalia em seu proje¬to educativo é uma organização aprendente que qualifica não apenas os que nela estudam, mas também os que nela ensinam ou apóiam estes e aqueles. É uma escola que gera conhecimento sobre si própria como escola específica e, desse modo, contribui para o conhecimento sobre a instituição chamada escola.
Antes, porém, de proceder à apresentação do conceito de escola reflexiva, gostaria de convidar os leitores a refletirem co¬migo sobre a escola.
Entristece-me ouvir os alunos dizerem que a escola não os esti¬mula, como foi o caso recente de uma estagiária brasileira que, ao regressar à sua escola na qualidade de candidata a professora, recordava como a escola havia frustrado os seus desejos de apren¬der quando passara por lá como aluna pequena. Verifico também com grande apreensão, que, após vários anos de escolarização, muitos alunos não revelam as competências cognitivas atitudinais relacionadas e comunicativas que a sociedade espera e dasquais necessita. Igualmente me pesa verificar o cansaço e o desanimo manifestados por tantos professores que, em alguns países mais do que em outros, mas de uma maneira geral em todos, sentem-¬se solitários, desapoiados pelos dirigentes, pelas comunidades e pelos governos.
Contudo, nos discursos oficiais, é unanimemente reconhecido que a educação é fonte de desenvolvimento humano, cultural, social e econômico. E que, nesse desenvolvimento, os professores e a escola desempenham um papel fundamental.
Não pretendo deixar uma idéia pessimista ou de desalento. Tenho encontrado nos professores, nos alunos, nas escolas, nas comunidades e em alguns governos idéias comprometidas e inici¬ativas inovadoras. Tenho encontrado escolas com um projeto pró¬prio, coerente, impulsionador. Em função disso, costumo dizer que a escola, cada escola, deve conceber-se como um local, um tempo e um contexto educativo.
A escola é um lugar, um edifício circundado, espera-se, por alguns espaços abertos. Todavia, às vezes, detenho-me a pensar se os edifícios escolares não estarão defasados em relação às con¬cepções de formação, às formas de gestão curriculares e às exi¬gências do relacionamento interpessoal neste início do milênio (Cf. Capítulos 2, 5 e 6). A fim de traçar o perfil das nossas escolas, façamos um pequeno exercício mental do tipo inventário de ca¬racterísticas. Como são as nossas escolas: edifícios onde apenas existem salas de aula? Ou também há nelas espaços de convívio, de desporto, de cultura, de trabalho em equipa, de inovação e experimentação? Que espaços permitem ligações informáticas para manter a escola em interação com outras escolas, com outras instituições, com outros países, com o conhecimento hoje disponibi¬lizado de novas formas? Será que as nossas escolas possuem lo¬cais que permitam a aprendizagem cooperativa e autônoma? E espaços que favoreçam a flexibilização de atividades docentes e discentes?
Também podemos analisar onde se localizam as escolas - longe ou perto das comunidades? — e questionar que tipo de relação estabelecem com essas comunidades — aberta ou fecha¬da? No que se refere ao mobiliário e aos equipamentos, estes são bem concebidos e adaptados às crianças e aos jovens? E onde se acomodarn os adultos quando também têm acesso à mesma esco¬la? As crianças se sentem tão bem na escola quanto em sua casa? Ou se sentem melhor na rua, porque nem na escola nem em casa há espaço para elas?
No entanto, se a escola é um edifício, ela não é só um edifício também um contexto e deve ser, primeiro que tudo, um contexto de trabalho. Trabalho para o aluno. Trabalho para o pro¬fessor. Para o aluno, o trabalho é a aprendizagem em suas várias dimensões. Para o professor, é a educação na multiplicidade de suas funções. Não se aprende sem esforço, e as crianças e os jo¬vens precisam aprender a se esforçar, a trabalhar, a investir no estudo, na aprendizagem, na compreensão. Esforçar-se não deve equivaler a desprazer, mas tampouco pode traduzir-se em metodologias de papinha feita, castradoras do desenvolvimento das potencialidades escondidas em cada um.
Cabe aqui relembrar um texto de Paulo Freire, a propósito o estudo, em que ele o define, corno “um que-fazer exigente em cujo processo se dá uma sucessão de dor, de prazer, de sensação de vitória, de derrotas, de dúvidas e de alegria (1997,p. 41). E continua o mesmo educador: “estudar, por isso mesmo, implica a formação de uma disciplina rigorosa que forjamos em nos mesmos, em nosso corpo consciente”.
Um bom contexto de trabalho requer um ambiente de exi¬gente tranqüilidade e de conscientização do lugar que cada um deve desempenhar. A escola tem de ser a escola do sim e do não, onde a prevenção deve afastar a necessidade de repressão, onde o espírito de colaboração deve evitar as guerras de poder ou competitividade mal-entendida, onde a critica franca e constru¬tiva evita o silêncio roedor ou a apatia empobrecedora e entor¬pecedora.
Mas a escola, para além de lugar e contexto, é também um tempo. Um tempo que passa para não mais voltar. Um tempo que não pode ser desperdiçado. Tempo de quê? De curiosidade a ser desenvolvida e não estiolada. Questionemo-nos, então, sobre o modo como respondemos à curiosidade dos nossos jovens perante a ciência, a técnica, o desenvolvimento fisico, a sexualidade a droga. E interroguemo-nos também sobre o modo como respondemos igualmente à curiosidade e ao espírito de iniciativa dos professores mais entusiastas.
A escola é tempo de desenvolver e aplicar capacidades como a memorização, a observação, a comparação, a associação, o raciocínio, a expressão, a comunicação e o risco. Quais tarefas, na nossa escola, visam ao desenvolvimento dessas capacidades fun¬damentais para uma aprendizagem continuada ao longo da vida?
E tempo de atividade e iniciativa. Que tempo e espaço de iniciativa concedemos aos nossos alunos? E aos nossos professores? E aos alunos, professores e furcionários em conjunto? E tempo de convivência saudável e de cooperação. Como aproveitamos essas qualidades tão características da juventude e tão saudáveis para os profissionais que trabalham em conjunto? É tempo de turbulência. Como a controlamos, sem excesso e sem repressões não-compreendidas?
A escola tem a função de preparar cidadãos mas não pode ser pensada apenas como tempo de preparação para a vida. Ela é a própria vida, um local de vivencia da cidadania.

COMO SE ORGANIZA A ESCOLA PARA, CUMPRIR ESSAS FUNÇÕES?

Sendo a escola um lugar, um tempo e um contexto, sendo ela organizaçãoe vida, devendo da espelhar um rosto de cidadania, que escola temos e que escola precisamos ter?
Penso que concordarão comigo. se afirmar que a escola não tem conseguido acompanhar as profundas mudanças ocorridas na sociedade. Não obstante as transformações que nela vão sen¬do introduzidas, ela não convence nem atrai. E coisa do passado, sem rasgos de futuro. Ainda fortemente marcada pela disciplinaridade, dificilmente prepara para viver a complexidade que caracteriza o mundo atual. Influenciada pela tradição ocidental, que privilegia grandemente o pensamento lógico-matemático e a racionalidade, não potencializa o desenvolvimento global do ser pessoa, ou facilmente discrimina e perde os que não se adaptam a esse paradigma.
Não é por acaso que Drucker (1993) advoga que a escola terá de sofrer uma mudança radical nos métodos e processos de aprendizagem e nos conteúdos que ensina. Acrescento que não é possível desvincular currículo e pedagogia de políticas e administração. Por isso, para mudar a escola, direi que também é preciso mudar a sua organização e o modo como ela é pensada e gerida.
Uma coisa é certa. Urge mudá-la. Não apenas nos currículos que são ministrados, mas na organização disciplinar, pedagógica, organizacional. Nos valores e nas relações humanas que nela se vivern. E preciso repensá-la, pensando-a em contexto. Mas não basta que fiquemos apenas no pensar. Depois, é preciso agir para transformá-la.

MUDAR “A CARA” DA ESCOLA

Como afirma Paulo Freire, “não se muda a cara da escola por um ato de vontade do secretario” (1991 p. 35). Para mudá-la é preciso envolver as decisões político-administrativo-pedagógicas, os alunos e os professores, os auxiliares e os funcionários, os pais e os membros da comunidade. É preciso envolver o elemento hu¬mano, as pessoas e, através delas, mudar a cultura que se vive na escola e que ela própria inculca.
A escola inovadora é a escola que tem a força de se pensar a partir de si própria e de ser aquilo que mais adiante designarei por escola reflexiva. Neste tempo de descentralização, de autonomização e de responsabilização que estamos vivendo, algumas escolas têm conseguido fazê-lo com sucesso. A reflexão sobre essa temática e esses fenômenos leva-me a comentar 10 idéias que tentam traduzir o meu pensamento sobre urna escola de “cara mudada” e preparar o leitor para entender o conceito de escola reflexiva, título que escolhi para este capítulo e que figura no do próprio livro.

A Centralidade das Pessoas na Escola e o Poder da Palavra

Uma escola sem pessoas seria um edifício sem vida. Quem a torna viva são as pessoas os alunos, os professores, os funcionários e os pais que, não estando lá permanentemente, com ela interagem. As pessoas são o sentido da sua existência Para elas existem os espaços, com elas se vive o tempo. As pessoas socializam-se no contexto que elas próprias criam e recriam. São o recurso sem o qual todos os outros recursos seriam desperdício. Têm o poder da palavra através da qual se exprimem, confrontam os seus pontos de vista, aprofundam os seus pensamentos, revelam os seus sentimentos, verbalizam iniciativas, assumem responsabilidades e organizam-se. As relações das pessoas entre si e de si próprias com o seu trabalho e com a sua escola são a pedra de toque para a vivência de um clima de escola em busca de uma educação me¬lhor a cada dia.

Liderança, Racionalidade Dialógica e Pensamento Sistêmico

Por trás de escolas inovadoras tem-se revelado a existência de líderes, independentemente do nível em que se situam. Eles es¬tão no topo, nas estruturas intermédias e na base. Em uma esco¬la participativa e democrática como a que se pretende, a iniciativa é acolhida venha ela de onde vier, porque a abertura às idéias do outro, a descentralização do poder e o envolvimento de todos no trabalho_em conjunto_são reconhecidos com um imperativo e uma riqueza. Mecanismos de comunicação múlti¬pla permitem tomadas de decisão que resultam de estratégias e políticas interativamente definidas. Estas são enquadradas por uma visão globalizadora capaz de, como diz Mintzberg (1995),
ver simultaneamete em múltiplas direções. Mas também por um pensamento sistêmico, organizador da conceitualização e da ação, “a quinta disciplina”, na acepção de Senge (1990). Li¬derança, visão, diálogo, Pensamento e ação são os cinco pila¬res de sustentação de uma organização dinâmica, situada, responsavel e humana.

A Escola e o Seu Projeto Próprio

Fruto da consciência da especificidade de cada escola na ecologia
da sua comunidade interna e externa, assume-se hoje que cada escola desenvolva o seu próprio projeto educativo. Resultante da visão que a escola pretende para si própria, visão que se apóia na função da escola e é tanto mais comprometedora quanto maior for o nível de construção coletiva nela implicada, a missão específica de cada escola é definida, o seu projeto e delineado, os obje¬tivos e as estratégias para atingi-lo são conceitualizadas. A fim de que as boas intenções ultrapassem o mero ato de registro em pa¬pel, definem-se os níveis de execução, atribuem-se responsabilidade aos agentes envolvidos, delinea-se a monitorização que deve nortear todo o processo, incluindo a avaliação dos resulta¬s obtidos. E parte-se para a ação. Um projeto institucional específico implica margens de liberdade concedidas a cada escola sem que se perca a dimensão educativa mais abrangente, definida para a sua área geográfica, o seu país e o mundo.

A Escola Entre o Local e o Universal

Neste mundo globalizado em que vivemos, emerge em vários se¬tores sociocuiturais a consciência da especificidade e da particu¬laridade, como se quiséssemos proteger-nos de urna estandardi¬zação neutralizadora daquilo que nos é específico. Sem deixar de partilhar com as outras escolas do planeta a universalidade da sua dimensão instrutivo-educativa e socializante, cada escola tende a integrar-se e a assumir-se no contexto específico em que se insere, isto é, tende a ter uma dimensão local, a aproximar-se da comunidade. Mantem-se, porém, em contato com a aldeia global de que faz parte e partilha com todas as outras escolas do mundo a função de socialização que as caracteriza. Sem deixar de ser local, a escola é universal. As novas tecnologias da informação e da comunicação abrem vias de diálogo e oportunidades de culti¬var o universal no local.

A Educação para o e no Exercício da Cidadania

Entre as contradições da sociedade atual dá-se conta da competi¬tividade, do individualismo e da falta de solidariedade em um mundo que tanto se globalizou e aproximou as pessoas. Vive-se em alienação. Talvez se deva a isso mesmo a intensidade com que novamente se tem valorizado a educação para a cidadania. Já neste texto afirmei que a escola não pode colocar-se na posição de meramente preparar para a cidadania. Nela se tem de viver a cidadania, na compreensão da realidade, no exercício da liberdade e da responsabilidade, na atenção e no interesse pelo outro e no respeito pela diversidade, na correta tomada de decisões, no comprometimento com as condições de desenvolvimento humano, social e ambiental. Esta também é uma cultura a ser desenvolvida e assumida. Uma educação a ser feita a.partir da vida da escola.

Articulação Político-Administrativo¬ Currícular-Pedagógica

Na escola, as pessoas organizam-se para ensinar e educar, para aprender e ser educadas. Na educação formal, cruza-se um conjunto de vetores. Descartarei os políticos, os admistrativos, os curriculares e os pedagógicos. Se toda educação formal pressu¬põe uma política e exige um apoio administrativo, esses dois vetores devem coordenar-se com as dimensões curriculares e pe¬ dagógicas de tal maneira que não se trabalhe em compartímen¬tos estanques e obstaculizantes, mas em uma ambiência colabo¬rativa e facilitadora. Contudo, as estruturas curriculares e peda¬gógicas não podem ignorar totalmente as limitações que obrigam a que certas decisões políticas e administrativas tenham de ser tomadas. Mais uma vez, o diálogo entre as pessoas, o poder es¬clarecedor ou argumentativo da palavra e a aceitação do ponto de vista do Outro são essenciais à negociação, à compreensão, à aceitação.

O Protagonismo do Professor e o Desenvolvimento da Profissionalidade Docente

Se aceitamos o fato de que as pessoas são fundamentais na orga¬nização da escola, elas têm de protagonizar a ação que nela ocor¬re. Na escola todos são autores. Os alunos, os professores, os fun¬cionarios, os os pais ou os membros membros da comunidade envolvidos nas atividades da escola, todos têm um papel a ser desempenhado.
Porém, se os alunos passam pela escola, os professores ficam e acompanham o desenvolvimento da instituição. Por isso, e tam¬bém pelas responsabilidade que assumem, os professores são atores de primeiro plano. No passado recente, os professores têm sido mal compreendidos e mal olhados. Por isso, por vezes têm-se demitido das suas responsabilidades para com a escola e a socie¬dade. No entanto, assiste-se hoje a uma mudança também nesse aspecto (Alarcão, 1999). Por um lado, intensificam-se esforços na sociedade para que sejam desenvolvidas as condições necessárias ao exercício da profissão docente Por outro lado, os professores tomam consciência da sua própria profissionalidade e do seu poder e responsabilidade em termos individuais e coletivo. Importa assumir que a profissionalidade docente envolve dimensões que ultrapassam a mera dimensão pedagógica. Çomo ator social, o professor tem um papel a desempenhar na política educativa. No seio da escola, a sua atividade desenrola-se no cru¬zamento das interações politico-administrativo-curricular-peda¬gógicas.

O Desenvolvimento Profissional na Ação Refletida

O professor é um profissional da ação cuja atividade implica um conjunto de atos que envolvem seres humanos. Como tal, a racio¬nalidade que impregna a suma ação é unia racionalidade dialógica, imperativa e reflexiva na lógica do que acima se disse e como afir¬mam Garrido, Pimenta e Moura “na última década, a literatura sobre a formação do professor reflexivo tem-se deslocado de uma perspectiva excessivamente centrada nos aspectos metodológicos e curriculares para uma perspectiva que leva em consideração os contextos escolares” (2000, p. 92). E os mesmos autores conti¬nuam, salientando que as organizações escolares são “produtoras de práticas sociais, de valores, de crenças e de conhecimentos, movidas pelo esforço de procurar novas soluções para os proble¬mas vivenciados” (idem)._Acomplexidade dos problemas que hoje se colocam à escola não encontra soluções previamente trabalhadas e rotineiramente aplicadas. Exige; ao contrario, uma capacidade de leitura atempada dos acontecimentos e sua interpretação como meio de-encontrar a solução estratégica mais adequada para elas. Esse processo, pela sua complexidade, exige cooperação, olhares rnultidimensionais e uma atitude de investigação na ação e pela ação. Por outro lado, exige do professor a consciência de que a sua formação nunca está terminada e das chefias e do governo, a assunção do princípio da formação continuada. No entanto, tam¬bém lhe dá o reconforto de sentir que a profissão é para ele, com os outros, sede de construção de saber, sobretudo se a escola em que leciona for uma escola, ela própria, aprendente e, consequen¬ternente, qualificante para os que nela trabalham.

Da Escola em Desenvolvimento e Aprendizagem
à Epistemologia da Vida da Escola

Schón (1983, 1987) fala-nos da epistemologia da prática como o resultado do conhecimento que os profissionais constroem a partir da reflexão sobre as suas práticas. Considerando os professores com o Co-construtores da escola, acredito que a participação ativa e crítica na vida da instituição contribuirá para o desenvolvimento do conhecimento sobre a própria escola. Será assim a um conhecimento gerado na interação coma natureza e os problemas da escola que, a partir do que for específico de cada uma, poderá, de forma iluminativa ou comparativa, assumir por trans¬feribilidade um caráter de tendência global. Será uma epistemo¬logia da vida da escola desenvolvida a partir da co-construção reflexiva sobre a sua missão, as suas atividades e as conseqüências delas decorrentes.

Desenvolvimento Ecológico de uma Escola
em Aprendizagem

Se a escola como instituição não quiser estagnar, deve interagir com as transformações ocorridas no mundo e no ambiente que a rodeia. Deve entrar na dinâmica atual marcada pela abertura, pela interação e pela flexibilidade. Nesse processo, encontrará amigos críticos, desafios, propostas de colaborações. E nesse pro¬cesso se desenvolverá. Com efeito, as instituições, à semelhança das pessoas, são sistemas abcrtos. Estão cm permanente intera¬ção com o ambiente que as cerca, que as estimula ou condiciona, que lhes cria contextos de aprendizagem. Ao serem pró-ativas em sua interação, ajudam a sociedade a transformar-se, cumprindo assim um aspecto da sua missão.
Os comentários a essas 10 idéias conduzem ao esclarecimento do conceito nuclear deste capítulo: a escola reflexiva. É o que farei na próxima seção.

A ESCOLA REFLEXIVA

Tenho designado por escola reflexiva unia “organização (escolar) que continuadamente se pensa a si próprio, na sua missão social e na sua organização, e se confronta com o desenrolar da sua atividade em um processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo” (Alarcão, 200) a, b e c) Se, corno dizia Habermas, só o EU que se conhece a si proprio e_questiona, a si mesmo e capaz de aprende, de recusar tornar-se coisa e de obter a autonomia, eu diria que só a escola que se interroga sobre si própria se transformará em uma instituição autônoma e responsável, autonomizante e educadora. Somente essa escola mudará o seu rosto.
Uma escola assim concebida pensa-se no presente para se projetar no futuro. Não ignorando os problemas atuais, resolve¬-os por referência a uma visão que se direcione para a melhoria da educação praticada e para o desenvolvimento da organização. Envolvendo no processo todos os seus membros, reconhece o valor da aprendizagem que para eles daí resulta.
E uma escola que se assine como instituição educativa que sabe p que quer e para onde vai. Na observação cuidadosa da realidade social, descobre os melhores caminhos para desempenhar a missão que lhe cabe na sociedade. Aberta à comunidade exterior, dialoga com ela. Atenta a comunidade interior, envolve todos na construção do clima de escola, na definição e na realiza¬ção do seu projeto, na avaliação da sua qualidade educativa. Cons¬ciente da diversidade pessoal, integra espaços de liberdade na malha necessária de controes organizativos. Enfrenta as situa¬ções de modo dialogante e conceitualizador, procurando compre¬ender antes de agir.
Diante da mudança, da incerteza e da instabilidade que hoje se vive as organizações (e a escola é uma organização) precisam repensar, reajustar-se, recalibrar-se para atuar em ~ início deste capítulo, vimos como urge mudar a escola para lhe dar sentido e atualidade. Em uma organização com essas características, os seus membros não podem ser meramente treinados para executar decisões tomadas por outrem, não po¬dem ser moldados para a passividade, o conformismo, o destino acabado. Ao contrário, devem ser incentivados e mobilizados para a participação, a co-construção, o diálogo, a reflexão, a iniciativa, a experimentação. Uma organização inflexível, com uma estrutu¬ra excessivamente hierarquizada, silenciosa no diálogo entre se¬tores, cética em relação às potencialidades dos seus membros, descendentemente pensada em todas as suas estratégias estará fadada ao insucesso.
Pelo contrário, unia escola reflexiva, em desenvolvimento e aprendizagem ao longo da sua história, é criada pelo pensamento e pela prática reflexivos que acompanham o desejo de compreen¬der a razão de ser da sua existência, as características da sua identidade própria, os constrangimentos que a afetam e as poten¬cialidades que detém. Necessita ter uma visão partilhada do ca¬minho que quer percorrer e refletir-sistemática e cooperativamente sobre as implicações e as conseqüências da concretização dessa visão. Da visão sobre a própria escola deriva o seu projeto que conta com o empenho de cada um porque foi interativamente construído através do dialogo entre os seus membros, no entrelaçar de estratégias que vão do topo para a base e da base para o topo. Somente um pensamento entrategico permitirá manter a visão de conjunto e enquadrar, mio projeto global da escola, os projetos e as atividades complementares.
A minha convicção é de que, se quisermos mudar a escola, devemos assumi-la como organismo vivo, dinâmico, capaz de atuar em situação, de interagir e desenvolver-se ecologicamente e de aprender a construir conhecimento sobre si própria nesse processo.
Considerando a escola como um organismo vivo inserido cm um ambiente próprio, tenho pensado a escola como uma organi¬zação em desenvolvimento e em aprendizagem que, a semelhan¬ça dos seres humanos, aprende e desenvolve-se em interação.
Parafraseando Bronfenbrenner tenho dito que o desenvolvi¬mento institucional decorre da “interação mútua e progressiva entre, por um lado, uma organizção ativa, em constante cresci¬mento e, por outro lado, as propriedades sempre em transforma¬ção dos meios imediatos em que a organização se insere, sendo este processo influenciado pelas relações entre os contextos mais imediatos e os contextos mais vastos em que aqueles se integram” (Bronfenbrenner, 1979; Portugal, 1992, p. 37; itálicos meus para assinalar as alterações introduzidas no texto original que se refe¬re ao indivíduo).
O modelo bronfenbreniano do desenvolvimento humano pres¬supõe que o indivíduo seja influenciado por um conjunto de con¬textos interligados (micro, meso e macro), de impacto mais ou me¬nos remoto, em que o macro contexto, constituído pelas ideologias e pelos valores assumidos pelo ambiente sócio-político-cultural. exer¬ce nos outros contextos, mais próximos, uma enorme influência. O desenvolvimento humano é processado através do que o autor designa por transições ecológicas, caracterizadas pela assunção de novos papéis, pela realização de novas atividades e pela interação com novas pessoas. Corno resultado desses movimentos, ocorrem transições ecológicas e, em conseqüência, o indivíduo, mais desen¬volvido, vai revelando unia capacidade cada vez maior de compre¬ensão da realidade e de ação sobre essa própria realidade.
Se transpusermos esse modelo para o desenvolvimento instucional e examinarmos histórias de algumas instituições, facil¬mente reconheceremos que determinados contextos sócio-políti¬co-culturais possibilitariam (ou não) às instituições assumirem novos papéis, realizarem novas atividades e entrarem em novas interações, passando assim (ou não) por transições institucionais com conseqüências ao nível do seu desenvolvimento.
Todavia, para que isso aconteça, é preciso que a instituição tenha capacidade de ler os ambientes e de agir sobre os ambien¬tes. Por isso, a escola não pode fechar-se em si mesma, mas abrir¬-se e pensar-se estratégica e educadamente. Tem se falado muito sobre o pensamento estratégico das organizações só que nesse pensamento tem-se muitas vezes esquecido a dimensão ética, valorativa, humana, interpesoal. Em uma escola, ela não pode estar ausente.

A ESCOLA REFLEXIVA NO ENQUADRAMENTO DOS
NOVOS PARADIGMAS ORGANIZACIONAIS

Nos demais capítulos desse livro, abordam-se novas tendências que podem ser observadas nos paradigmas de formação, de orga¬nização e gestão curriculares e de investigação, bem como no paradigma do exercício profissional. Contudo, hoje também assistimos a mudanças nos paradigmas organizacionais.
Um conjunto de fatores como o desenvolvimento tecnológi¬co, a globalização, a competitividade do mercado, o efêmero interesse pelo produto instalado em uma sociedade de consumo levaram as organizações empresariais e industriais a conceitualizar estratégias para enfrentar os grandes desafios que passaram a ser colocados a elas. Curiosamente, esse movimento veio pôr em destaque a relevância das pessoas como o maior dos recursos. Percebeu-se a importância da sua formação, da atualização, dos seus conhecimentos, do desenvolvimento das suas capacidades, do seu potencial de trabalho em equipe, da participação ativa como motivação mobilizadora. A participação nas decisões, o di¬reito a palavra, a capacidade de rcsponsabilização e avaliação foram assumidos como imprescindíveis o desenvolvimento científico dos conhecimentos sobre gestão permitiu sistematizar um conjunto de características próprias de uma organização dinâmica, aberta, flexível e, como afirma Senge (1990), “aprendente”.
Algumas das reflexões feitas por mim nos pontos anteriores são reveladoras de novas concepções no modo como as escolas, são geridas, mas nos traços que acabo de descrevem é possível encontrar algumas semelhanças relativamente às organizações empresariais e a sua necessidade de transformarem-se cio organizações aprendentes. Descartarei a importância dos recursos huma¬mos, o desenvolvimento orientado por uma visão prospectiva e um projeto de ação a colaboração dialogante, a articulação sistêmica, a vivência dos valores, o profissionalismo assumido, a formação na ação e para a ação, a investigação sobre as práticas, a construção de conhecimento sobre a organização, a monitorização e a avaliação de processos e resultados. Com efeito, como afirma Santiago “as organizações educativas são, por excelência, temas de aprendizagem organizacional, se atendermos à qualificação e autonomia dos seus profissionais, à sua ligação permanente ao conhecimento, à centralidade das relações interpessoais e intergrupais nos seus processos de trabalho e às finalidades educativas e sociais que estão na base da sua legitimação pela sociedade” (2001, p. 38). Em artigo anterior (Alarcão, 2001 a), em que comecei a conceitualizar a escola reflexiva, eu própria assumi estar construindo o meu pensamento a partir de contribuições de autores como Senge e Mintzberg, aos quais associei contribuições oriundas do conhecimento desenvolvido sobre a formação profissional, nomeadamente Schõn, e sobre o desen¬volvimento humano, tendo-me, neste ultimo caso, inspirado em Bronfenbrenner.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALARCÃO,I. Profissionalização docente em construção. in: Anais do segundo congresso Internacional sobre formação de Professores nos Países de I.íngua e Expressão Portuguesa . Porto Alegre: Edições UI.BRA, 1999. p. 109.118.
________Do olhar supervisivo ao olhar sobre a supervisão. in: RANGEI., M. (org.)Supervissão pedagógica. Princípios e práticas. Campinas: Papirus editora, 2001 a, p.11-55.

O PLANEJAMENTO EM EDUCAÇÃO: REVISANDO CONCEITOS PARA MUDAR CONCEPÇÕES E PRÁTICAS
Maria Adelia Teixeira Baffi Petrópolis, 2002.
Pedagoga - PUC-RJ. Mestre em Educação - UFRJ Doutoranda em Pedagogia Social - UNED Profª Titular - FE/UCP




Para referência desta página:

BAFFI, Maria Adelia Teixeira. O planejamento em educação: revisando conceitos para mudar concepções e práticas. In.: BELLO, José Luiz de Paiva. Pedagogia em Foco, Petropólis, 2002. Disponível em: . Acesso em: dia mes ano.


Aprender sonhando
Projetar é sonhar, garante o educador Nilbo Nogueira. Afinal, tem coisa melhor que planejar e pôr em prática, na sala de aula, atividades de acordo com seus gostos e interesses? Mas não basta sonhar sozinho. Para ele, trabalhar com projetos deve ser uma criação coletiva da coordenação, dos professores e, principalmente, dos alunos.
Esperando a professora dizer com que cor pintar o céu. Parece piada, mas é assim que o educador Nilbo Nogueira define o sentimento de muitos alunos nos processos tradicionais de ensino-aprendizagem. Especialista em projetos educacionais, ele não titubeia em apontar o fim da passividade em favor da interação como principal vantagem dos projetos. Se dependesse só de sua vontade, alunos passivos e professores ditando regras já seriam artigos de museu.
Mas tal conquista não é fácil, admite. "Os alunos ainda não estão acostumados com a autonomia (...) a sensação é de que estão perdidos, pois não existe, no projeto, o professor dirigindo". Para ele, a questão é tão séria que, em vez de ir pondo planejamento, execução e avaliação de projetos onde antes havia aulas e provas, ele recomenda cautela e uma regrinha básica: é preciso que fique muito claro para os alunos o que é um projeto e qual o seu papel dentro dele.
E se os alunos não se sentirem motivados a participar? "Duvido que eles prefiram ficar passivos dentro da sala de aula copiando textos do quadro-negro", desafia de pronto. Segundo ele, o problema é outro. Para explicar o papel do aluno, é preciso primeiro que os professores entendam seu próprio papel nessa dinâmica. Ele lamenta que ainda haja educadores que resistam aos projetos, "achando que a escola está arrumando mais serviço para eles".
Para Nilbo, cabe ao professor apenas e tão somente mediar e facilitar as etapas do projeto. Quem interage e trabalha, na verdade, são os alunos. Segundo ele, às vezes o equívoco é tão grande que "alguns professores estão praticando a dinâmica de projetos em sala de aula solicitando a seus alunos atividades planejadas por eles ou pela coordenação pedagógica da escola". "Alguns esquecem que projetar é sonhar e que ninguém pode realizar o sonho do outro", conclui.
Na entrevista a seguir, Nilbo Nogueira fala da necessidade de superar os modismos e mal-entendidos que envolvem os projetos e cita a Internet como um instrumento capaz de potencializar pesquisas, interações e trocas de informações para além dos muros da escola. A propósito, o Portal Educacional acaba de lançar o Concurso NetBrasil 2002, que vai premiar dois projetos educacionais que usarem a Internet com essa finalidade.

Qual a principal vantagem em se trabalhar por meio de projetos educacionais?
Impossível pensar o processo de ensino-aprendizagem sem múltiplas interações. O ensino formal, em que o aluno não participa e não interage em seu processo de construção do conhecimento, é algo mais do que questionável atualmente. Dessa forma, podemos citar, dentre várias vantagens dos projetos, a mais importante, que é a troca da passividade do aluno pela interação. Os projetos, com certeza, parecem suprir essa necessidade de fazer com que o aluno rompa com sua passividade e interaja de diferentes maneiras em todas as etapas de sua execução.
Existem regras básicas que devem fazer parte de qualquer projeto, independentemente do tema tratado?
Acredito que sim. De certa forma, nossos alunos ainda não estão acostumados com a autonomia, e, nos projetos, precisamos trabalhar com essa questão. Se não estabelecermos como primeira regra contar aos nossos alunos o que é um projeto e como se trabalha com o ato de projetar, eles terão a sensação de que estão "perdidos", pois não existe, no projeto, o professor dirigindo e ditando as tarefas, as atividades, a cor da caneta, a forma da maquete, o tipo de cartaz, etc. Entendido primeiramente o que é um projeto e qual o seu papel dentro dessa dinâmica, as regras seguintes são aquelas relacionadas às etapas de um projeto, que são norteadoras para seu planejamento, execução, depuração, apresentação e avaliação.
A interdisciplinaridade ou a multidisciplinaridade é um requisito essencial de qualquer projeto?
Seria se todos os projetos fossem interdisciplinares. Na prática, um projeto pode iniciar com apenas um professor de uma única disciplina tratando de um determinado conteúdo programático. No decorrer do projeto, conforme interesses e necessidades, outros professores e outras disciplinas podem interagir com o projeto em questão e, dependendo da forma, a multi ou a interdisciplinaridade poderão acontecer espontaneamente. De nada adianta a escola estabelecer como tema único para todas as séries e professores que o projeto desse bimestre será "Brasil 500 Anos" (ainda bem que já acabou esse modismo); um tema único de um projeto para toda escola não garantirá necessariamente a prática da interdisciplinaridade. Já presenciei inúmeros projetos que iniciaram em uma única disciplina e depois abrangeram outras, por necessidade e interesse de alunos e professores, assim como projetos de temas únicos em escolas que pretendiam praticar a interdisciplinaridade e, no final, cada professor trabalhou o tema de forma isolada.
Qual a relação entre projetos e temas transversais?
Embora isso não seja uma regra, os projetos, na prática, têm ocorrido em um determinado período letivo. Por exemplo: no primeiro bimestre ou no segundo semestre, etc. Dessa forma, um projeto temático não vai contemplar necessariamente o ano letivo inteiro. Quando nos referimos aos temas transversais, esperamos que, na prática, esse tema seja abordado, se possível, durante todo o ano letivo e por todos os professores. Espera-se que essa abordagem seja realizada pelos professores de forma sutil, incorporada ao seu conteúdo. Não podemos imaginar um tema transversal sendo tratado como um "caroço", ou seja, no meio do conteúdo, o professor dá uma parada, trata do tema transversal e depois volta a falar de seu conteúdo novamente, sem estabelecer nenhum tipo de relação. Fazendo uma metáfora, podemos imaginar uma disciplina como um bolo em que os conteúdos são seus ingredientes: a farinha, os ovos, etc. não aparecem isoladamente, mas sim na composição da massa. Imagine agora comer um bolo e encontrar um "caroço" de farinha! O tema transversal tratado de forma isolada do conteúdo tem essa mesma característica do "caroço" de farinha. Juntando essas situações, poderíamos questionar: é possível trabalhar os temas transversais com projetos? E a resposta seria sim, desde que contemplássemos as questões da forma (projeto) com a necessidade de abordagem (transversal).
Que conselhos o senhor daria ao professor que resiste a trabalhar com projetos e a quem está aderindo a esse trabalho pela primeira vez?
Não imaginar que o projeto é mais uma atividade que ele vai ter de fazer como tantas outras e que a escola está arrumando mais serviço para ele. No projeto, o professor não terá mais serviço, pois quem na realidade deve interagir e trabalhar são os alunos. O professor simplesmente deverá orquestrar essa atividade, mediando e facilitando suas etapas. Àquele professor que resiste a trabalhar com projeto, achando que terá mais serviço, eu aconselho estudar um pouco mais sobre o que é realmente um projeto, pois só assim perceberá que não é essa a proposta. Muitos resistem por causa dos conteúdos. Aconselho, nesses casos, que pensem então em trabalhar os conteúdos com projetos ou projetos dos conteúdos. Particularmente, acho que a resistência maior está no desconhecido e também na necessidade de ser mais flexível, já que é impossível trabalhar com projetos de forma rígida e inflexível. Num projeto, estamos abertos a tudo, pois projetar é uma referência ao futuro, que, em muitos casos, ainda é desconhecido.
Que atitude (ou mudança de atitude) o professor deve ter ao assumir um projeto?
Ele deve simplesmente ser mediador e facilitador de todas as etapas de um projeto. Nessa dinâmica, ele não dita regras nem conteúdos, mas, sim, orquestra a projeção de seus alunos.
Como encaixar o trabalho com projetos no cronograma apertado e no currículo rígido das escolas?
É difícil resolver essa questão, mas não impossível. Então, resta-nos questionar a forma de trabalho com esses conteúdos, bem como a real necessidade de alguns tópicos desses. De nada adianta ter um conteúdo programático "apertado" e o aluno aprender pouco de muito, ao passo que poderia aprender muito de pouco. Questiono particularmente não os conteúdos, mas, sim, a forma como são tratados. Tomando como referência os PCNs, verificamos que os conteúdos devem ser trabalhados de forma conceitual, procedimental e atitudinal. Na prática, o professor domina bem a forma de ministrar seus conteúdos conceitualmente. Mas como está trabalhando estes de forma procedimental e atitudinal? Uma boa saída para esses casos são os projetos, já que, ao projetar, os alunos demonstram atitudes e, ao executá-lo, trabalham com procedimentos.
Como despertar o interesse dos alunos se eles já estiverem acostumados à rotina de classes e disciplinas?
Começando aos poucos e devagar, de forma que eles rompam com esses "vícios" adquiridos. No primeiro momento, é complicado trabalhar com autonomia com quem sempre esperou a professora dizer de que cor era para pintar o céu. Volto a relembrar a regra básica que já mencionei, que é contar ao aluno o que é um projeto e como se trabalha com um projeto. Entendido qual é a proposta, duvido que eles prefiram ficar passivos dentro da sala de aula copiando textos e mais textos do quadro-negro do que trabalhar com autonomia, planejando e realizando aquilo que têm vontade e pelo que têm interesse.
É necessário haver classes específicas para os projetos? Ou, pouco a pouco, os projetos acabarão substituindo o ensino baseado em disciplinas?
Existe o ideal e o real. Hoje, o real é conseguir trabalhar com projetos dentro das disciplinas, junto com os conteúdos, e durante as aulas regulares. Espero que um dia consigamos chegar ao ideal, ou seja, o projeto englobando as disciplinas de forma integrada, sem haver a fragmentação das diferentes áreas do conhecimento. Algumas escolas já possuem uma "disciplina" chamada Projeto, que media todas as propostas das diferentes disciplinas. Aparentemente, o resultado parece ser interessante.
Como avaliar um projeto?
Existe a avaliação do projeto e das aquisições de conteúdos. Ao término da apresentação do projeto, considero como etapa final a avaliação, que na prática é uma sessão, mediada pelo professor, em que cada aluno faz sua auto-avaliação e autocrítica e, posteriormente, avalia e critica (com sugestões) os demais projetos. Como ferramenta de avaliação, podemos utilizar um "processofólio", que é uma pasta em que cada aluno registra todas as ações, descobertas, planejamentos, atividades, rascunhos, interesses, etc. Esse instrumento acaba sendo um registro passo a passo de todo o processo do projeto em questão, bem como o registro da evolução que ocorreu durante a seqüência de realização dos diferentes projetos.
Pode-se dizer que um trabalho exclusivamente por projetos é mais eficaz?
Difícil afirmar isso. Mesmo sendo um apaixonado e partidário da utilização dos projetos, tenho de reconhecer que existem outras possibilidades de interação dos alunos e outros processos que auxiliam na aprendizagem. Posso afirmar, sem sombra de dúvidas, que os projetos são uma das formas eficazes.
Na sua opinião, a Internet pode ajudar a execução de projetos? Como?
Pode e muito. Da mesma forma que trabalhamos com projetos em um espaço real de aprendizagem, também podemos trabalhar em um espaço virtual (ciberespaço) de aprendizagem. Os mesmos projetos que realizavam atividades em papel, isopor, cartolina, utilizando tintas, encenações, entrevistas gravadas em vídeo, etc., podem ser trabalhados com produção de documentos na Web. A diferença é que a apresentação final não necessariamente ocorrerá no espaço real (da escola), mas sim no ciberespaço, por meio de sites e home pages. Acho que a Internet não está sendo utilizada em todo o seu potencial. Muitos ainda a encaram como fonte de pesquisa e coleta de informações, esquecendo-se do rico arsenal de ferramentas de comunicação que podem propiciar um trabalho cooperativo. Dessa forma, os projetos podem ser trabalhados além das paredes da escola e por grupos distintos de diferentes regiões. Lentamente, as coisas estão caminhando para um trabalho no ciberespaço e, conseqüentemente, na colaboração da construção de uma inteligência coletiva. Percebe-se a preocupação de muitos professores em desvendar esses novos "mistérios". Particularmente, tenho presenciado isso em uma das disciplinas (Internet Pedagógica) que leciono num curso de pós-graduação.
É válido que o professor recorra a projetos sugeridos em revistas ou sites, adaptando-os à realidade dos alunos, mesmo que ele tenha dúvidas sobre como criar projetos próprios?
Não acredito que modelos copiados surtam efeito de projetos, mas, sim, de atividades e tarefas solicitadas aos alunos. Para o professor que nunca trabalhou com projeto, admito até a possibilidade de copiar e utilizar uma ou duas vezes um "modelo", mas a partir disso, vejo a necessidade de trabalhar na criação de projetos de forma coletiva, principalmente com seus alunos. Se projetar é sonhar, fica, então, a pergunta: Como poderei realizar "sonhos" de terceiros?
Sobre essas adaptações, um mesmo projeto pode se aplicar a todas as idades, apenas variando o grau de dificuldade, como sugeriu Brunner em seu "currículo espiral"?
Sim. Acredito que as adaptações de intensidade sobre um mesmo tema são fundamentais. Mas acho que proposto o tema e perguntado aos alunos quais seriam suas vontades, necessidades, interesses, etc., eles mesmo acabarão norteando a profundidade e abrangência do projeto. Dessa forma, creio que um tema único pode ser aplicado a diferentes faixas etárias, pois, em cada uma delas, surgirão naturalmente os diferentes interesses, variando conforme suas necessidades sobre a problemática proposta.
Muitos professores já fazem projetos sem saberem que o estão fazendo, outros o fazem apenas no papel (muitas vezes são obrigados a fazer). Qual a mudança necessária na formação de professores para que a pedagogia de projetos realmente faça parte da rotina de nossas escolas?
Para se praticar a dinâmica de trabalho com projetos, é necessário previamente estudar, ler e entender essa proposta de atuação em sala de aula. Acho que a falta de entendimento e compreensão está levando alguns professores à pratica de um modismo. Alguns professores estão praticando a dinâmica de projetos em sala de aula de forma equivocada, solicitando a seus alunos atividades planejadas por eles ou pela coordenação pedagógica da escola. Alguns esquecem que projetar é sonhar e que ninguém pode realizar o sonho do outro. Se for para sonhar na escola, que seja, então, um sonho coletivo da coordenação, dos professores e também dos alunos, pois, se não for dessa forma, os alunos estarão apenas realizando atividades que alguém propôs. Nesse caso, não estaremos trabalhando com projetos, estaremos apenas utilizando modelos e brincando de projetar.













































Instituto Paulo Freire
Programa de Educação Continuada
Eixos norteadores


A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96) contempla o princípio da gestão democrática (Art. 3º, VIII) e atribui às escolas a elaboração do seu projeto pedagógico (Art. 12, I). A concretização desses princípios implica na reelaboração e implementação do Regimento Escolar que deve estar em consonância com as novas mudanças (Art. 88, § 1º).
A Lei 9394, assim como as novas normas regimentais, aponta-nos a necessidade da participação dos diversos segmentos no processo educativo (Art. 14, II). Na ótica do Planejamento Socializado Ascendente, as determinações daquela Lei são ampliadas na medida em que se garante o envolvimento de toda a comunidade interna e externa à escola, num movimento descentralizado e ascendente, tendo em vista a definição de políticas educacionais em nível municipal, estadual e nacional, a partir das necessidades da população a que se destina a escola pública.
As normas regimentais básicas para as escolas do Estado de São Paulo indicam os principais eixos do Regimento de cada estabelecimento de ensino: gestão democrática (Título II), currículo (Título IV), avaliação (Título III), equipe técnico-pedagógica (Título V) e vida escolar (Título VI)
Além desses eixos norteadores, a LDB indica alguns temas correlatos: "proposta pedagógica", "projeto pedagógico" e "plano escolar". A expressão "proposta pedagógica" (Art. 12) sugere que a escola pode ter várias propostas (uma para o diurno, outra para o noturno, uma para cada disciplina etc.) que se complementam num único "projeto pedagógico".
O projeto é mais amplo do que a proposta. Pode haver uma pluralidade de propostas complementares de um único projeto. Entende-se como Projeto Pedagógico o processo que orientará toda a ação educativa da escola, definido a partir do conhecimento da realidade local, que poderá ser obtido através da Etnografia, tendo em vista as necessidades e expectativas da comunidade onde a escola está inserida.
O Regimento, por sua vez, é o conjunto de normas que define a organização e o funcionamento dos estabelecimentos de ensino e regulamenta as relações entre os diversos participantes do processo educativo. Conforme reiteramos no final deste documento, ele deve ser claro, objetivo e expressar as diretrizes do projeto pedagógico.
Alguns temas perpassam a construção do Regimento Escolar. É imprescindível que todos conheçam as concepções que embasam cada um de seus aspectos (currículo, avaliação, gestão democrática etc.) a fim de que o Regimento esteja coerente com o projeto político-pedagógico da escola e contribua para a sua consolidação.
Quando falamos em currículo, muitas vezes limitamos a questão à discussão da grade curricular, da carga horária das disciplinas e de tópicos de conteúdos. Coerente com essa concepção de currículo, há uma prática pedagógica que se limita à cópia de livros didáticos e de conteúdos já estabelecidos. O professor, neste caso, torna-se mero reprodutor do conhecimento sistematizado.
Numa outra perspectiva, na qual se insere Paulo Freire, o currículo é entendido de forma mais ampla, como uma prática social humanista, científica, crítica e libertadora, que visa à transformação social. Fazem parte dele todas as ações e relações desenvolvidas pela escola, que, nesta concepção, é vista como local privilegiado de recepção e irradiação da cultura da comunidade e da humanidade.
Esta concepção de currículo vê a escola em constante movimento, de maneira dinâmica, como resultado de um processo social e histórico, portanto sujeita a reorientação freqüente. Ela exige participação de todos os agentes produtores do conhecimento, em diálogo permanente, porque concebe o conhecimento como resultado das relações que o homem estabelece com o mundo e consigo mesmo buscando a satisfação de suas necessidades. Reconhece que o conhecimento se constrói não só pela razão, mas pela emoção e afetividade. Ele exige a constante relação entre conteúdos e realidade, procurando fazer com que aqueles desvelem esta, expliquem-na, capacitando os educandos à intervenção e à mudança social.
A avaliação é outro elemento importantíssimo a ser considerado na construção do Regimento. O ato de avaliar envolve um juízo de valor e a definição de critérios referenciais do que avaliar e o que fazer com o resultado da avaliação.
A avaliação classificatória tem como referencial a aquisição de conteúdos seqüenciados em pré-requisitos. O que está em questão, nesse tipo de avaliação, não é o aluno, mas o que estava previsto para ser avaliado.
A avaliação diagnóstica preocupa-se, fundamentalmente, com o aluno. O processo de ensino aprendizagem é contínuo, exigindo a retomada do que não foi aprendido. Nessa concepção, o referencial básico não são os conteúdos ou metas definidos previamente, mas a superação das dificuldades encontradas pelos alunos durante o processo de ensino-aprendizagem.
A avaliação dialógica, numa perspectiva freireana, não possui o caráter punitivo que caracteriza a avaliação numa concepção bancária e burocrática da escola. O funcionamento da escola democrática, a partir de uma estrutura colegiada, exige novas formas de avaliação. Ela deverá ser necessariamente "dialógica", tanto interna quanto externamente. Internamente, pois, se ela pode estabelecer seus objetivos é ela que deve avaliar se está, ou não, atingindo-os. Externamente, isto é, nas relações que mantém com a comunidade, com a Delegacia de Ensino e com a Secretaria de Educação. A avaliação dialógica é transdisciplinar, isto é, considera o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos e alunas na pluralidade integrada das disciplinas do currículo escolar como um todo.
Se a escola pode introduzir a "progressão continuada" não reprovando entre as séries intermediárias dos diversos ciclos e níveis de ensino; se ela pode introduzir um sistema de "progressão parcial", isto é, promover o aluno com "dependências" em até 3 disciplinas; se ela pode introduzir um sistema de "compensação de ausências" por outros trabalhos; se ela pode reclassificar os alunos segundo a sua competência, ela terá um grau de responsabilidade cada vez maior que exigirá dela uma compreensão nova da forma de avaliação. É urgente, portanto, que repense seu sistema de avaliação, suas formas de registro, de acesso a esses registros por parte dos interessados, da discussão do resultado dessas avaliações sob a perspectiva da mudança etc.
Ensino e educação de qualidade (?)

José Manuel Moran
Há uma preocupação com ensino de qualidade mais do que com a educação de qualidade. Ensino e educação são conceitos diferentes. No ensino se organizam uma série de atividades didáticas para ajudar os alunos a que compreendam áreas específicas do conhecimento (ciências, história, matemáticas). Na educação o foco, além de ensinar, é ajudar a integrar ensino e vida, conhecimento e ética, reflexão e ação, a ter uma visão de totalidade. Fala-se muito de ensino de qualidade. Muitas escolas e universidades são colocadas no pedestal, como modelos de qualidade. Na verdade, em geral, não temos ensino de qualidade. Temos alguns cursos, faculdades, universidades com áreas de relativa excelência. Mas o conjunto das instituições de ensino está muito distante do conceito de qualidade.
O ensino de qualidade envolve muitas variáveis:
• Organização inovadora, aberta, dinâmica. Projeto pedagógico participativo.
• Docentes bem preparados intelectual, emocional, comunicacional e eticamente. Bem remunerados, motivados e com boas condições profissionais.
• Relação efetiva entre professores e alunos que permita conhecê-los, acompanhá-los, orientá-los.
• Infraestrutura adequada, atualizada, confortável. Tecnologias acessíveis, rápidas e renovadas.
• Alunos motivados, preparados intelectual e emocionalmente, com capacidade de gerenciamento pessoal e grupal.
O ensino de qualidade é muito caro, por isso pode ser pago por poucos ou tem que ser amplamente subsidiado e patrocinado.
Poderemos criar algumas instituições de excelência. Mas a grande maioria demorará décadas para evoluir até um padrão aceitável de excelência.
Temos, no geral, um ensino muito mais problemático do que é divulgado. Mesmo as melhores universidades são bastante desiguais nos seus cursos, metodologias, forma de avaliar, projetos pedagógicos, infra-estrutura. Quando há uma área mais avançada em alguns pontos é colocada como modelo, divulgada externamente como se fosse o padrão de excelência de toda a universidade. Vende-se o todo pela parte e o que é fruto as vezes de alguns grupos, lideranças de pesquisa, como se fosse generalizado em todos os setores da escola, o que não é verdade. As instituições vendem externamente os seus sucessos - muitas vezes de forma exagerada - e escondem os insucessos, os problemas, as dificuldades.
Temos um ensino em que predomina a fala massiva e massificante, um número excessivo de alunos por sala, professores mal preparados, mal pagos, pouco motivados e evoluídos como pessoas.
Temos bastantes alunos que ainda valorizam mais o diploma do que o aprender, que fazem o mínimo (em geral) para ser aprovados, que esperam ser conduzidos passivamente e não exploram todas as possibilidades que existem dentro e fora da instituição escolar.
A infra-estrutura costuma ser inadequada. Salas barulhentas, pouco material escolar avançado, tecnologias pouco acessíveis à maioria.
O ensino está voltado, em boa parte, para o lucro fácil, aproveitando a grande demanda existe, com um discurso teórico (documentos) que não se confirma na prática.. Há um predomínio de metodologias pouco criativas; mais marketing do que real processo de mudança.
É importante procurar o ensino de qualidade, mas conscientes de que é um processo longo, caro e menos lucrativo do que as instituições estão acostumadas.
Nosso desafio maior é caminhar para uma educação de qualidade, que integre todas as dimensões do ser humano. Para isso precisamos de pessoas que façam essa integração em si mesmas do sensorial, intelectual, emocional, ético e tecnológico, que transitem de forma fácil entre o pessoal e o social. E até agora encontramos poucas pessoas que estejam prontas para a educação com qualidade.















































PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO
O perfil profissional do formando no Projeto Pedagógico

Maria Adelia Teixeira Baffi Mestre em Educação - UFRJ
Doutoranda em Pedagogia Social - UNED Professora Titular FE/UCP
Petrópolis, 2002

Para definir o perfil do profissional a ser formado necessitamos, antes de mais nada, de um referencial, ou seja, um conjunto de critérios ou parâmetros que utilizamos para julgar se algo está bem ou não. Alguns autores que tratam do planejamento, como por exemplo Moacir Gadotti, falam simplesmente em referencial, mas outros, como Danilo Gandin, distinguem nele três marcos: situacional, doutrinal e operativo.

"A construção do marco situacional do Projeto Pedagógico de uma Instituição de Ensino Superior (IES) envolve, antes de mais nada, a identificação dos desafios que, no mundo de hoje e no País, ou na região, se colocam para os profissionais de nível superior, em geral, e para uma determinada profissão, em particular". Trata-se de desafios e não somente de demanda de mercado, pois é a partir dos primeiros é que podemos desenhar o perfil do profissional para cuja formação o projeto pedagógico está sendo elaborado (Salgado, 2001, p. 21).
Como identificar os desafios? Os recursos são múltiplos, pois vão desde análises de literatura técnica até estudos de campo, envolvendo a instituição, seu raio de influência, empregadores, profissionais bem sucedidos, ex-alunos. Uma boa técnica é o grupo focal, visto que, em curto espaço de tempo, podemos obter muitas informações.
No marco situacional inclui também a análise da instituição, tendo em conta a sua história, o papel que desempenha na região, o seu prestígio, o desempenho profissional de seus egressos.

Para definir o perfil do formando não basta refletir sobre o contexto situacional, mas é necessário deixar claro o que diz respeito ao marco doutrinal. Trata-se de explicitar os pressupostos teóricos-metodológicos, envolvendo concepções de educação, ensino, aprendizagem, avaliação, currículo, interdisciplinaridade, definição teórica da prática profissional. Portanto, a partir desses passos iniciais é que podemos pensar em traçar o perfil do futuro profissional.

Ora, falamos em três marcos e qual é a função do marco operacional? O nome já está sugerindo o seu significado. Assim, temos: marco situacional implica reflexão sobre "a realidade, o contexto da instituição e da profissão considerada; marco doutrinal cuida dos pressupostos teóricos ligados à educação e ao campo profissional em pauta" e o marco operativo é o responsável pela ligação entre os dois marcos anteriores, explicitando os rumos a serem tomados. "Marco operativo é, pois, o conjunto de diretrizes a serem seguidas na formulação do projeto; define o que vai e o que não vai ser valorizado, o que ficará dentro ou fora do projeto pedagógico" (Salgado, 2001, p. 36).

O que explicamos até o momento diz respeito ao primeiro elemento do projeto pedagógico, isto é, o referencial. Os demais componentes são: levantamento sistemático e detalhado da realidade institucional, tendo em vista o diagnóstico. Cabe esclarecer que levantamento da realidade institucional não deve ser confundido com diagnóstico, pois este se vale dos levantamentos, "mas vai além deles, fazendo um julgamento da realidade, com base no referencial previamente construído". Diagnóstico é um juízo e não apenas um levantamento da realidade existente (Salgado, 2001, p. 53)

Após as etapas anteriores é que vamos fazer a programação, elaborando a proposta curricular (que corresponde grande parte do projeto pedagógico) do curso em pauta, bem como o processo de implementação, acompanhamento/avaliação.

REFERÊNCIAS:
Salgado, M. U. C. Projeto Pedagógico: significado e processo. Belo Horizonte: EdiTAU, 2001.


Para referência desta página: BAFFI, Maria Adelia Teixeira. O perfil profissional do formando no Projeto Pedagógico. In.: BELLO, José Luiz de Paiva. Pedagogia em Foco, Rio de Janeiro, 2002.
Disponível em: . Acesso em: dia mes ano.







































PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO
Projeto Pedagógico: um estudo introdutório

Maria Adelia Teixeira Baffi Mestre em Educação - UFRJ
Doutoranda em Pedagogia Social - UNED Professora Titular FE/UCP

Petrópolis, 2002

Vivemos a época da "cultura de projeto" em nossa sociedade, onde as condutas de antecipação para prever e explorar o futuro fazem parte de nosso presente. Essa influência do futuro sobre nossas adaptações cotidianas só faz sentido se o domínio que tentamos desenvolver sobre os diferentes espaço cumpre a função de melhorar as condições de vida do ser humano. Portanto, foi a partir desse pensar inicial que surgiu este texto, com o objetivo de melhor compreender o significado e o processo do projeto pedagógico.
Partindo do óbvio, como sugere Gadotti (2001), a palavra projeto vem do verbo projetar, lançar-se para frente, dando sempre a idéia de movimento, de mudança. A sua origem etimológica, como explica Veiga (2001, p. 12), vem confirmar essa forma de entender o termo projeto que "vem do latim projectu, particípio passado do verbo projecere, que significa lançar para diante". Na definição de Alvaréz (1998) o projeto representa o laço entre presente e futuro, sendo ele a marca da passagem do presente para o futuro. Para Fagundes (1999), o projeto é uma atividade natural e intencional que o ser humano uti1iza para procurar solucionar problemas e construir conhecimentos. Alvaréz (op cit) afirma que, no mundo contemporâneo, o projeto é a mola do dinamismo, se tomando em instrumento indispensável de ação e transformação.
Boutinet (2002), em seu estudo sobre a antropologia do projeto, explica que o termo projeto teve seu reconhecimento no final XVII e a primeira tentativa de formalização de um projeto foi através da criação arquitetônica, com o sentido semelhante ao que nele se reconhece atualmente, apesar da marca do pensamento medieval "no qual o presente pretende ser a reatualização de um passado considerado como jamais decorrido" (p. 34).
Na tentativa de uma síntese, pode-se dizer que a palavra projeto faz referência a idéia de frentes um projetar, lançar para, a ação intencional e sistemática, onde estio presentes: a utopia concreta/confiança, a ruptura/continuidade e o instituinte/instituído. Segundo Gadotti (cit por Veiga, 2001, p. 18),
Todo projeto supõe ruptura com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma estabilidade em função de promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores.

E o projeto com a qualificação de pedagógico, qual é o seu significado? De repente, em meados da década de 90, a idéia de projeto pedagógico vem tomando corpo no discurso oficial e em quase todas as instituições de ensino, espalhadas nesse imenso Brasil. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/94), em seu artigo 12, inciso I, prevê que "os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terno a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica", deixando explícita a idéia de que a escola não pode prescindir da reflexão sobre sua intencionalidade educativa. Assim sendo, o projeto pedagógico passou a ser objeto prioritário de estudo e de muita discussão.
Para André (2001, p. 188) o projeto pedagógico não é somente uma carta de intenções, nem apenas uma exigência de ordem administrativa, pois deve "expressar a reflexão e o trabalho realizado em conjunto por todos os profissionais da escola, no sentido de atender às diretrizes do sistema nacional de Educação, bem como às necessidades locais e específicas da clientela da escola"; ele é "a concretização da identidade da escola e do oferecimento de garantias para um ensino de qualidade". Segundo Libâneo (2001, p. 125), o projeto pedagógico "deve ser compreendido como instrumento e processo de organização da escola", tendo em conta as características do instituído e do instituinte. Segundo Vasconcellos (1995), o projeto pedagógico
é um instrumento teórico-metodológico que visa ajudar a enfrentar os desafios do cotidiano da escola, só que de uma forma refletida, consciente, sistematizada, orgânica e, o que é essencial, participativa. E uma metodologia de trabalho que possibilita resignicar a ação de todos os agentes da instituição (p. 143).

Para Veiga (1998), o projeto pedagógico não é um conjunto de planos e projetos de professores, nem somente um documento que trata das diretrizes pedagógicas da instituição educativa, mas um produto específico que reflete a realidade da escola, situada em um contexto mais amplo que a influencia e que pode ser por ela influenciado". Portanto, trata-se de um instrumento que permite clarificar a ação educativa da instituição educacional em sua totalidade. O projeto pedagógico tem como propósito a explicitação dos fundamentos teóricos-metodológicos, dos objetivos, do tipo de organização e das formas de implementação e de avaliação institucional (p. 11-113).
O projeto pedagógico não é modismo e nem é documento para ficar engavetado em uma mesa na sala de direção da escola, ele transcende o simples agrupamento de planos de ensino e atividades diversificadas, pois é um instrumento do trabalho que indica rumo, direção e construído com a participação de todos os profissionais da instituição.
O projeto pedagógico tem duas dimensões, como explicam André (2001) e Veiga (1998): a política e a pedagógica. Ele "é político no sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade" (André, p. 189) e é pedagógico porque possibilita a efetivação da intencionalidade da escola, que é a formação do cidadão participativo, responsável, compromissado, crítico e criativo". Essa última é a dimensão que trata de definir as ações educativas da escola, visando a efetivação de seus propósitos e sua intencionalidade (Veiga, p. 12). Assim sendo, a "dimensão política se cumpre na medida em que em que ela se realiza enquanto prática especificamente pedagógica" (Saviani, cit por Veiga, 2001, p. 13).
Para Veiga (2001, p. 11) a concepção de um projeto pedagógico deve apresentar características tais como:
a) ser processo participativo de decisões;
b) preocupar-se em instaurar uma forma de organização de trabalho pedagógico que desvele os conflitos e as contradições;
c) explicitar princípios baseados na autonomia da escola, na solidariedade entre os agentes educativos e no estímulo à participação de todos no projeto comum e coletivo;
d) conter opções explícitas na direção de superar problemas no decorrer do trabalho educativo voltado para uma realidade especifica;
e) explicitar o compromisso com a formação do cidadão.

A execução de um projeto pedagógico de qualidade deve, segundo a mesma autora:
a) nascer da própria realidade, tendo como suporte a explicitação das causas dos problemas e das situações nas quais tais problemas aparecem;
b) ser exeqüível e prever as condições necessárias ao desenvolvimento e à avaliação;
c) ser uma ação articulada de todos os envolvidos com a realidade da escola,
d) ser construído continuamente, pois com produto, é também processo.

Falar da construção do projeto pedagógico é falar de planejamento no contexto de um processo participativo, onde o passo inicial é a elaboração do marco referencial, sendo este a luz que deverá iluminar o fazer das demais etapas. Alguns autores que tratam do planejamento, como por exemplo Moacir Gadotti, falam simplesmente em referencial, mas outros, como Danilo Gandin, distinguem nele três marcos: situacional, doutrinal e operativo.

REFERÊNCIAS:
ANDRE,M. E. D. O projeto pedagógico como suporte para novas formas de avaliação. IN. Amélia Domingues de Castro e Anna Maria Pessoa de Carvalho (Orgs.). Ensinar a Ensinar. São Paulo, 2001.
BOUTINET, J. Antropologia do projeto. 5. ed. Porto Alegre: ARTMED, 2002.
LIBNLO, J. C. Organização e Gestão da escola: teoria e prática. Goiânia: Alternativa, 2001.
VASCONCELLOS, C. S. Planejamento: Plano de Ensino-Aprendizagem e Projeto Educativo. São Paulo: Libertat, 1995.
VEIGA, I. P. A. (Org.) Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. 23. ed. Campinas: Papirus, 2001.
_______ . Escola: espaço do projeto político-pedagógico. 4. ed. Campinas: Papirus, 1998.
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Para referência desta página: BAFFI, Maria Adelia Teixeira. Projeto Pedagógico: um estudo introdutório. .:


Projeto Político Pedagógico: moda, exigência ou tomada de consciência?

Edmerson dos Santos Reis


Texto publicado com autorização do autor. Este mesmo texto pode também ser encontrado neste endereço:
http://members.tripod.com/pedagogia/projeto_politico_pedagogico.htm


Pensar um projeto de educação implica pensar o tipo e qualidade de escola, a concepção de homem e de sociedade que se pretende construir.
Ultimamente temos observado uma correria enorme por parte de escolas e sistemas educacionais na busca da construção de seus projetos políticos pedagógicos. As discussões vão desde a importância de um projeto para escola até mesmo a louca corrida pela execução da antiga pedagogia de projetos, mais só agora descoberta por algumas autoridades da educação que a todo custo, mais uma vez tentam às pressas implantá-la, como se esta fosse novamente o ovo de Colombo da educação brasileira, que no decorrer da sua história já descobriu outros ovos que também a todo custo tentaram empurrá-los garganta a dentro dos professores.
Já estamos cansados de compreender que as mudanças na educação dependem fundamentalmente de vontade política, no que diz respeito a encará-la como prioridade nacional – não enquanto lema, mas praticamente – e da vontade e empenho dos professores, que são de fato os responsáveis para no dia-a-dia tornar em prática os projetos e concepções de educação que sempre foi idealizado por alguns e não por eles, o que contribui para que tenhamos tantas propostas interessantes no papel, mas que no fazer pedagógico se mantém a uma distância enorme do idealizado.
As nossas escolas num sentido amplo e os dirigentes políticos, poucos se preocupavam com a existência de um projeto político pedagógico, já que a nossa educação ao logo do tempo, salvo raras exceções, sempre foi um dos caminhos mais fáceis para se praticar os desvios de recursos para outros setores e em muitos casos para o enriquecimento ilícito, o que nos surpreende essa busca geral em que se encontram os sistemas de ensino para concretizarem os seus projetos.
A necessidade de um projeto político pedagógico na escola antecede a qualquer decisão política ou exigência legal, já que enquanto educadores e enquanto membros da instituição escola, devemos ter claro a que horizonte pretendemos chegar com os nossos alunos, com a comunidade e com a sociedade, caso contrário não estaremos exercendo o nosso papel de educador, mas simplesmente de "aventureiro", que não sabe onde quer chegar.
Como na educação a moda é uma constante, principalmente por parte daqueles que na verdade ficam esperando um pacote pronto de técnicas e métodos de ensino, em vez de buscarem desenvolver a criatividade e na prática irem recriando a sua própria prática pedagógica, questiono: será mais uma moda? Será que a educação "entenda-se educadores e dirigentes dos sistemas educacionais" acordaram e resolveram de fato assumirem o pacto pela qualidade da educação? Ou será apenas mais uma corrida para que cumpramos mais uma vez as exigência legais e dos acordos internacionais? Será que cada escola vai assumir ou ter apenas um projeto escrito? Ou continuaremos com as mesmas e velhas práticas autoritárias e alienantes dos nossos alunos e no dia seguinte, com o peito aberto sairmos profetizando a mudança, pregando a demagogia e falando de formação para a cidadania e para o viver da democracia?
Claramente, não acredito nas mudanças da educação quando elas acontecem de cima para baixo. Se a escola é fruto da sociedade, é conseqüência dos saberes construídos socialmente, culturalmente, subjetivamente pelas pessoas que estão fora e dentro da escola, como podemos pensar em mudanças a partir daqueles que não estão diretamente ligados a esta realidade. Alunos, professores, comunidades, não podem figurar apenas nos papéis e nas propostas, devem fazer parte do sistema de reformulação do pensar a educação e a escola.
Sendo assim, a mola principal das mudanças, é a postura e crença do educador num repensar a educação e a sua própria caminhada, senão, como já disse ex Ministro da Educação Carlos Chiarelli em 1992 "os professores fingem que ensinam, os alunos fingem que aprendem e o governo finge que controla", quando na verdade deveríamos assumir o papel de educador, para tentarmos envolver e empolgar a sociedade a lutar por uma educação mais real, digna de um país de 500 anos de "descobrimento".

Para referência desta página:
REIS, Edmerson dos Santos. Projeto Político Pedagógico: moda, exigência ou tomada de consciência?. In.: BELLO, José Luiz de Paiva. Pedagogia em Foco, Rio de Janeiro, 2001.
Disponível em: . Acesso em: dia mes ano.
















ELABORAÇÃO DO PROJETO PEDAGÓGICO DA ESCOLA *


FREITAS, Dirce Nei Teixeira **



Resumo: O texto apresenta uma proposta procedimental para a elaboração coletiva do projeto pedagógico da escola. Parte da idéia de que este pode vir a ser um importante instrumento de gestão escolar, se orientado pela lógica democrática. Considera, ainda, a possibilidade de que a escola venha a lhe dar uma significação própria.




O projeto pedagógico escolar pode adquirir significativa importância prática no espaço local. Primeiramente, se o coletivo escolar lograr apropriar-se crítica e criativamente desse instrumento de gestão, não o submetendo a uma lógica legalista, burocrática, tecnicista, corporativista ou mesmo de simples adesão às diretrizes estatais.

Em segundo lugar, porque pode se constituir em estratégia efetiva na eliminação de práticas intra-escolares que impedem uma ação institucional integrada, competente e compromissada com a cidadania de educandos e educadores.

Terceiro, porque o projeto pedagógico poderá contribuir para a vigência e consolidação da gestão democrática da educação, a partir do espaço intra-escolar.

São razões que justificam a indicação de encaminhamentos possíveis no trabalho de delineamento desse instrumento de gestão escolar. A proposta que aqui se apresenta não tem a pretensão de ser única nem a melhor.


1. CONDIÇÕES BÁSICAS

A primeira condição necessária à elaboração do projeto pedagógico diz respeito à direção política da gestão institucional. Esta consiste na visualização, pelo coletivo, da ação intencionada com um sentido definido explícito. Para tanto, precisa considerar as necessidades históricas como definidoras das funções sociais da educação. Isto pressupõe a compreensão da política educacional (do significado da vinculação educação — desenvolvimento) bem como de proposições alternativas formuladas pela sociedade.
Outra condição necessária é a de instauração do propósito coletivo de gerar mudanças e assumir promessas para o futuro, o que supõe rupturas com o presente. O núcleo desse processo é a mudança do pensar / fazer de modo a gerar uma cultura institucional na qual a escola pública seja uma conquista da cidadania e não meramente um aparelho burocrático do Estado. E isto requer renovação dessa instituição cuja direção o projeto pedagógico deverá sinalizar.

A definição do projeto pedagógico exige e pressupõe o envolvimento das pessoas, a participação e cooperação das instâncias administrativas estatais, a responsabilidade e atuação ativa e crítica dos atores. Também requer a recuperação do planejamento, agora como atividade plena de significado e fundada na prática da auto-avaliação.

A possibilidade de definir um projeto pedagógico implica a ausência de um padrão institucional único e a autonomia como processo e como produto. A gestão democrática poderá contribuir para que os usuários da escola deixem de ser tratados como meros receptores e passem a atuar como dirigentes, gestores e fiscalizadores. Para tanto, há que se exercitar a iniciativa, a crítica e a criatividade nas perspectivas individual e coletiva.

O desencadeamento do processo de elaboração de um projeto pedagógico precisa ter como ponto de partida a insatisfação dos atores (educadores, educandos e família) com a atuação e os resultados da escola. Ou seja: a existência do desejo coletivo de instaurar intencionalidade e prática que alterem o quadro presente.


2. CONCEPÇÃO E ELABORAÇÃO

O processo de elaboração do projeto pedagógico depende de como o coletivo escolar concebe esse instrumento de gestão. Entre diversas possibilidades, verifica-se um entendimento do mesmo como instrumento de:
a) ordenação e regulação da organização e atuação da instituição escolar segundo uma lógica burocrática, tecnicista e legalista. Neste caso, a elaboração centra-se na forma, no processo e instrumentos;
b) definição da posição e compromisso políticos da instituição escolar, sendo elemento definidor e ordenador do conteúdo / forma do trabalho escolar, das relações internas e externas da instituição. A elaboração do projeto pedagógico então centra-se no estabelecimento da intencionalidade política (ou seja, na decisão sobre finalidades) e na seleção dos meios operativos;
c) reforma educacional no espaço local, constituindo-se em contrato que rege, ordena e regula o processo de “publicização” da instituição escolar, permitindo a sua regulação interna e externa. O que conta é estabelecer claramente o produto, razão de ser do contrato. Neste caso, os resultados (estabelecidos na forma de indicadores) assumem o lugar central na elaboração do projeto pedagógico;
d) construção do caráter público da escola pública via sua efetiva democratização, orientada para a cidadania emancipada e qualidade social, sendo carta de compromisso produzida pelo e para o coletivo escolar, estabelecendo princípios e opções de caminhos no processo de construção da inclusão e do êxito dos sujeitos históricos e da instituição. Neste caso, são importantes as finalidades, o conteúdo / forma , o processo, os meios e os resultados do trabalho escolar.

3. PROCEDIMENTOS DE ELABORAÇÃO

A questão de como elaborar um projeto pedagógico comporta diversas propostas procedimentais. Propõe-se, aqui, o trabalho em torno de três tarefas básicas:
a) definir uma intencionalidade institucional (própria) no contexto do projeto educacional nacional e de acordo com as necessidades e possibilidades locais (institucionais, comunitárias, municipais);
b) estabelecer os princípios que regerão as decisões e ações da instituição e de seus atores;
c) delinear as propostas pedagógica, de desenvolvimento institucional e de integração com outros espaços e atores educativos.

A realização dessas tarefas pode ser conduzida de diferentes maneiras. Nesta proposta, são indicadas as etapas e procedimentos que seguem.

ETAPA I - Estudos prévios pelo coletivo da instituição escolar

Estes estudos terão como objetivos: (a) entender o que é um projeto pedagógico; (b) entender o projeto pedagógico dentro do projeto educacional nacional; (c) identificar a margem de autonomia da instituição escolar e a sua tarefa específica; (d) situar a educação no contexto da sociedade contemporânea.
ETAPA II - Avaliação da realidade educacional

As ações deste segundo momento terão como objetivos: (a) identificar e avaliar a intencionalidade educativa e os princípios que têm regido efetivamente a atuação da instituição escolar considerando as proposições já estabelecidas e anunciadas no regimento e plano escolar, em confronto com a prática que se dá no cotidiano da instituição escolar; (b) identificar e interpretar os resultados da atuação da escola (quantidade / qualidade), considerando os âmbitos pedagógico, administrativo e político sob a ótica dos atores escolares, da comunidade e do sistema educacional; (c) identificar as necessidades, as demandas, as expectativas e possibilidades internas (da instituição) e externas (da clientela, da comunidade na qual a instituição está inserida e da municipalidade); (d) confrontar a atuação da instituição escolar e os resultados por ela obtidos com as necessidades, demandas, expectativas e possibilidades internas e externas; (e) delinear uma “carta de intenções” como resultante da caminhada feita até aqui.

O que se persegue, nesta etapa, é dar conta das seguintes questões: Qual é a visão de educação inscrita na proposta da instituição escolar (em seu Regimento Escolar, em seu Plano Escolar, nas Diretrizes Curriculares que adota ) ? Qual é a visão de educação que se revela e se efetiva na ação da instituição escolar ? No contexto da reforma educacional em curso, que visão de educação condiciona a visão da escola ? Quais os imperativos da comunidade que condicionam essa visão de educação? Qual é o espaço de autonomia da escola na definição do projeto pedagógico ?

ETAPA III - Tomada de decisões

Visualizado com maior nitidez o quadro a partir do qual se vai trabalhar, parte-se para a tomada de decisões em torno de dois objetivos: (a) confrontar a “carta de intenções” com o projeto nacional de educação, precisando qual é a tarefa da instituição escolar; (b) estabelecer os eixos de ação na realização da tarefa da instituição escolar.


ETAPA IV - Formulação do projeto pedagógico

A formulação do projeto pedagógico resultará no delineamento de três propostas de atuação institucional, conforme segue.

A proposta pedagógica que, tendo como eixo a definição da função específica da instituição (a educacional), incluirá: a intencionalidade (fins e objetivos) desta frente ao contexto e à clientela; os princípios norteadores da efetivação dessa intencionalidade; a indicação das ações, condições e meios (humanos, materiais, técnicos e didáticos) de realização de tal intencionalidade, entre os quais se colocam as principais diretrizes quanto a currículo e formação permanente dos profissionais do ensino.

A proposta de desenvolvimento institucional que poderá ser organizada em torno dos eixos: estrutura político-administrativa e forma operacional. No primeiro, será definido o modelo organizacional da instituição (aparelho, papéis, hierarquias, normas e regulamentos) e a organização do ensino (regime, ordenação e alternativas complementares à ação regular na forma de programas e projetos). No segundo, serão definidas as linhas gerais do planejamento escolar (planos de trabalho dos vários setores, calendário e cronogramas escolares), o padrão de gestão que se tem em vista (colegiados, mecanismos, processos e critérios), a avaliação interna e externa do ensino e da instituição (processos, instrumentos, indicadores, critérios).

A proposta de integração da ação da escola no contexto educacional amplo. Esta proposta contempla relações no espaço intra-sistema (escola — outras escolas, escola — órgãos do sistema e, ainda, níveis de ensino anteriores e posteriores) e relações extra-sistema (articulação com outros sistemas, outras redes de escolas, outros espaços e atores educativos no âmbito da comunidade e do município).

O desenvolvimento do processo de elaboração do projeto pedagógico poderá ser realizado através da constituição de comissões específicas, cujos membros representem os atores institucionais e comunitários. Essas comissões encaminharão consultas prévias e submeterão toda produção à apreciação e aprovação do coletivo, em assembléias previstas para tal fim. Esse processo deverá privilegiar o diálogo, a consulta e a deliberação coletiva. Deverá ser, também, sistemático.


4. O DOCUMENTO

O documento final que registra e apresenta o projeto pedagógico da escola poderá ser organizado como segue:

1. Capa contendo:
a) identificação da instituição — nome, sistema, localidade, ano;
b) título do projeto.
2. Folha de rosto contendo a indicação de nomes e funções dos representantes dos vários setores da instituição e da comissão de sistematização e redação do projeto pedagógico.
3. Sumário
4. Introdução: de que trata o documento, justificativa, objetivos gerais, metodologia de elaboração e estrutura do documento.
5. Perfil e Prioridades Institucionais
Deve conter: dados e análises que informem sobre a realidade institucional nos aspectos material, administrativo, pedagógico e político; indicação e ordenação de prioridades.
6. Fundamentos e Princípios
Deve apresentar as reflexões teóricas (em especial sobre a função da escola), explicitar os conceitos centrais do documento (cidadania, educação, escola, conhecimento, ensino, aprendizagem, avaliação, papel docente e discente) e enumerar os princípios gerais que deverão reger a ação dos atores e a atuação institucional.
7. Proposta Pedagógica
Deve conter: princípios específicos, objetivos, ações cronogramadas, condições e meios.
8. Proposta de Desenvolvimento Institucional
Deve conter: princípios específicos, descrição da “nova” estrutura organizacional, caracterização da “nova” organização do ensino, descrição do padrão de gestão escolar, regimento escolar, plano de desenvolvimento institucional (objetivos específicos, metas e projetos) e sistemática de avaliação institucional (interna e externa).
9. Proposta de Integração Social
Deve conter a indicação: dos princípios específicos, dos objetivos, das ações, dos mecanismos e instrumentos.

10. Cronograma Geral de Execução
Deve apresentar os objetivos estabelecidos (nas três propostas) na perspectiva de tempo e indicar os momentos de publicação e reelaboração do projeto pedagógico.
11. Previsão de Recursos Necessários
Prever recursos financeiros, materiais, humanos e técnicos necessários .
12. Bibliografia



5. FINALIZANDO


Não se trata de um empreendimento fácil e de rápida conclusão, até mesmo porque à formulação do projeto pedagógico segue a sua operacionalização que implica um processo no qual coexistem a execução, o acompanhamento, a avaliação e o controle da direção que se imprime ao fazer.

A elaboração do projeto pedagógico nada mais é que uma etapa num processo que, dada a sua natureza, não é conclusivo representando avanço na direção de uma finalidade que permanece como horizonte da instituição escolar: a construção contínua de uma cultura institucional cujo valor central é a produção de certo padrão de qualidade educacional.

Trata-se de optar por um determinado padrão de qualidade educacional, entre diversas escolhas possíveis. Basicamente, a escola tem sido chamada a optar pela busca de um padrão marcado pela centralidade dos objetivos de eficiência e governabilidade, pretendido pela atual reforma educacional do Estado brasileiro, ou pela busca de um padrão centrado nos direitos de cidadania cujos objetivos perseguem a promoção do homem pessoa /cidadão / sujeito de sua história.